Crítica | Guida (2015), de Rosana Urbes

Por Laura Penalva

Do grafite à aquarela, do preto e branco ao colorido, dos sonhos à realidade, Guida (Rosana Urbes, 2015) explora a diversidade do ser feminino a partir de interpretações visuais variadas. Ao acompanhar o cotidiano pacato de uma funcionária do fórum – a qual nomeia o curta-metragem –, a obra expõe a estética e os incômodos relacionados ao envelhecimento do corpo feminino, além de trabalhar a influência da arte sobre a autoestima da protagonista.

A trama se inicia com os sonhos e o despertar preguiçoso de Guida, a qual se prepara para mais um dia de serviço. Em frente ao espelho, ela realiza um passeio pelo próprio corpo, notando a flacidez de sua pele, enquanto, pela casa, retratos de sua infância como bailarina reforçam seu envelhecimento. A personagem se destaca visualmente devido ao contraste entre o traço oscilante, que remete ao grafite, e o ambiente em estilo de aquarela. Além disso, ao longo de toda a obra, as texturas de papel agregam um caráter verossímil de arte manual, voltando às práticas tradicionais de ilustração. 

No fórum, Guida celebra seu trigésimo ano de trabalho e percebe não ser a única a ter sofrido a passagem de tempo: todos ao seu redor também expressam os sinais da velhice. Em sequência, um anúncio à procura de modelos vivos para aulas de desenho chama a sua atenção, e a ideia de buscar um acolhimento na arte é reforçada por programas de televisão: ao ver mulheres na mesma faixa etária exercendo fazeres criativos, como pintura e dança, ela toma sua decisão. Essa cena evidencia a importância da representatividade no meio artístico, que, de modo bem simples, é capaz de fomentar atitudes positivas na sociedade.

Guida (2015, Rosana Urbes)

O filme alcança seu ápice com a desenvoltura de Guida como modelo: o ato de se despir é comparado ao desabrochar de uma flor, uma metáfora referente à delicadeza desse corpo provecto. Em seguida, o ambiente é envolto pelo som de lápis riscando papel, e as múltiplas leituras da personagem são mostradas. Adaptada para obras de Tarsila do Amaral, Pablo Picasso, Frida Kahlo, entre outros artistas, Guida transita pelas distintas representações da mulher ao longo da história e, desse modo, retrata uma noção de liberdade e leveza contrária àquela presente em seu cotidiano. Essa questão demonstra não somente as diferentes visões de cada um para com uma mesma pessoa, mas também as diversas possibilidades de ser. Ademais, é notável que, após essa sessão, a animação como um todo passa a ser mais alegre e colorida, fugindo dos tons de vermelho e marrom predominantes até esse momento.

Ainda nessa sequência, a música também possui papel relevante, pois seu volume, em consonância com o estado de espírito da protagonista, se torna gradativamente mais alto, além de transitar entre estilos e instrumentos variados, o que corrobora o significado do enredo.

Por fim, os créditos acrescentam significado à narrativa, visto que são acompanhados por ilustrações, animações, colagens e esculturas da protagonista feitas por artistas brasileiros, reafirmando a concepção de diversidade e unicidade das mulheres por meio dos diferentes estilos, formatos, materiais e cores utilizados. Assim, independentemente da singularidade de cada mulher, o envelhecimento de nossos corpos é inevitável, sendo a aceitação e o bem-estar fatores que merecem atenção. 

Que a arte continue a nos acolher e inspirar. 

Guida está disponível no YouTube em https://youtu.be/c5xB5b3dQK8

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