Entrevista com a Profa. Dra. Aleksandra Jablonska

Por Thiago Jacot, Priscila Lourenção, Estela Andrade e Gabriel Ribeiro*

A Prof.ª Dra. Aleksandra Jablonska, docente da Universidade Pedagógica Nacional (UPN) e da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM), apresentou sua palestra intitulada “Algumas Tendências no cinema mexicano contemporâneo: A História e as identidades” durante o 1° Encontro Estadual da SOCINE SP ocorrido nos dias 17, 18 e 19 de Julho de 2011, no campus São Carlos da UFSCar. A professora convidada concedeu entrevista a Revista RUA falando sobre seu trabalho.

Thiago Jacot – Nós costumamos começar as entrevistas perguntando a nossos entrevistados sobre o início da carreira e da relação com o cinema. Professora, como aconteceu os primeiros contatos com o cinema em sua vida?

Aleksandra Jablonska – Eu estudei sociologia como licenciatura no México porque vim da Polônia com uma carreira, mas a carreira de Letras Hispânicas e não pude validá-la no México. Então pensei como não podia entender onde estava e que consistia o México pensei em estudar sociologia. Quando terminei a licenciatura, eu entrei no Mestrado. Um professor ativo de licenciatura me buscou, ele era especialista no tema da Revolução Mexicana e tinha um projeto de estudos, de pesquisa sobre a Revolução Mexicana e o cinema. Iria trabalhar juntamente com outro cineasta, assim ele me convidou para assisti-los e ajudá-los, mas o cineasta nunca entrou na pesquisa, então eu me converti rapidamente a co-pesquisadora de seu projeto. Ele tinha um enfoque muito tradicional um enfoque de estudar o cinema de revolução mexicana como um problema de produção e distribuição, em todo caso, e nunca em cima dos filmes. Então, eu comecei a me sentir muita insatisfeita com essa forma de investigação sobre cinema, e comecei a perguntar-me como poderia analisar os filmes e como não ficar preso a aspectos de somente como são produzidos e distribuídos. Então comecei a buscar cursos e bibliografia, coisas que são muito difíceis no México. Até hoje não existem estudos formais, nem sequer há licenciaturas sobre cinema. Por sorte nesse tempo, sim, havia vários cursos dados por professores convidados que eram dados em associação da Cinemateca e uma universidade mexicana. Eu fiz muitos desses curtos. E ao final era diplomado em algo que se chamava Cinema e Literatura. E a partir daí comecei a buscar por minha própria conta, comecei a buscar as bibliografias que me serviram para analisar os filmes. Esse foi um dos inícios. O outro, eu tinha muitos problemas, eu dava aulas de ciências sociais gerais, teóricas e metodológicas e tinha problemas com os estudantes mexicanos que não entendem que os conceitos são históricos assim como os fenômenos são históricos. Eles mudam com o tempo. À medida que um fenômeno muda, pois também, há que mudar as categorias mediante as quais pensamos os fenômenos. No geral, os estudantes mexicanos leem muito pouco, não querem ler. Então eu chego a dizer que não entendem a História, pensam que todas as sociedades são como a sua e atual porque não tem essa experiência, porque não são interessados, porque não leem. Eu pensei em dar os livros históricos, mas não, não vão ler. Então decidi usar o cinema. Eu usei pela primeira vez dois filmes, Tempos Modernos de Charles Chaplin [Modern Times, EUA, 1936] e de um diretor polaco Adrzej Wajda que se chama “La Tierra de La Gran Promesa” [Promised Land/ Ziemia Obiecana, 1975], e ambos falam de distintos aspectos do processo de modernização que levaram a Modernidade, que eram os conceitos que eu tinha que explicar para a classe e queria que eles entendessem. Eu mostrei esses filmes com uma grande expectativa que por fim entendessem os conceitos e quando terminou o filme, as únicas coisas que entenderam era quem namorou quem. Mas não fizeram nenhuma análise histórica. Como então ensinar, primeiro me perguntei, como ensinar a História pelos filmes e depois me perguntei o que é a História nos filmes. Então pensei em consultar alguma bibliografia, e resultou que praticamente todos os autores que consultei tratam os filmes históricos como se fosse uma má ilustração dos livros que tratam de História. Alguns dizem :” Não tratam de tais coisas, se equivocam em outra” e eu dizia que não, os filmes pela minha própria experiência, dão uma informação histórica que um livro não pode dar. Formas de diálogo, costume, gestos, formas de arrumar uma casa, por exemplo. Então começou por ai toda uma investigação, que foi minha investigação de doutorado justamente sobre como ler o histórico do filme sem reduzir o filme aos diálogos ou a história geral e isso me levou precisamente a buscar como elemento de análise, por exemplo, se há um narrador, não explicitamente uma voz, os pontos de vista, ver a própria construção do filme, sempre há um ponto de vista. Não pode haver uma história sem um ponto de vista. Quando eu estava terminando essa pesquisa, me ofereceram uma aula sobre cinema latino americano na UNAM ( Universidade Nacional Autônoma do México) na Faculdade de Filosofia e Letras, havia muitos alunos que queriam uma aula sobre cinemas latinos americanos, particularmente em um colégio que se chama Estudos Latinos Americanos. Então comecei a dar uma matéria que durava dois semestres, onde no primeiro semestre eu os ensinava sobre questões relacionadas, digamos, históricas acerca dos novos cinemas latino americanos, começava pelo anos 60, sobre Cuba, Brasil, Bolívia, México e etc e acabávamos praticamente nos momentos atuais, introduzindo junto as com análises históricas, sociais e os fenômenos ideológicos, as análises dos filmes em si. Então em cada aula víamos um trecho do filme pelo menos, e estávamos analisando, analisando e analisando. Baseei-me diretamente nos teóricos acerca em como ler a imagem, em como ler o som, e as distintas formas de montagem. E no segundo semestre nos aprofundávamos nas categorias narrativas que são mais complexas. E os alunos foram se entusiasmando muito com isso. Eu deixei de dar essa aula porque me sentia abobalhada com todas as minhas atividades, mas esse grupo de alunos seguiram comigo, seguimos discutindo os seminários e tratamos de escrever e escrever cada vez mais. Enfim, em relação ao Brasil estamos muito atrasados no México quanto às análises de cinema. Existe crítica de cinema, mas não análises no México. Então estamos todo o tempo em uma situação um tanto complicada combatida pelos historiadores de cinema, não compreendidos pelas instituições oficiais, como a Cinemateca, que agora tem outra direção que ministra cursos de análises, e interessa a ela análises. Creio que nesse momento há um movimento que está se consolidando, em mudança a essa situação, pelas próprias associações como estudantes de pós-graduação, porque no México só se faz pós-graduação de cinema em Arte ou Comunicação, pois não há pós- graduação em cinema. Há cada vez mais gente que faz e se interessa pelo cinema. E eu trabalho nisso com pesquisas praticamente por minha própria conta, exceto pelo fato que a minha pesquisa é reconhecida pelo Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, eles financiam as pesquisas, fazem certas exigências de publicação e conferências, há também uma renovação do período de financiamento, nesse sentido tenho reconhecimento de minha pesquisa, mas em nenhuma universidade tem um lugar, digamos, para se pesquisar cinema.

