Entrevista com Pedro Maciel Guimarães

*Por Lidiane Volpi

Em virtude da 14ª Semana da Imagem e Som (SeIS) e em parceria com a RUA, o Professor Doutor Pedro Maciel Guimarães fora convidado para ministrar a palestra O corpo no cinema: propostas de reflexão sobre o trabalho do ator. Em entrevista para a revista, Pedro comentou acerca de seu trabalho, das relações entre corpo e atuação ao longo do desenvolvimento do cinema enquanto linguagem, bem como sua visão acerca do trabalho com a atuação realizado pelos cineastas que estão saindo atualmente das escolas superiores de cinema e audiovisual de todo Brasil.

RUA: Como e quando surgiu a deia de trabalhar as relações entre atuação, corpo e audiovisual?

Pedro: Surgiu quando eu estava fazendo doutorado na França e eu pesquisei acerca do processo criativo de um cineasta chamado Manoel de Oliveira e, dentro do processo criativo do Manoel, trabalhei a relação dele com o ator, como que ele pensava a atuação, como ele moldava os atores, como ele moldava o corpo dessas pessoas, enfim, como ele trabalhava o ator para entrar em cena. Foi a partir daí que eu percebi que faltava uma bibliografia mais consistente acerca deste assunto, principalmente em português, havia muita coisa ainda a ser feita e comecei a desenvolver este trabalho trazendo essa perspectiva do ator para o estudo das formas, isso que é o mais importante. Eu não quero pensar o ator só como um elemento econômico da cadeia do filme, ou como elemento  da sociologia, da criação de mitos, das estrelas de cinema. Eu quero pensar, justamente, o ator como um componente da forma do filme, como a atuação determina e condiciona a forma do filme.

RUA: Dentre tantos filmes, de tantas épocas da história do cinema que são passíveis da análise que se propõe, como chega a seus objetos de estudo?

Pedro: São filmes que eu já conhecia e já os via com outro olhar. Sempre tive uma curiosidade pela história do cinema e pela história das formas de uma maneira geral. Quando eu fui estudar, ler coisas sobre o tema, percebi que esses filmes casavam com este tipo de reflexão. Era possível transferir a reflexão de uma maneira mais abrangente para a questão da atuação especificamente. Então, com raras exceções, são todos filmes que eu já conhecia pela história do cinema e tive somente que fazer um pequeno desvio para poder abordar a questão da atuação.

RUA: Você traça uma análise do uso do corpo através da atuação principalmente no cinema estadunidense e europeu, gostaria de saber como se dá essa relação nos cinema contra hegemônicos, localizados nos locais periféricos do globo?

Pedro: Se esse tema já é pouco estudado no cinema americano e europeu, imagine no cinema um pouco menos estudado de maneira geral. Eu tenho uma atenção especial pelo cinema brasileiro que não deu tempo de mostrar aqui na palestra, mas eu faço todo o percurso histórico também; e tenho um interesse muito especial pelo Cinema Marginal brasileiro que eu creio ter uma apropriação do corpo do ator que é muito específica do Brasil daquele momento, relacionando o ator com outras formas da cultura popular brasileira. Confesso que outras cinematografias eu ainda não me debrucei sobre elas, acho que se poderia fazer uma coisa incrível sobre o cinema indiano, como se dá essa relação entre canto, dança e atuação; sobre o cinema africano, o cinema japonês e oriental como um todo, que tem outra relação com o corpo, não só no cinema. Acho que daria pra fazer uma reflexão legal em cima disso, mas necessitaria tanto de tempo, quanto de um olhar mais de perto nestes filmes.

 RUA: Corpo e análise de gênero estão intrinsecamente ligados, através da passagem do tempo histórico algumas coisas mudaram na sociedade, o movimento feminista ganhou e vem ganhando voz. No cinema também é possível visualizar isso, principalmente no que tange ao corpo feminino?

Pedro: Nisso, creio que o Monika e o Desejo (1953), tenha sido um filme essencial para entender. Porque é justamente o momento em que a mulher deixa de ser só o objeto de desejo, o objeto da pulsão escópica do diretor e, por consequência, do espectador e dos atores que estão contracenando com a atriz; e passa a tomar a história na sua mão. Então, ela inverte um pouco o jogo, tanto o Monika e o Desejo do Bergman, quanto o Strombolli (1950), do Rosselini. São posturas de criação de personagens femininos feita por diretores masculinos, mas depois isso vai ter uma outra conformação, que é tentar a mulher só deste ponto de objeto de desejo, de objeto de emulação dos desejos do homem. Então, creio que são dois filmes que apontam para muita coisa e, claro que muito depois deles, o cinema dos anos 1960, o cinema feminista entrou com força total nas vanguardas estéticas e posteriormente no vídeo. Muito do que esses e essas cineastas feministas fazem depois tem seu início nessa virada dos anos 1950 que foi muito importante.

RUA: No Brasil, país em que a telenovela tem amplo espaço dentre os formatos possíveis de produtos audiovisuais, como se dá essa relação com o corpo? Está mais atrelada a qual época do estudo cinematográfico?

Pedro: A telenovela é muito ligada a estética do cinema clássico americano. Tanto que muitas das histórias que são retrabalhadas na televisão hoje, obviamente transferidas para a nossa realidade, visão de mundo, são extraídas desse cinema clássico americano. Se formos pensar, todas as grandes novelas, as melhores novelas de hoje em questão de público, bebem na fonte desse cinema clássico e o melodrama que é um dos gêneros mais clássicos de identificação do público com a história e com as personagens, foi o gênero que se transcreveu para a televisão de uma maneira bruta. Hoje em dia todas as novelas da televisão são melodramas. As novelas que tentam romper com isso, normalmente fracassam em audiência, que é o caso da atual novela das 19h, Além do Horizonte. Vê-se que é uma novela que tem uma vontade de fazer algo diferente, indo mais para o lado da aventura, para o lado do fantasioso, mas o público não responde, parece que o público quer ver melodrama ad infinito na televisão, o que é preocupante este tipo de postura do próprio público.

RUA: E no cinema universitário, que é um meio com o qual você possuí bastante contato, já que você ministra palestras, é professor na ECA, o que você sente, como essa nova geração tem feita essa construção do corpo no audiovisual?

Pedro: Existe um fetiche muito grande por essa forma de cinema ligado ao corpo, desses cineastas que são identificados como pessoas que mudaram a compreensão do corpo clássico no cinema. Poderia citar o Bresson, o Cassavetes, o Rogério Sganzerla, que são cineastas que estão muito presentes na cabeça dos estudantes e quando estes vão trabalhar com cinema querem, de alguma maneira, recuperar esses preceitos de quebra dos cânones clássicos. Na maioria das vezes são bem sucedidos nessa tentativa, em alguma outras não. Quando dá certo é justamente quando o diretor tem essa base muito clara na cabeça do que ele quer fazer, mas se apropria disso de uma maneira pessoal. Não é só repetir a forma do Sganzerla no seu filme feito hoje, tem de se considerar que os filmes da  Bel-Air, lá nos anos 1970, tinham toda uma conjuntura social e de ligação entre as pessoas que não dá para simplesmente decalcar os filmes feito naquela época para hoje em dia; assim como o cinema do Cassavetes, do Bresson. Mas eu sinto uma vontade muito grande dessa nova fase, desses cineastas brasileiros que ainda estão nos curtas, de beber na fonte desses cineastas que foram pessoas que chacoalharam o status quo da representação no cinema.

*Lidiane Volpi é graduanda em Imagem e Som pela UFSCar e Editora Geral da RUA.

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