Entrevista com Marão

Este ano, no aniversário de vinte anos do Anima Mundi, Marão foi o artista  homenageado pelo festival. Não por acaso,  tal homenagem em uma data simbólica, traduz em partes a  relação do  animador com o evento , que de diferentes formas , refletem na sua carreira. É uma longa jornanda resultante de um interesse primeiro pelo cinema de animação, por uma militância em políticas para a área e do profícuo relacionamento entre animadores brasileiros, seus filmes e o mundo. Conversamos com ele na ocasião de sua visita a São Carlos na Mostra de Animação Quadro a Quadro.

Por  Thiago Jacot*

Thiago Jacot – Começarei com uma pergunta de praxe. Como foi o início da sua carreira e o despertar do seu interesse pela Animação?

Marão – A minha família, meus avós e pais são de Tanabi, uma cidade depois daqui de São Carlos ainda, e ela não tem nenhum vínculo com animação, belas artes ou audiovisual. Na verdade, eu acho que a maioria das pessoas que faz animação, quadrinhos, quando é criança tem o costume de desenhar, e sei lá, lá pelos oito anos você para de desenhar, para de ler gibi e vai fazer outras coisas. Acho que a diferença, no meu caso é que quase todo mundo que trabalha no ramo hoje fez isso, só que eu não parei. Eu continuei fazendo. Eu fiz escola de Belas Artes (UFF – Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro) que na época tinha um curso de Programação Visual. Havia uma cadeira de animação e uma cadeira de quadrinhos. Quadrinhos era ainda mais viável do que animação, no começo da década de 90, pois tinha Laerte, Angeli, Chiclete com Banana publicados. E o projeto de graduação que eu tinha que preparar, o trabalho de graduação para a faculdade, começou no Anima Mundi. Graças a influência do festival eu resolvi preparar o que talvez na minha cabeça fosse a única oportunidade de trabalhar com isso. Fiz um filme de animação, ao invés de fazer um projeto visual,como um projeto gráfico de um posto de gasolina, fiz um filme de animação que é o Cebolas são Azuis, de 96, meu primeiro filme.

Marão na Mostra "Quadro a Quadro" em São Carlos.

Thiago Jacot – É interessante ouvir você e outros animadores citarem o Anima Mundi como referência. O festival fez 20 anos em 2012 e você foi o animador brasileiro homenageado. O que representa o Anima Mundi para o Brasil, para o mercado, como funciona essa relação para vocês?

Marão – Em 93, um grupo de quatro pessoas (Aída Queiroz, Cesar Coelho, Lea Zagury e Marcos Magalhães) interessadas em animação, resolveu começar o festival para mostrar, exibir trabalhos diferentes do que a gente estava acostumado – que era muito difícil encontrar isso fora – e também para estimular a produção. Teve uma retrospectiva de todos os trabalhos brasileiros até então, ou seja,até 93. Em 94 teve só um filme na mostra e em 95 não teve nenhum. Só que nesses três primeiros anos enquanto estavam apavorados que não tinha adiantado nada fazer o festival, pois havia cada vez menos filmes, mas as pessoas estavam fazendo. Eu fui no primeiro ano como público, no segundo, terceiro, quarto, quinto anos eu trabalhei naquelas oficinas abertas, eu ficava nas monitorias, e queria me envolver, conhecer de alguma maneira as pessoas. Antes disso não se tinha referência aos profissionais desse ramo, quem trabalhava com animação no Brasil, era quem trabalhava com publicidade, basicamente São Paulo, e de forma limitada, como Daniel Messias, Valbercy Rimas,era muito pouco… O Anima Mundi foi um festival onde muita gente começou a querer fazer isso, a se envolver, e a minha geração já tem 41 anos. A minha geração e o pessoal que veio depois, cada vez mais novos, acho que cada vez mais tem uma história muito parecida de começar a se interessar por animação indo no festival, dentro do festival… nesses 20 anos nós passamos por várias etapas, a gente conseguiu montar a ABCA, que é a Associação Brasileira de Cinema de Animação, dentro do evento que deu um aporte para gente, de divulgação e tal, e para as reuniões. A gente conseguiu conversar com o Ministério da Cultura lançando esses primeiros editais, e cada etapa passada era assim, editais de curtas, editais de longas, fomento para série de animação, fórum profissional com as empresas. Tudo isso aconteceu dentro do festival, então foi fundamental para gente a existência desse, no começo era uma janela de exibição e depois virou o lugar em que a gente podia mostrar, encontrar todas as pessoas, e que gerava cada vez mais trabalho e conhecimento para gente na área. A primeira animação do Brasil é de 1917, mas nos últimos dez anos pela primeira vez a gente teve uma retrospectiva da animação brasileira em Annecy (França), que é o maior Festival do mundo de animação. Também em Ottawa, que está entre os cinco maiores festivais, e é realizado no Canadá; no AniMadri, que é na Espanha… ou seja, pela primeira vez tem um monte de filmes brasileiros sendo exibidos e um monte de trabalhos que, se quando eu tinha 18, 19 anos era dificílimo ver um título brasiliero lá fora, hoje é comum, quase todos os festivais tem algum título e pela primeira vez tem uma gama gigante, gigante em relação a história prévia, de longas e séries. Tem séries que empregam 60, 80, 120 pessoas, antes a média dos estúdios conseguia juntar meia dúzia, de sete ou oito quando tinha um trabalho pouquinho um maior, e hoje isso dá trabalho para muita gente, durante muito tempo, e eu acho o que vai acontecer agora é ampliar em todas as direções. Hoje, se você quer trabalhar com animação autoral, em quaisquer técnicas, em lápis, em 2D vetorial, em 3D, massinha, experimental, você quer trabalhar com publicidade, ou com longa metragem ou com série para TV, pela primeira vez tem todos esses campos e inclusive uma coisa que é bem recente, mais inédita ainda, que são os cursos de graduação. Tem gente prestando vestibular para animação. Era o tipo de coisa que eu queria ter feito, prestar vestibular para animação e não aprendendo dando cabeçada na prática. E ainda estão sendo formatados, e então tem alguns cursos que tem alguns professores que são profissionais medíocres e que então foram dar aula e outros, daí você tem que procurar, quesão os caras muito bons e profissionais, que são muito mais indicados para dar aula para as pessoas.