Thiago – Em relação ao tema do cenário contemporâneo no cinema mexicano, abordado pela professora em sua palestra há um momento que a senhora fala que não há como estudar uma cinematografia mexicana, mas sim, trajetórias individuais de cineastas mexicanos. Como está o cenário atual da produção no cinema mexicano?

Aleksandra – Bom, por um lado há duas escolas de cinema, mas nenhuma tem um reconhecimento da licenciatura de graduação, são como cursos de quatro anos, mas não tem nenhum reconhecimento. Uma é CCC [Centro de Capacitação Cinematográfica] que depende de uma espécie de Secretaria de Cultura do México, o Conselho Nacional de Artes e CUEC [Centro Universitário de Estudos Cinematográficos] que é a outra escola de cinema que está na UNAM. E pelo menos a escola da UNAM tentamos conseguir o reconhecimento do conselho de graduação para dar um títulos aos cineastas, mas nada conseguimos. A formação do CCC é muito técnica. Eles ensinam como usar a câmera, como colocar as luzes, como fazer todo o processo técnico e realmente não têm fundamentos teóricos e metodológicos, e eu diria que nenhum . A CUEC é a outra escola que está na UNAM, sim, porque estamos buscando que seja uma carreira reconhecida como universitária de licenciatura, mas até agora não conseguimos. O que é incompreensível. Nada entende por que não. Nada entende porque não podemos conseguir. Porque fizemos todos os tramites e todos os esforços, no entanto, não é assim. Então isso gera um problema muito grave porque os alunos estudam essas carreiras e se quiserem fazer um a mestrado fora do país não podem, muitos estudam outras licenciaturas, em Letras e História, para poder seguir com sua formação. Então é uma formação muito técnica e prática, mas não analítica. Nota-se no cinema mexicano que não há retroalimentação, e como tampouco há análises desses filmes, novamente, não há retroalimentação. No Brasil as coisas são diferentes, há muitíssima literatura sobre cinema brasileiro, os estudantes fazem muitíssimas dissertações de todos os níveis sobre o cinema brasileiro. Os cineastas são possibilitados de alguma maneira que seus filmes sejam lidos por espectadores, digamos, não muito comuns, realmente preparados para fazê-lo, como estudantes da carreira de cinema, profissionais e pesquisadores. Então essa é uma das dificuldades e para mim é inexplicável, porque o México é uma das três fortes cinematografias da América Latina, Não? A brasileira, a argentina e a mexicana. No entanto, somente no México essa situação acontece. Nós temos buscado e eu pessoalmente com nosso grupo de investigação, por um lado a Cinemateca e por outro o IMCINE, Instituto Mexicano de Cinematografia, algo assim, são os que mais deveriam apoiar as produções e distribuição dos filmes mexicanos, buscamos que deveriam apoiar a pesquisa, ou que apoiem cursos de formação para os analistas, mas não querem fazê-lo, acha que não lhes correspondem essa tarefa. As universidades não querem, as instituições ligadas com o cinema mexicano tampouco querem, parece como um círculo vicioso. De tal maneira que o trabalho sobre o cinema mexicano é produto de esforços individuais, às vezes de grupo, mas de grupos que aparecem apenas em determinados momentos. E pelo que estou vendo, agora que estamos no cercando, já tem alguns anos, com os pesquisadores brasileiros, vejo que os brasileiros pesquisam mais sobre cinema mexicano que os próprios mexicanos. Eu começo a ver aqui dissertação sobre cinema mexicano, publicações onde se analisam, onde encontro artigos, por exemplo, vai sair dentro de pouco um livro que foi organizado por um colega que me convidou para escrever o prólogo, e encontrei no livro materiais muito interessantes, muito críticos, muito agudos, escritos pelos pesquisadores brasileiros sobre o cinema mexicano. Dentro de pouco, terei que vir ao Brasil para saber o que acontece com o cinema mexicano [risos]. Em relação aos aspectos de produção, a