Entrevista com Ricardo Palmieri

Ricardo Palmieri estudou Arquitetura na Universidade Brás Cubas e finalizou o curso na UniABC. Fez um mestrado inacabado em Design na FAU-USP (inacabado,como ele mesmo diz, por perceber durante o curso que a estrutura da universidade pública brasileira não suportava novas tecnologias e seus impactos, enquanto meios de produção). Atualmente desenvolve projetos para empresas de publicidadade e artistas, além de fazer parte do Estúdio Livre (www.estudiolivre.org). Ministrará uma oficina sobre “Arte e Interatividade” no 2º CONTATO – Festival Multimídia em Rádio, TV, Cinema e Arte Eletrônica – em outubro.

Quando foi a primeira vez em que você pensou em fazer artes?

A idéia de “artes” me veio um pouco tarde, após o fim do meu curso de graduação em 2001. Eu estava na faculdade de arquitetura tentando discutir com um monte de professores de raízes modernistas, novas arquiteturas, arquiteturas líquidas e virtualidade. Foi aí que uma professora de expressões tridimensionais me convidou para pensar uma cenografia mixando arquitetura e virtualidade para uma de suas performances. Até hoje vou dormir pensando em coisas assim.

Como você pensa uma obra?

Acredito que uma obra só acontece se for resultado de um processo. Partindo desta premissa, qualquer ato em nosso dia-a-dia pode ser o estopim de um processo, que vai terminar em alguma coisa, que podemos chamar de obra.

Marcel Duchamp disse certa vez que “é o espectador que faz a obra”. Como
você recebe isso? Suas obras estão abertas para cada espectador?

Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é. Pode parecer clichê, mas dependendo do seu espírito-humor em determinado momento, a sua visão sobre um fato se torna completamente alterada, se comparada com outros momentos. Vivo em uma metrópole, onde tudo acontece muito rápido. A minha percepção sobre algumas coisas mudam de uma dia para o outro, de uma hora para outra. Por que isso não aconteceria com outras pessoas? Acredito que cada indivíduo cria seu cenário imaginário para aquilo que o toca. Quando mostro meu trabalho para as pessoas, muitas delas têm diferentes interpretações para o que eu faço. No começo deste ano aconteceu o Campus Party em São Paulo, e após uma de minhas palestras meio-techie, meio-art, vieram algumas pessoas conversar comigo e uma delas se interessou nas possibilidades de uso de um de meus projetos em publicidade. Outra pessoa queria aplicar o processo em sala de aula, num projeto de arte-educação. E por fim, uma senhora dizendo que adorou ter feito um programa de culinária ao vivo, usando tecnologias abertas. Acredito que mesmo que eu não quisesse, meu trabalho desde a sua origem esta aberto.

Como você vê a interatividade entre as artes/mídias?

Vejo que a interatividade é uma das chaves para a maior integração entre obras e público. Quando o artista insere este elemento em suas obras, tenho a sensação de que uma nova porta se abre para não somente se pensar um trabalho como também uma nova realidade com relação a ele. Um trabalho bom pode se tornar muito frágil, pois se abre uma passagem para que o público possa “alterar” o estado da matéria proposta originalmente. Resumindo, acredito que a interatividade pode desde encobrir um trabalho ruim, deixando-o “interessante para se brincar”, e ao mesmo tempo pode transformar um trabalho bom em um inferior, se esta interação não for pensada junto com o processo de criação. Ando notando muitos artistas por ai colocando interatividade em seus processos e obras apenas pelo fetiche de que obras interativas fazem parte de uma categoria chamada arte contemporânea.

Malraux acreditava que a obra de um autor não era apenas sua visão, mas um
complexo de tudo o que o próprio artista já havia visto. Onde começa a
“originalidade” criativa de um artista?

Trabalhava com algumas pessoas que não gostavam de artistas, e diziam que nada se criava e tudo se copiava. Eles não deixam de ter razão. Eu comecei um processo há algum tempo, derivado da célebre música:

“Computadores avançam
Artistas pegam carona.
Cientistas criam robôs
Artistas levam a fama.”.

