Entrevista com Toni Venturi

Por Estela Andrade e Thiago Jacot*


Durante sua passagem por São Carlos, Toni Venturi, diretor de Latitude Zero(2001) e Cabra Cega(2004),  apresentou seu último filme, “Estamos Juntos”(2011) no Sesc São Carlos. O filme foi vencedor de sete Calungas no Festival Cine PE, incluindo Melhor Filme e Melhor Atriz para Leandra Leal.  O cineasta concedeu entrevista à RUA e falou sobre o cinema  brasileiro contemporâneo e sua carreira.

Toni Venturi - Foto: Gabriel R. Alfredo

Estela Andrade – Como foi sua iniciação no meio audiovisual ?

Toni Venturi – Eu fiz faculdade de cinema fora do país, no Canadá. Eu comecei um pouco mais velho do que  maioria das pessoas, com 24 anos e me formei com 29. Eu morei no Canadá muitos anos, quase dez anos, passei uma parte da minha juventude fora. Eu volto com 30 anos, formado, e isso teve dois lados: o lado bom e o lado ruim. O lado bom foi que eu estudei numa escola fabulosa, foi uma formação técnica muito forte; trabalhávamos com película desde a primeira semana do curso, a universidade tinha um laboratório de cinema, um laboratório para revelar película em preto e branco. Tivemos um treinamento especial, no último ano para o TCC cada aluno fez um filme, foi bem legal. O momento da escola é quando você faz seus amigos, seus grupos, você começa a estagiar, você faz seus contatos, constrói um pouco do seu futuro. O lado ruim é que eu cheguei no Brasil e não conhecia ninguém, foi muito difícil; principalmente porque eu cheguei no Brasil no final dos anos oitenta, cheio de amor para dar, e peguei exatamente o final da Embrafilme, foi um momento muito duro, muito difícil. Então, eu acho que a pessoa que vai estudar fora tem de pensar um pouco nisso; tem seu lado bom e tem seu lado ruim.

Estela – Você acha que tem muita diferença no ensino fora do país e aqui no Brasil, já que você também estudou na USP ?

Toni – Depende da escola, tem escolas ruins lá também. O Brasil tem poucas escolas especializadas, algumas não são necessariamente bacharelados. Os bacharelados que me chamam atenção aqui são os da USP, FAAP e UFF, mas naturalmente nós estamos um pouco atrasados no quesito escolas de cinema. Na Argentina, por exemplo, a ascensão do cinema tem muito a ver com a quantidade de escolas que surgiram nos anos oitenta. Acho que está mudando o ponto de vista da escola cinema, de focar no audiovisual, principalmente no setor, que é o setor de tecnologia. Até há pouco não tinha demanda, então o cara pensava: “ Eu vou ser roteirista ?  O que eu vou fazer ?”. Mas agora está tendo um florescimento muito grande, eu estou otimista. É o oposto do que eu peguei, eu sou um sobrevivente, mas o pessoal de agora vai ter outros problemas como muita competição. Tem um mercado se abrindo e todo mundo agora quer ir para esse setor, mas é um momento muito bacana comparado com o meu começo.

Toni Venturi no CineSesc São Carlos - Foto: Gabriel R. Alfredo

Estela –  Você já produziu  documentários tanto para cinema quanto para televisão. Você poderia comentar sobre as semelhanças e particularidades de produzir para cada meio ?

Toni –  Para mim é uma questão de imagem, nós estamos falando da imagem que está na telinha e na telona. É muito importante que se tenha uma ideia de onde se quer chegar, se está fazendo para a grande tela ou para a tela pequena, isso faz tomar decisões importantes em relação à imagem, à montagem, ao enquadramento; mas na essência estamos falando do mesmo meio, da imagem, do olhar, e tirando essas especificidades nós estamos falando de audiovisual, que pode ser a televisão, o cinema, a internet, um Iphone… Cada uma das janelas vai estabelecer um tipo de obra, um tipo de de produto, mas na essência, para o autor, o diretor, sabendo para onde ele vai ele está trabalhando com o mesmo conjunto de ferramentas.

Estela: Eu gostaria que você comentasse sobre essa burocratização do cinema nacional. Mesmo com toda essa mudança que está havendo na Ancine, ainda é um processo muito demorado.

Toni: São duas coisas, é uma questão complexa. Tem sim uma grande burocratização mas não é isso que está fazendo os filmes demorarem mais ou menos. Nós estamos tendo uma enorme profissionalização do setor em relação a última década, só que isso implica numa organização muito maior, o que ampliou a quantidade de papeis. Mas não é isso que faz o filme demorar mais ou menos, é tudo uma questão de qual projeto você tem, quem são seus parceiros, se for um filme comercial tem mais facilidade de conseguir financiamento para o projeto. Quando se é estudante o primeiro filme é a coisa mais difícil, só poucos chegarão, a maioria não sobreviverá. Os que atravessarem o Cabo da Boa Esperança e chegarem à terra firme, se tiverem talento, continuam. Muita gente só faz o primeiro filme e não continua, o que eu acho absolutamente certo, quem não tem talento não deve filmar; é uma coisa muito cara, não é brincadeira e eu acho que aquele cara que no primeiro filme não provou que tem talento deveria ser proibido de filmar.

Thiago Jacot – Eu queria perguntar exatamente sobre a questão do financiamento, por exemplo, o seu  filme considerado de autor, “Estamos Juntos” (Toni Venturi, 2011) em detrimento aos outros, como o “Tropa de Elite” (José Padilha, 2007) que é aparentemente mais comercial e visa atingir um grande público.

Toni –  Eu acho que a comparação não é boa, o Tropa de Elite é um filme de autor e comercial que eu gosto muito. Entre “Cilada Ponto Com” (José Alvarenga,2011) e o meu filme sim; daí estamos falando de um filme efetivamente mais comercial, mais ligeiro, mais rápido, tem outros muito piores. É um filme da Globo Filmes, uma comédia romântica, “babaquinha”,  e não é um filme de autor, aí sim eu vejo duas propostas. O filme que chegar a um grande público é um mérito dele. Eu gostaria que o meu filme tivesse chegado a um grande público, gostaria muito, mas foi pelo contrário. Eu não faço filmes para poucos, eu não acho que fica legal, é claro que eu sei que fiz uma coisa mais sofisticada, não é do gosto do público, mas se você for ver os grandes filmes brasileiros como “Cidade de Deus” (Fernando Meirelles, 2002), “Carandiru” (Hector Babenco, 2003), “Tropa de Elite”, eles não são filmes só comerciais, eles são industriais, grandes produções, mas também são filmes de autor. Essa é a alquimia mais difícil de se fazer e é o que todo mundo, não sei se todo mundo, mas é o que eu gostaria de conseguir, um filme que falasse às pessoas e fizesse um grande público sem ser estúpido, imbecil. Algo com valor cultural. Poucos conseguem.

*Estela Andrade e Thiago Jacot são graduandos do curso de Imagem e Som da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), e editores da Revista RUA.

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