O Olho implacável de Sylvette Baudrot

Entrevista com a continuísta francesa Sylvette Baudrot

Por Sônia Maria Oliveira da Silva*

Ela foi estagiária na montagem do Orfeu de Jean Cocteau, filmado em 1949. Mais de seis décadas depois, diverte-se estagiando na equipe de montagem de Vous n’avez encore rien vu, novo filme de Alain Resnais (2012), inspirado na peça Eurydice, de Jean Anouilh. “Achei divertido começar com Orfeu e terminar com um filme baseado no mito de Eurídice: como um círculo que se fecha”, brinca essa senhora de 84 anos, cujo entusiasmo, vigor e movimentada agenda dissipam qualquer indício de fim de carreira. A continuísta francesa Sylvette Baudrot trabalhou em 124 produções (incluindo-se séries televisivas e algumas peças publicitárias), tendo colaborado com mais de 60 cineastas, dos quais destacam-se mestres como Alain Resnais, Roman Polanski, Costa Gavras, Louis Malle, Jacques Tati e Alfred Hitchcock.

Com alguns deles, a colaboração traduz-se por uma relação de fidelidade: fez a continuidade de todos os longa metragem de Resnais e trabalha com Polanski desde O Inquilino (1976). Escalada para trabalhar em Vous n’avez encore rien vu e em Carnage (Polanski, 2012), ela amargou a difícil tarefa de ter que escolher entre os dois diretores. Um atraso no início das atividades do último Resnais fez coincidir as datas das duas filmagens. “Finalmente, Alain me disse para fazer Carnage pois Polanski estava saindo de um momento muito difícil e isso melhoraria seu astral.”. Durante o trabalho, a proximidade com esses célebres diretores é substituída por uma relação profissional na qual faz questão de usar as marcas de formalidade da língua francesa (vous, monsieur etc.).

Baudrot orgulha-se de seu estilo old school do qual – como bem observa matéria dedicada a ela publicada recentemente nos Cahiers du Cinéma – nenhum desses diretores sequer pensou em se queixar. Ela foi professora da FEMIS entre 1986 e 2009, e sua atuação marca a origem do próprio metiê de scripte na França.

Baudrot nasceu em 1928, na Alexandria, onde os pais tinham uma confeitaria. “Eu passei minha adolescência vendo os filmes americanos do pós-guerra em versão original, o que ajudou a aperfeiçoar meu inglês.”. E foi graças à fluência em inglês que ela pôde trabalhar com Alfred Hitchcock em Ladrão de casaca (1954). “Nos anos 1950, eu era uma das quatro continuístas na França, entre as 40 que existiam, que falava inglês”. A partir daí, a scripte atuou em todas as grandes produções americanas feitas na França, tornando-se uma referência mundial na área. Ela contabiliza o resultado: “Foi assim que eu comemorei os meus 30 anos em Hiroshima, durante as filmagens de Hiroshima meu amor; os 40 anos, em Fortaleza, com Le Grabuge (Edouard Lountz, 1968); os 50 anos, na Bretagne, com Tess (Polanski, 1978); os 60, na Grécia, com Mangeclous (Misrahi, 1989); e os 70 em Barcelona, nas filmagens de O Último portal (Polanski, 1998)…”.

Pôde compor assim um amplo anedotário com situações nas quais foi ela, com sua capacidade singular de pensar em flash-backs e em flash-forwards, quem teve a última palavra. Foi o que aconteceu em cena de O Inquilino, quando mal conhecia Polanski, na qual ele (como Trelkovski) desce as escadas trazendo uma lixeira na mão esquerda e ela grita: “Lixeira na mão esquerda!” O diretor joga a lixeira no chão e diz: “Eu não estou nem aí para sua lixeira e seus raccords!”. Ao recomeçar a cena, ela observa outro erro e, contra os olhares repreensivos de toda a equipe, interrompe novamente: “Gola desabotoada!”. Polanski, que por causa do frio havia fechado a gola do casaco, a desabotoa. E finalmente, ele apanha a lixeira e refaz o plano anterior, carregando-a na mão esquerda. “Nesse metiê, não se deve ter muito amor-próprio (risos)”.

Os documentos de filmagem da cinematografia da scripte constituíram o Fonds Sylvette Baudrot, acervo depositado na Bibliothèque du Film, em Paris. Em meio a seus registros e cadernos de notas – farto material que indicia uma parte da história do cinema ocidental das últimas décadas –, ela nos falou sobre os desafios da atividade de continuísta, sua experiência e narrou fatos curiosos vividos ao longo de tantas filmagens.



