Entrevista com Fernando Morais da Costa

Por  Jéssica Agostinho*

Prof. Dr. Fernando Morais da Costa Foto: Fernanda Sales Rocha Santos

Fernando Morais da Costa é professor Adjunto do Departamento de Cinema e Vídeo e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFF (Universidade Federal Fluminense) e autor do livro O Som no cinema brasileiro, publicado pela editora 7 Letras, em 2008. Atua também como técnico de som, editor e desenhista de som para cinema e tem publicado, com regularidade, artigos e capítulos de livros – resultantes de suas diversas pesquisas sobre o som no cinema.

Leia a introdução completa, por Suzana Reck Miranda, clicando aqui.

RUA: Como você enxerga o cenário atual de pesquisa sobre som? É satisfatório ou há muito o que melhorar? Quais linhas de pesquisa oferecem maiores possibilidades?

Fernando Morais da Costa: A gente tem um momento hoje de pesquisa de som no Brasil que ele é, em tamanho, em número de pesquisadores e tal, inédito. Nesse sentido, é bom você ter grupos grandes de pesquisadores de som, você saber quem é o professor de som na UFSCar, quem é de Pernambuco, como é o Rodrigo, etc. E a gente tem tranquilamente hoje uma rede de pesquisadores de som no Brasil como a gente não tinha há uns 10 anos atrás. Então, nesse sentido, é muito legal você perceber um crescimento de área mesmo. Agora, há muito o que pesquisar, claro. Você tem os recortes desses próprios pesquisadores, mas você tem muita coisa por pesquisar. E você tem alguns pesquisadores que são eminentemente historiadores, o que é ótimo. Você tem um cara hoje como o Rafael de Luna Freire, por exemplo, pesquisando muito a fundo tecnologias de sonorização de salas de cinema, da história do cinema brasileiro, e etc. Você tem as pessoas mais afeitas às questões teóricas, a Suzana [Reck Miranda], professora de vocês, é uma pesquisadora de música, quase que exclusivamente música para cinema, de uma relevância muito grande. Você tem uma pluralidade muito grande de recortes dentro do som possíveis. Eu pesquiso silêncio no cinema, possibilidade de uso do silêncio no cinema porque eu ainda acho importante continuar escrevendo sobre isso.

RUA: Seria possível destacar o cinema brasileiro como uma cinematografia que utiliza o som de uma maneira diferenciada?

FMC: Que tem um papel de destaque hoje o cinema brasileiro no som, tem, evidentemente tem. É usado de forma tão interessante quanto em qualquer outro lugar. Há um cuidado muito grande com o que a gente chama de construção dos sons ambientes. Quer dizer, os filmes estão cada vez mais repletos de som para exprimir bem as possibilidades de ambientar o som de cada locação ou de cada lugar. Você tem filmes que tem usado o som de uma forma ao mesmo tempo muito inventiva e muito central para as suas narrativas. Tá todo mundo falando, agora, nesse começo de ano, de O Som ao Redor, por exemplo, do Kleber Mendonça Filho. De fato você tem um papel importante do som ali, na construção da narrativa e na ambientação daquele lugar. É um filme passado num bairro só de uma cidade, que é o Recife, que tem um universo sonoro ali muito bem construído. Mas acho que no cinema contemporâneo brasileiro você tem usos de som interessantes, vários. Seja pela construção do som ambiente, seja a persistência da voz do narrador, diferentes modos de usá-la, relações entre silêncio e ruídos, enfim, vários.

RUA: Há alguma inovação no som do cinema brasileiro que tenha influenciado o som nas cinematografias mundiais?

FMC: Eu acho que o que dá pra dizer é que você teve um sucesso muito grande de determinados usos de som, de relações entre som e imagem, que você também teve em alguns outros lugares. Isso acontecia concomitantemente pelo mundo afora. Por exemplo, lá no comecinho do cinema sonoro, a importância da relação com a música popular, quer dizer, o cinema sonoro pega como sucesso de público aqui no Brasil a partir do momento que você cria relações com o carnaval, com o samba, etc. Isso é ao mesmo tempo particular do Brasil, mas é verificável também em uma série de países. Quer dizer, a relação entre cinema sonoro e a música popular é importante para muitas cinematografias. Aqui dá num modelo de mais de 20 anos de sucesso que são as chanchadas, comédias musicais. E aí vai ter quem defenda as chanchadas como um certo reaproveitamento nacional, do que já era o musical norte americano e outros, e tem gente que vai dizer que, de fato, a relação do samba e o sucesso que faz é específico daqui. Não conseguiria te dizer que o Brasil exportou modelos de sonorização e de relações entre som e imagem, mas a gente teve, de forma muito importante aqui, formas de criar relação entre som e imagem que foram tão importantes aqui quanto em outros lugares.

RUA: Você acha que a crítica cinematográfica hoje analisaria o som de uma maneira satisfatória, do mesmo modo como analisaria a imagem, ou é uma crítica que ainda peca nesse sentido?

FMC: Eu sinto falta de mais análise de som na crítica de cinema hoje. Tem casos muito específicos, mas são específicos de verdade, quer dizer, todas as críticas de O Som ao Redor falam do som, pra citar outra vez o filme do Kleber Mendonça, mas são casos específicos. Eu acho que a crítica fala muito pouco de som, mas está dentro de um problema maior, não penso nem versus imagem não. Eu acho que a crítica de cinema hoje ela fala muito pouco dos elementos narrativos de um filme. Ela é muito centrada em trama, muito centrada em atuação, ela é pouco profunda com relação a o que você possa analisar de foto, de montagem, de som, de cenografia. Acho que a falta de comentários sobre som de um filme na crítica está dentro de uma falta de comentários geral sobre os elementos cinematográficos.

RUA: Você ainda trabalha como técnico de som?

FMC: De um jeito meio eletivo, assim. Hoje eu me considero muito mais professor, profissionalmente, do que técnico de som. Trabalho, sim, às vezes, como quando eu sair de férias finalmente no período de 2012, vou fazer um longa, mas é um longa de produção rápida. Fiz algumas diárias de documentário ano passado. Mas é uma dicotomia que todo professor de área técnica tem que ter. (housecalldoctor.com.au) Quer dizer, você vira professor de profissão, você tem dedicação exclusiva à Universidade, mas você não pode também tirar 100% o pé do set de filmagem porque o que você ensina procedimento técnico. Então, falando muito sinceramente, eu sou professor todo dia e filmo quando dá, mas de vez enquanto dá.

* Jéssica Agostinho é graduanda do curso de Imagem e Som da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e Editora Geral da  RUA.

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