
Por Naomi Viteli
Redação RUA
“Oh Canada” (2024), filme de Paul Schrader, baseado no livro de Russel Banks, foi lançado neste último mês no Brasil e é, apesar de certas ressalvas, uma boa escolha para todos que sabem se deliciar entre o melancólico e o incerto. A história conta sobre Leonard Fife, um documentarista renomado, aposentado e com um câncer em tratamento paliativo, que concorda participar de um documentário sobre sua própria vida e relata como foi sua trajetória de desertor e chegada até o Canadá para não servir na Guerra do Vietnã.
Enquanto Leonard está sentado diante das câmeras, sua principal preocupação é tentar se tirar do lugar de idealização que rodeia o seu caráter, em especial por sua esposa atual, Emma, que ouve aquelas histórias pela primeira vez. O personagem reitera repetidamente sobre como o retrato da realidade em que o fez ganhar o seu nome como documentarista não perpassou para sua vida pessoal, e que com esse filme ele teria a oportunidade de fazer consigo o que fez com os outros durante sua carreira. Ao mesmo tempo, ainda que em partes sejamos impelidos a acreditar no que acompanhamos em seu fluxo de memória e consciência, a trama se entrelaça em torno da dúvida da validade do que está sendo relatado pelo personagem doente por Emma, que é vista como o pilar da relação e está contra aquela gravação.
As transições de sua aparição mais velho e mais novo são como um emaranhado da confusão do próprio Leonard, que flutua entre linhas temporais de adultérios cometidos no passado, o momento que conhece sua esposa atual e sua viagem de carro até o Canadá. Confusão essa muito bem retratada no filme com planos detalhes de seus olhos inquietos enquanto tenta responder as perguntas, e um certo nevoeiro na fotografia na gravação do documentário, como também na troca dos atores Jacob Elordi e Richard Gere que interpretam o personagem nos diferentes estágios da vida nas cenas do seu passado.
A uma distância de achar que o filme não deixa lacunas sem preenchimento, da relação com sua esposa e com o mundo ao seu redor enquanto sua carreira se desenrola, ele ainda assim consegue se sustentar nesse processo de reminiscência, não desapegando da melancolia do estado de Fife já doente e dependente de cuidados. Nesse relato remendado entre as lembranças e seu presente, sem seguir necessariamente uma linearidade, e se utilizando bem dos recursos da imagem em preto e branco quando há passagens de sua antiga vida, nos envolvemos até o final incerto com Fife chegando no Canadá em um campo aberto no passado e ao fim do documentário no presente pela impossibilidade de Leonard de continuar.