Sônia Maria Oliveira da Silva – A senhora acaba de sair de mais uma colaboração com Roman Polanski, Carnage, e também participou de Vous n’avez encore rien vu, mais recente filme de Alain Resnais…

Sylvette Baudrot – Exatamente. Infelizmente, eu não pude fazer a continuidade de Eurydice (título provisório de Vous n’avez…) pois já estava comprometida com o filme de Polanski. Resnais filmaria de outubro a dezembro de 2010, e Polanski, de Janeiro a março de 2011. Eu fiz a preparação de Eurydice mas Éric Gautier, diretor de fotografia ficou “preso” nos Estados Unidos em um outro filme – então as filmagens com Resnais coincidiram com as de Polanski. Fiquei bastante contrariada pois eu tinha feito a preparação dos dois filmes. Mas Resnais me disse: “Faça o de Polanski, isso vai ajudar a levantar o astral dele depois de todos os problemas”.

Sônia – Como a senhora trabalha?

Sylvette – Eu começo depois que o roteiro está pronto. É a partir dele que eu faço a pré-minutagem, o que permite estimar a duração do filme, dado de extrema importância para a produção. Depois, faço a continuidade cronológica, resumindo o roteiro a duas ou três páginas. Costumo usar cores diferentes para indicar as cenas externas, internas, e para os personagens. Em seguida, estabeleço a lista de figurino, trabalho feito com o assistente de direção, com quem faço a grade de verificação. Essa grade de verificação, um tabuleiro com casas vazias, vai sendo preenchida com o número das sequências filmadas, conforme o Plano de trabalho (Schedule) do assistente de direção. No meu exemplar do roteiro, cada plano corresponde a uma seta vertical e ponho na parte superior de cada página o número da claquete. Também faço dois cadernos de rascunhos. Em um, sem espiral, os planos estão anotados segundo a cronologia da filmagem. O outro, espiralado, é o caderno reservado para a montagem, e as sequências seguem a ordem prevista no roteiro. Em seguida, passo esse material a limpo e a partir dele faço quatro relatórios: relatório montagem, relatório filme (para o laboratório), relatório horário (daily log) e relatório de produção.

Sônia – A senhora tem mais de meio século de carreira e trabalhou com alguns dos mais célebres diretores de cinema desse período…

Sylvette – Eu comecei estagiando como continuísta em Manèges (Yves Alegrette, 1949), depois de ter sido ouvinte por três anos no IDHEC (Institut des Hautes Études Cinématographiques). Nesse mesmo ano, fiz dois outros estágios de continuísta – em Monseigneur (R. Richebe) e Valse de Paris (M. Achard) – e um outro de montagem, em Orfeu (Jean Cocteau).

Sônia – Em seguida, trabalhou com Jacques Tati que, já no início, declara não haver necessidade de continuísta…

Sylvette – Isso foi entre 1951 e 1952. Ele me falou que tinha todos os raccords na cabeça mas estava contratando uma continuísta porque assim lhe era exigido. Nos quinze primeiros dias de trabalho, ele mal me dava bom dia! Então, chegamos à filmagem da cena da canoa e da lata de tinta. Nós já havíamos feito 20 tomadas do plano e nenhuma delas o agradava. Furioso, ele nos tratou de incapazes, já que nenhum entre nós sabia quais tomadas permitiam o raccord certo. Era difícil acertar pois ora a lata virava, ora ficava presa atrás da canoa, ora era a mão de alguém da equipe segurando o fio invisível que sustentava a lata que entrava no plano… Felizmente, eu havia anotado a cada tomada os diferentes movimentos da lata. Então eu falei para ele que algumas dessas tomadas poderiam servir de continuidade para o plano seguinte. Foi aí que Tati entendeu a utilidade de se ter uma scripte. E foi graças a isso que eu fiz os dois filmes seguintes dele, Mon Oncle (1957) e Playtime (1967).