Resolvi aprender a criar meus próprios robôs, mas ainda dependo muito dos cientistas e dos artistas. O que eu posso fazer para ajudar o processo a fluir é o que importa. Então, me coloquei em uma pesquisa para gerar sons a partir de uma matriz de pixels (imagem digital), e depois quis que o som visse uma matriz de pixel nova. Isso me permite deixar um computador processando estas imagens e sons por horas, para depois eu selecionar os trechos mais interessantes. Não sei se tem alguma originalidade neste processo, mas o que interessa é que tenho um processo que além de ter sido construído com uma série de conhecimentos universais em prol de um objetivo, gera também alguns conteúdos audiovisuais, resultado de processos matemáticos. O que você vai sentir assistindo a um deles, você me contar depois.

Acredita na possibilidade de o computador não ser uma ferramenta para suas
futuras obras?

Para o meu trabalho especialmente, é muito difícil pensar em não ter pelo menos um processador auxiliando no processo de criação. Minha pesquisa é toda baseada em conversões, de analógicas para digital, e vice-versa. Se os cientistas encontrarem meios de se produzir obras digitais sem usar um processadores para isso, acredito que talvez fique sem computadores. Mas sinceramente, acredito ser difícil não utiliza-los hoje em dia.
Quais mídias ainda não entraram em contato?

Noto que até a gastronomia tem entrado nas temáticas de arte e tecnologia. Acredito que muitas experiências tem sido feitas neste sentido, de remixar idéias e disciplinas (as tais das transdisciplinaridades), e hoje em dia é praticamente impossível apontar um ou dois guetos que ainda não se cruzaram.

Quais mídias que já entraram em contato você acredita que gerou um resultado
melhor que sozinhas?

Não diria que depois de misturadas, as mídias ficam melhores ou piores, mas sim que ficam mais condizentes com a era em que vivemos. Não tenho mais paciência para somente sentar e assistir trabalhos sem que eu possa manipulá-los de alguma forma (talvez isso seja um sintoma dos maus costumes trazidos pela internet). Quero dizer com isso que obras feitas para cinema, teatro e dança, por exemplo, têm tentado dar conta desta quebra, trazendo “novas mídias” – sensores nos corpos, projeções no lugar dos cenários estáticos – tentado dar um ar moderno a linguagem tradicional. O que me incomoda nestes experimentos, é a impossibilidade do espectador alterar, dirigir, manipular a obra, afim de poder se tornar atuante no processo, e não somente mero espectador de uma idéia alheia a ser compreendida em seu cérebro. Temos que compartilhar mais idéias e conhecimentos, ao invés de guardá-los numa gaveta. Está na hora de pensar mais sobre o futuro de nossa sociedade e meio ambiente, e utilizar o poder da liberdade de expressão artística como uma ferramenta para expandir as possibilidades que os governos e sistemas de poder não dão mais conta. Temos que usar sempre o que temos em mãos para produzir o que queremos dizer. O importante é não parar de dizer nunca o que queremos.

Quais artistas você sofre/sofreu influência?

Sofro influencia de muitos artistas, dentre eles: Marius Watz, Daniel Shiffman, Golan Levin, Mathew Barney, Peter Greenaway, Nam June Paik, Cage, Zibgniew Karkowsky, Impromondays, Pan&tone, Matema, Duva, Lucas Bambozzi, Éder Santos, além de outros.

Você acredita que o movimento Fluxus acabou?

Penso que a maior prova de que o Fluxus não morreu, é um software chamado fluxus (http://www.pawfal.org/fluxus/). Este software é uma ferramenta de programação para a geração de som e imagem, que utilizamos para fazer live coding. Live coding é uma prática completamente performática, onde o artista vai desenvolvendo seu código e sendo assistido, ao mesmo tempo em que o resultado é mostrado para o público. Na verdade, talvez o fluxus possa sim ter acabado, mas ainda assim ele está de alguma forma fazendo parte de todos estes tipos de experimentos com artes digitais existentes hoje.

Por Jun Yassuda Júnior

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