A permanência do faroeste

por Josette Monzani*

A propósito do lançamento maciço em DVD dos clássicos do gênero.

Homens gostam de faroeste. Já as mulheres preferem assistir às comédias românticas, aos dramas psicológicos e aos filmes de suspense.

O faroeste vem sendo um gênero bem trabalhado desde o início do cinema e sofreu diversas mutações, no decorrer do tempo. O Grande Roubo do Trem (1903), de Edwin S. Porter, deve ter sido o primeiro de uma longa série. Diz George Sadoul (História do Cinema Mundial) a seu respeito: “Graças a Porter nasce antes de tudo um estilo nacional cujo atrativo (…) será logo considerável sobre os públicos de todas as nações”. Vejamos como isto se deu.

Após um período de experimentos e de fixação dos temas principais dos filmes do Oeste (lutas na fronteira e Guerra de Secessão), o faroeste ganha força com o advento do cinema sonoro (por volta de 30), explora ao máximo a marcha em direção ao Oeste (com a luta dos vaqueiros contra os roubos de gado e de índios contra brancos, exército e desbravadores) e, após muitas tentativas, aparecem clássicos como No Tempo das Diligências (1939), do grande realizador John Ford, Aliança de Aço (1939) de Cecil B. De Mille, Jesse James (1938) de Henry King, Uma Cidade que Surge (1939) de Michael Curtiz, e tantos outros.

É então que, como diz o crítico Jean Louis Rieupeyrout (O Western ou O cinema americano por excelência), o faroeste tradicional “chegou a um elevado grau de perfeição formal”. A intriga é refinada, a expressão plástica, também. O faroeste sofre um “boom” e surgem nossos conhecidos até hoje: Sangue de Heróis; Paixão dos Fortes; Duelo ao Sol; Matar ou Morrer; Rio Vermelho; Rastros de Ódio; Os brutos também amam; Rio Bravo (realizados nos anos 40 e 50).

Nos anos 60 e 70, estes filmes continuaram sendo feitos, o gênero persistiu, com grande produção italiana, além da norte-americana e da francesa, já tradicionais. Vejam-se Meu Ódio será Tua Herança; Bravura Indômita; O Homem que Matou o Facínora; Pistoleiros do Entardecer; ou Era uma Vez no Oeste; Adeus, Gringo; Califórnia, Adeus; Um Colt para os Filhos do Diabo; Django; O Dólar Furado; Por um Punhado de Dólares.

Mais recentemente o gênero reapareceu. Há bons exemplos como Os Últimos Fora-da-Lei; Os Imperdoáveis e O segredo de Brokeback Mountain. E outros não tão felizes como Wyatt Earp; Tombstone; Gunsmoke – A Justiça de um Homem; Frank e Jesse – Fora da Lei; E estrelando Pancho Villa e Rastro Perdido.

Tanto os novos quanto os antigos sucessos foram lançados em DVD e são muito populares e procurados nas locadoras, especialmente junto ao público masculino, o que nos faz pensar nos motivos deste sucesso duradouro e atual.

André Bazin (O que é o Cinema?) pode nos ajudar a refletir. Diz ele a respeito dos roteiros de faroeste: “A segurança material das diligências, a proteção das tropas federais, a construção de grandes estradas de ferro importam talvez menos que a instauração da justiça e de seu respeito”. E, completando, podemos dizer, são os mocinhos, verdadeiros heróis, infalíveis e invulneráveis, como Aquiles e Hércules, que estarão lá para garanti-la.

Nesse gênero, a lei e a moral são questionadas. É freqüente no faroeste a discussão do dever. Para tal, o mocinho é submetido a provas cavalheirosas, que atestarão o seu valor pessoal, graças ao seu respeito pelas leis sociais e morais (e o farão ganhar o amor da mocinha). (tropicanabakery.com) Esquema simples.

A “grandeza ingênua” do faroeste, na definição exemplar de Bazin, pode ser o elemento cativante de seu público há tanto tempo. É fácil a identificação com esses heróis, fortes na luta e, ao mesmo tempo, impulsionados por princípios primordiais do funcionamento social.

Isto nos leva a perguntar: será que a problemática da luta entre o Bem e o Mal, dos princípios que regem a justiça, concerne, então, mais aos homens do que às mulheres, já que aqueles constituem o público do faroeste?

Parece que não. O que se assiste no nosso cotidiano é a identificação de ambos, homens e mulheres, com o herói destes filmes, geralmente, um vaqueiro. É assombroso o gosto pelas caminhonetes (tipo F-1000) – que tanto faz lembrar os carroções e as diligências; os cinturões de couro; as botas; os “jeans” e as pochetes (que evocam o cinturão com armas preso aos quadris) – por parte das classes médias, com especial destaque para os profissionais liberais.

Mas o fenômeno não pára por aí. Os ícones dos desbravadores também estão presentes atingindo níveis sociais mais amplos. Surpreende o sucesso, a aceitação maciça da que pode ser chamada música “country” nacional e das festas de peão de boiadeiro. Ainda uma outra extensão é o culto da cavalaria, que vai da criação ao uso do cavalo como meio de transporte e lazer.

É claro que este fenômeno também é forte por encontrar ressonâncias na nossa popular figura do vaqueiro, intrépido e puro, que tanto compõe o universo nordestino como o das tradicionais fazendas do sul do país, que remontam a séculos passados.

Enfim, os homens viris, armados e corajosos, e as mulheres castas, como as heroínas dos faroestes (das damas do saloon – prostitutas, mas de bons princípios – às mocinhas virgens e destemidas), são símbolos, aqueles, da lealdade e seriedade masculinas e, estas, da firmeza feminina de caráter – que parecem, a despeito de nos considerarmos muito avançados e modernos, no início do século XXI, ainda muito em vigor.

Resta perguntar, em vigor, na prática ou idealmente?

*Josette Monzani é profa. de cinema do Mestrado e do Bacharelado em Imagem e Som da UFSCar

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