Sônia – Em 1968, a senhora esteve no Brasil, filmando Le Grabuje, de Édouard Luntz…

Sylvette – Zanuck tinha à época um contrato com Patricia Gozzi, uma jovem atriz francesa que fazia muito sucesso, protagonista de Le Grabuge. Comumente, os contratos da Fox exigiam exclusividade de quatro anos. Em contrapartida, eles comprometiam-se a gerar trabalho para os atores durante esse período. Acontece que aquele era o último ano do contrato com Patricia, e ela não tinha ainda trabalhado em nenhuma produção, o que autorizava a atriz a processar a companhia. Zanuck precisava então encontrar um filme para ela trabalhar mas este não seria feito na França por causa de um outro problema: o dinheiro arrecadado pelos distribuidores locais com a exibição dos filmes americanos no Brasil não podia ser transferido para Hollywood por razões contratuais. Os americanos teriam que reinvestir esse dinheiro filmando no Brasil. Seria necessário encontrar um tema para Patricia Gozzi e que fosse filmado no Rio para recuperar o dinheiro bloqueado nos distribuidores da Fox. Como a atriz era francesa, teria então que ser com um diretor francês. Eu entrei nessa equipe na última hora porque Édouard Luntz, que havia ido aos Estados Unidos tratar disso com Zanouck, já tinha montado uma equipe e feito a location scouting. Num sábado, eu recebo um telefonema de Christina Ferry, diretora de produção, com quem eu fiz todos os filmes da Fox na França. Ela me diz: “Você embarca para o Brasil amanhã e lerá o roteiro no avião.”. Eles já haviam, na verdade, começado com uma continuísta que acabou abandonando o projeto. Eu fiz a continuidade cronológica no avião! Esse é apenas um dos filmes que eu fiz na última hora. Uma motivação comercial desse tipo na origem de um filme era muito comum naquela época, nas grandes produções americanas. Isso também acontecia na França. Se eu filmei com Hitchcock, Gene Kelly, Vincente Minelli e George Stevens foi exatamente porque seria mais rentável reaplicar o dinheiro dos filmes exibidos nas salas francesas em novas produções realizadas na França. Era mais barato filmar em Paris ou no Rio de Janeiro do que em Hollywood. Atualmente, filma-se na Tchecoslováquia, na Bulgária ou na Romênia pelo mesmo motivo.

Sônia – Quais outros trabalhos em que participou foram motivados por esse tipo de solução comercial?

Sylvette – Vários outros. Com o filme de Alain Robbe-Grillet, L’Immortelle (1962), foi a mesma coisa. Um comerciante de lã belga precisava repatriar o dinheiro ganho com uma venda de lã em Istambul. Os turcos recusavam-se a enviar o dinheiro à Bélgica, exigindo que fosse gasto no país. O dinheiro foi trazido para Europa convertido em filme.

Sônia – E as produções americanas na França?

Sylvette – No início, eles traziam atores e equipe técnica americanos. Felizmente, o Sindicato francês passou a obrigar todas as equipes americanas a trabalharem com uma equipe francesa, uma segunda equipe. Foi assim que eu comecei a trabalhar com grandes produções americanas, em segunda equipe. Para La main au collet [Ladrão de Casaca], eles já tinham uma continuísta. E eu trabalhava apenas com as imagens feitas na França, que eram as externas (Monte Carlo, Saint-Jeannet, Cannes), a serem usadas em back projection nos estúdios em Hollywood. É o caso da sequência em que Grace Kelly e Cary Grant estão num conversível na costa mediterrânea. Já os interiores eram feitos nos Estados Unidos. Esse procedimento, além de menos oneroso, driblava o problema com as companhias de seguro americanas que proibiam atores como Grace Kelly, Cary Grant, naquela época – e mesmo John Depp, hoje –, enfim, todos com quem já trabalhei, de interpretar cenas em que dirigissem um carro. As cenas eram feitas em estúdio com as imagens das paisagens em back projection. Hoje, com os auto-travelling, a câmera é instalada na frente do carro, que é rebocado, permitindo que os atores atuem em cenários reais.

Sônia – A senhora é colaboradora de Alain Resnais desde Hiroshima meu amor, de Polanski desde O Inquilino, fez seis filmes com Costa Gavras. Como é trabalhar com todos esses diretores?