partir de 1962 o México se abre efetivamente ao livre mercado e o Estado mexicano deixa de apoiar a produção dos filmes mexicanos, opina que isso é um assunto que cada um tem que resolver. E neste momento se abre o Instituto Mexicano de Cinematografia, com certo pressuposto, muito baixo, para apoiar. Trata-se de certos fundos para apoiar certas produções como documentários, algumas ficções, mas sempre com recursos muito limitados de maneira que os cineastas tem que buscar outros tipos de apoios, na iniciativa privada, associações estrangeiras, existe uma agência chamada IBERMEDIA, que também está no Brasil. Isso é uma situação em que eu sinto, não só sinto, mas entrevistei vários cineastas, que dizem que realmente fazer filmes no México é como um heroísmo individual e se sucede inclusive a diretores muito reconhecidos como Paul Leduc [Bartolo y la música, 2003/ Reed: México Insurgente, 1973, entre outros] que começou sua carreira com pé direito no cinema, começou muito bem, seu primeiro filme foi muito premiado, enfim, e ele disse que cada vez que vai solicitar recursos para um próximo projeto, tais recursos lhe são negados. Os últimos filmes têm sido feitos com o apoio de capitais estrangeiros, são capitais cubanos e espanhóis, mas no México não conseguem um centavo. O último filme chamado, não sei se no Brasil é o mesmo título, “El Cobrador” [Cobrador: In God We Trust, 2006, Paul Leduc, ] foi produzido fora do México.

Thiago – Como estamos em um Congresso de Cinema e Audiovisual[SOCINE], gostaria que a professora comentasse sobre o alinhamento de pesquisadores mexicanos e brasileiros. Como este feito, muito interessante entre nós, acrescenta para as pesquisas? Qual sua avaliação de uma Sociedade de Estudos de Cinema e Audiovisual[SOCINE]?

Aleksandra
– Comparando a situação que temos no México me parece que a situação é fabulosa. Eu assisti no ano passado ao Congresso da SOCINE em Recife e neste ano fui convidada para este [1° Congresso Regional SOCINE – UFSCar, São Carlos – SP]. Estou vendo nas conferências que há muitas correntes de investigação, muitas comunicações, que há muitas publicações. Cada vez que vou a Livraria Cultura saio com vinte quilos de livros sobre cinema. Busquei nas bibliotecas da USP sobre e também daqui [UFSCar] dissertações sobre cinema. Tudo extremamente tão interessante e também me encanta o interesse que os brasileiros têm sobre seu próprio cinema. No México os pesquisadores querem pesquisar [Stanley] Kubrick ou [François] Truffaut, mas vejo por aqui há um grande material para se estudar. Para mim é muito enriquecedor. Hoje no começo do congresso assisti ao minicurso dado pela Profa Cynthia Tompkins [Arizona State University], que para mim foi muito interessante porque ela estuda coisas muito parecidas que eu estudo, mas pelo um ponto de vista um pouco diferente, eu parto um pouco de ciências sociais e ela parte mais da literatura e de psico – análise, eu também uso um pouco de psico análises porque está sendo permeada nos últimos anos nas ciências sociais. Estou interessada em assistir as demais atividades. Para mim são todas muito importantes. E também me satisfaz muito porque dei um curso ano passado [PPGIS – Programa de Pós Graduação em Imagem e Som, 2010] em São Carlos [UFSCar] de dois meses sobre o cinema mexicano, dois estudantes de oito encaminharam seu tema de dissertação para estudar o cinema mexicano. A partir disso observa-se a interação e colaboração. Fizemos pelo menos dois livros conjuntamente que estão prontos de alguns autores mexicanos e brasileiros, um vai sair no Brasil e outro no México e para nós isso é um apoio, um reflexo muito importante. Estamos aprendendo muito com os colegas brasileiros.

*Thiago Jacot, Priscila Lourenção, Estela Andrade e Gabriel Ribeiro são graduandos do curso de Imagem e Som da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

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