A Produção Filmográfica de Victor Sjöström na Suécia e em Hollywood: diferenças estéticas e narrativas

Lucas Vicensotto Trofino*

Introdução

Victor Sjöström foi um ator, roteirista e diretor de filmes sueco. Seu trabalho não  se restringiu, no entanto, ao país escandinavo de sua naturalidade,  tendo migrado para os EUA, aceitando uma proposta de trabalho em Hollywood. A partir daí, notamos diferenças estéticas e narrativas em sua produção filmográfica. Este artigo procura analisá-las baseando-se em suas obras de maior repercussão crítica e/ou popular suecas e hollywoodianas, comparando-as a fim de verificar as transformações ocorridas no imagético e na forma de narrar de Sjöström, no período compreendido entre 1921 e 1928. O  artigo tem como referência a análise fílmica pessoal de Körkarlen (1921), He Who Gets Slapped (1924) e The Wind (1928).

Victor Sjöström nasceu na Suécia em 1879 e faleceu em 1960 no mesmo país. Seu primeiro filme de sucesso foi Ingeborg Holm, que conta a história de uma mulher que doa seus três filhos por não poder criá-los devido à pobreza. O filme já se destacava tanto na narrativa quanto na estética da época em relação à maioria da produção silenciosa , pois apesar da característica da fixidez da câmera, Sjöström explorava com maestria a profundidade de campo e linhas narrativas mais complexas,  na qual as personagens, ou ao menos a protagonista, possuíam considerável densidade psicológica e complexidade.

Ingeborg Holm, de 1913, inicia a carreira de sucesso de Sjöström na Suécia, que contaria ainda com obras como Terje Vigen (1917) e Berg-Ejvind och hans hustru (1918) antes de seu maior sucesso como diretor sueco: Körkarlen, A Carruagem Fantasma.

A Carruagem Fantasma representa o ápice da carreira de diretor de Sjöström na Suécia. Foi produzido em 1921, com roteiro escrito pelo próprio Sjöström, baseado em um romance de Selma Langerlöf. O filme conta a história de um marido (David Holm, interpretado pelo próprio Sjöström) que se torna alcoólatra e maltrata sua mulher, que por sua vez foge de casa. Holm então sai em busca de sua mulher e seus filhos por várias cidades da Suécia, quando em certo momento se depara com a irmã salvacionista Edith, transmitindo pneumonia a ela, que viria causar seu falecimento. Como pano de fundo dessa história temos a maldição da Carruagem Fantasma: a última pessoa a morrer na passagem de um ano para o outro deverá conduzir a Carruagem Fantasma por um ano, carregando aqueles que morrem e que não serão levados por anjos.

O filme contou com inovações na técnica na medida em que em sua revelação, o trabalho de laboratório envolveu a superposição com diferentes exposições de três camadas de filme, a fim de criar o efeito de semi-transparência da Carruagem e possibilitá-la transitar em três dimensões pelo cenário.

Esteticamente observamos certa semelhança com o cinema expressionista alemão, principalmente no que diz respeito aos efeitos de iluminação (sombras evidentes e com alto grau de distorção dimensional) e da manifestação do clima e dos sentimentos principais da narrativa, de forma plástica em todo o filme.

A narrativa não é linear, assim como o romance em que se baseia. Além disso, é tematicamente trágica e densa, e, mesmo com arrependimento e perdão do protagonista ao final do filme, este se encerra em um clima de tragédia.

A Carruagem Fantasma foi o último filme que Sjöström dirigiu antes de mudar-se para os EUA, e o sucesso tanto de crítica quanto de público do filme foi um dos grandes responsáveis para que isso se sucedesse, aliado à decadência da produção cinematográfica sueca, que fez com que Sjöström aceitasse.

Já em Hollywood, o primeiro filme que Sjöström dirige, sob contrato com a MGM é He Who Gets Slapped (1924) ou Lágrimas de Palhaço. O filme é o primeiro a contar com Leo, o leão, como logotipo da recém formada MGM (junção das independentes Metro, Goldwyn e Mayer) e também o primeiro longa-metragem produzido pela mesma – porém não o primeiro a ser lançado, pois foi guardado para o período de férias.

He Who Gets Slapped conta a história de Paul Beaumont, um cientista pobre que patrocinado por um barão consegue provar suas teorias sobre a evolução. O Barão, entretanto, ao perceber que o trabalho de Paul está concluído, rouba suas teorias divulgando-as como sendo de autoria pessoal em um congresso, e esbofeteando Paul na frente de todos. Paul ainda descobre que sua mulher o traía com o barão e, então, foge, indo trabalhar em um circo como palhaço, no qual seu número é ser esbofeteado por outros palhaços.