Thiago – Você acredita que essa abertura refletida a partir da nova lei para produção independente, também beneficie o mercado de animação?

Marão – Foram várias etapas diferentes. A primeira dificuldade é eu conseguir produzir, e a gente tá conseguindo produzir, e aí etapas de conseguir distribuir, de conseguir exibir. Cada vez que passa, de conseguir educar, de conseguir formar os profissionais. A lei é fundamental. Nós como entidade, como ABCA, defendemos fortemente. Só aqui no Brasil que tem um canal a cabo que é contra. Em todos os outros países, para estimular a produção, todo mundo protege a produção do próprio país. Índia, França, eles protegem, criam leis, que é para poder fomentar o que é nacional e barrrar o que vem de fora. Só aqui que é ao contrário. É mais fácil entrar o que é de fora e quem é daqui desestimula e barra o que é brasileiro, o que é nacional. A lei no primeiro ano, no começo, é para se ter uma hora de programação independente por semana, por semana! E acho que depois de quatro ou cinco anos vai chegar a três hora por semana. Apesar de uma reclamação imunda que fizeram publicamente, isso não afeta em nada, e tem um volume muito grande de material de qualidade, e para animação junto com o restante do que é independente, que não é produzido dentro da emissora, faz muita diferença para gente, é muito útil, ajuda muito. Ajuda para conseguir exibir, o que não significa só dinheiro, porque por enquanto o que estão pagando é equivalente ao que pagam a enlatados de fora, então acabam pagando bem pouco ainda… tem que chegar em um meio termo, pois ficar exclusivo pagando pouco também não é bacana. Mas o principal, que é o público, tipo meus sobrinhos, vão poder assistir tudo na televisão, as produções e aí que se dá a grande virada, quando o público, a população em geral assiste e gosta do que está vendo. Porque naturalmente está sendo muito selecionado o que vai entrar, e tem muita coisa boa e de muito tempo para passar, e isso que ajuda a gente, e foi o que aconteceu no Anima Mundi, que de nossa linha de 100 lugares, que achavam que não ia ter público, que não ia ter interesse, em pouco tempo, de 100 lugares virou público anual de 100 mil pessoas, e isso gerou um grande interesse por parte de várias facetas, da publicidade, de outros potenciais clientes… porque sabem que tem gente que quer assistir, que tem gana de ver animação brasileira, ou animação em geral.

Thiago – Atualmente, seus projetos, o que você está fazendo? Poderia nos contar?

Marão- No ano passado eu fiz quarenta anos e tava aparecendo vários trabalhos esquisitos e como teve uma onda de produção de série que não me apetece, não é o tipo de coisa que eu quero fazer e nem tenho competência para fazer, eu recusei um monte de trabalho. Só que eu fiz quarenta anos, não posso recusar as coisas mais assim. É o momento de decadência. Então eu recusei trabalhos que eu sabia que ia ser roubada, que ia ser furada. Ou o que era fixo, que tinha que ficar só naquele lugar durante seis meses, e no final das contas foi bem ruim pra mim no ano passado, financeiramente. E agora no começo do ano, eu resolvi: ‘não, vou aceitar todos os trabalhos’. Quando você começa a recusar tudo esperando o trabalho ideal, ele nunca aparece, então aceitei um monte desde o que íam me deixar fixo, preso em um lugar durante muitos meses, até os que eu tinha certeza que o grau de “robometro” ia ser alto, que teria que fazer repetidas vezes o trabalho para ganhar o que era mais ou menos e teria vergonha de mostrar para as pessoas depois que ficasse pronto. Mas assim, quanto mais coisas você topa fazer, mais isso vai atraindo outras, então eu tenho já contratos assinados para vários trabalhos desse tipo até o fim do ano, alguns mais legais e outros nem tanto, e ao mesmo tempo eu continuava a mandar os projetos e na semana passada saiu um edital do Rio para fazer um longa que é pré de um longa, e aí eu vou passar o próximo ano fazendo a pré produção de um longa metragem que eu quero fazer preto e branco e a lápis. Mas você acha que alguém vai ter paciência para assistir? As pessoas estão pensando: “ninguém vai aguentar assistir 70 minutos de um filme preto e branco desenhado a lápis”. Chama “Minha Bunda é um gorila”. É uma super heroína que em alguns momentos de perigo ela diz essa frase e a área glútea dela se transforma num primata de duas toneladas. Ninguém vai dar dinheiro para fazer isso..

* Thiago Jacot é graduando do curso de Imagem e Som da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e Editor Geral da Revista RUA.

Author Image

RUA

RUA - Revista Universitária do Audiovisual

More Posts

RUA

RUA - Revista Universitária do Audiovisual

Deixe uma resposta