Observamos que em comparação a Körkarlen, He Who Gets Slapped, produzido nos EUA sob o tradicional studio system e com o star system, evidenciado por Paul Chaney e Norma Shearer, já apresenta por esses e outros fatores uma maneira de narrar e estética diferentes. O filme, baseado em uma peça de teatro, enquanto conserva o enredo mórbido desta, não é em nada sombrio ou de caráter expressionista como Körkarlen. Os planos costumam ser mais curtos e a profundidade de campo é menos utilizada, assim como a iluminação é menos focalizada e mais generalizada, não tentando transmitir a impressão de ser diegética.

Ao mesmo tempo em que He Who Gets Slapped destoa de Körkarlen na narrativa e na estética, ele mantém o que se pode chamar de “tradição” de Sjöström de narrar histórias tristes. No entanto, esse estilo não agrada às grandes produtoras de Hollywood, aí inclusa a contratante de Sjöström, a MGM, que faz pressão para que ele não produza mais filmes desse estilo.

Temos então The Wind, de 1928, mais conhecido pelo seus “efeitos especiais” de fortes ventos e por estrelar Lillian Gish como protagonista. No filme, Gish interpreta Letty, uma jovem que está mudando do Leste para o Texas, sem dinheiro algum e que, pretendendo, ficar na casa de seu primo, descobre que não é bem vinda pela esposa dele e tem de sair. Letty então se casa com um homem que não ama, apenas para ter onde ficar. Ele, que estava apaixonado, percebe que não é amado e mesmo assim permite que Letty fique em sua casa, e ainda promete conseguir dinheiro para que ela viaje de volta para sua terra. No desfecho, ele consegue o dinheiro suficiente para que Letty retorne, porém ela não quer mais retornar, pois agora o ama de verdade.

O espaço onde se passa o filme é caracterizado por apresentar fortes ventos, carregados de areia o tempo todo. Estes ventos foram produzidos por enormes turbinas de avião ligadas nas locações de filmagem.

Enquanto o filme se distancia ainda mais da estética de Körkarlen, difere mesmo de He Who Gets Slapped ao trabalhar uma narrativa tipicamente hollywoodiana, com final feliz. O filme foi um grande sucesso de público e crítica, porém, Sjöstrom decide voltar para a Suécia em 1930, onde dirige mais dois filmes. Na posteridade acaba ficando mais conhecido como ator do que como diretor e, como tal, seu papel mais lembrado foi o de professor, em Morangos Silvestres (1957) de Ingmar Bergman.

Suécia (1921)

Hollywood (1924 – 1928)

Körkarlen

He Who Gets Slapped

The Wind

Narrativa

não-linear

linear

linear

Enredo

trágico e denso

trágico e mórbido

hollywoodiano clássico, com final feliz

Profundidade de campo

muito utilizada

pouco utilizada

muito pouco utilizada

Planos

longos

curtos

curtos

Iluminação

pouca e direcional, com acentuadas sombras

abundante e geral, sem destaque para as sombras

abundante e geral, sem destaque para as sombras

Conclusão

Pudemos observar, com a análise dos três filmes apresentados, a variação que se deu no estilo visual e narrativo de Sjöström a partir de sua mudança de país, da Suécia para os EUA. Não se pode assegurar que as mudanças observadas devem-se exclusivamente à mudança de território e sistema de produção, pois não podemos excluir todos os outros fatores que levam um diretor a seguir determinado estilo e que estão sempre sujeitos à variação, como idade, ideologias, estado de espírito, dentre outros. No entanto, fica bastante evidente que algumas mudanças foram muito provavelmente devido à submissão ao studio system estadunidense, onde se dirigia grandes estrelas, ao invés de dirigir-se a desconhecidos ou a si mesmo, e onde se estava sujeito a grandes companhias, com grande distribuição e enormes montantes de dinheiro.

*Lucas Vicensotto Trofino é graduando em Imagem e Som na Universidade Federal de São Carlos e atualmente estuda na University of Roehampton, em Londres.

Referências Bibliográficas

SCHMIGE, Maximilian. Film History Research Comparison Victor Sjöström: Life and Career. 2005. Disponível em <http://files.maximilian-schmige.com/victor_sjostrom_research_ucsb_by_schmige_2005.pdf>

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