Sylvette – É isso que é divertido nesse metier: mudar de diretor implica uma nova adaptação. Cada diretor tem seu estilo, e à continuísta cabe adaptar-se. Além disso, há os atores … Em O Pianista (Polanski, 2002), o ator Adrien Brody não queria que o víssemos interpretar! Bem, seria “fácil” anotar os raccords dessa forma…! Felizmente que tínhamos o combo, então nós nos posicionávamos um pouco mais distante e assistíamos à cena. Mas ele não concordava. Enfim, eu tinha que me virar durante os ensaios. Eu me colocava de forma a não entrar no campo de visão dele. A tela do combo é “ok!”, mas não dá para ver tudo. Eu quero saber o que os atores fazem com as mãos, por exemplo, mesmo que elas estejam fora de quadro. Não foi fácil. No final, ele me fez a seguinte dedicatória: “Para Sylvette, que sempre manteve um olho em mim.”. Eu sempre peço uma dedicatória dos atores em meus exemplares de roteiro. Peter Coyote, em Lua de fel (Polanski, 1991) me fez a mais bela dedicatória de todas as que tenho: “Para Sylvette, que tem olhos de águia mas um coração de mulher”.

Sônia – A senhora falava do combo. O avanço das tecnologias não tende a tornar obsoleto o trabalho de continuísta?

Sylvette – O combo permite gravar e ver depois o que foi filmado. Mas ele não mostra os raccords do futuro! Por exemplo, quando se trata de verificar a ordem do Plano de Trabalho. Imaginemos a filmagem de um corredor feita desde a sala de entrada de um apartamento. Num dado momento, o assistente encarregado do combo que registrou a cena me pergunta em que momento a sequência foi feita pois seu registro de imagem é ordenado por dia e ele precisa do raccord 244. Com o meu caderno, posso localizar o plano pois nele eu anotei que o raccord 244 foi filmado no dia 18 de junho. O combo facilitou o trabalho pois vemos imediatamente o que filmamos no passado mas para as sequências que ainda não foram feitas ele não tem, é claro, utilidade. Recorre-se então ao meu caderno de Continuidade Cronológica. O início de O Último portal (Polanski,1999) foi filmado em Paris e o personagem de Johny Depp usava um impermeável até o momento no qual eles pegam um táxi e deixam o hotel. A partir daí, filmamos na Espanha. Ora, como fazia muito calor na Espanha, Johny Depp não quis mais vestir o impermeável. A camareira vai então falar com a chefe dela: “Johny Depp não quer mais vestir o impermeável!”. A chefe vai falar com a figurinista: “Johny Depp não quer mais vestir o impermeável!”. A figurinista chega para o assistente de direção: “Johny Depp não quer mais vestir o impermeável!”. O assistente, convencido de que o impermeável era de fato desnecessário vai, de qualquer forma, falar com Polanski, que diz para ele checar comigo se isso seria possível. Consultando minha Continuidade Cronológica, percebo que Emanuelle Seigner (que interpreta a moça) havia colocado o revólver no bolso do impermeável e é com esse revólver que ele matará o vilão no final. Então, ele tem que continuar vestindo o casaco! Sylvette, “a chata”, percebe o problema de raccord que ocasionaria não usar o impermeável. Johny Depp não ficou contente com isso. E finalmente, ele traz o casaco dobrado no braço. Esse tipo de coisa mostra que, apesar do combo, a continuísta é ainda necessária.

Sônia – Foi na preparação de O Ano passado em Marienbad (Resnais, 1961) que a senhora elaborou seu primeiro diagrama da filmagem, uma representação espaço-temporal do filme, recurso que lançaria mão em outros filmes, como, por exemplo, em La vie est un roman (Resnais, 1983).

Sylvette – É que a primeira versão do roteiro de Marienbad não tinha datas, nem horários. Eu disse: “Não é possível fazer um Plano de Trabalho e uma Continuidade Cronológica dessa forma!” Eu não poderia, por exemplo, prever como é que ela [personagem de Delphine Seyrig] estaria vestida numa cena sem saber onde e quando isso aconteceria! Então eu fiz algumas perguntas e ele [Resnais] me respondeu. Foi assim que eu pude construir, com a ajuda do matemático G.-Th. Guilbaud, o diagrama, o que, por sua vez, ajudou-me a ter uma visão do todo do filme em relação à filmagem.

Sônia – Mas em Marienbad não havia exatamente problemas de raccord

Sylvette – Não, com esse filme eu não tive problema de raccord (risos). Na verdade, é necessário adaptar-se à cada filme. Com Marienbad, estávamos muito relax… Mas havia alguns problemas como por exemplo a cena na qual eles (os personagens de Giorgio Albertazzi e Delphine Seyrig) caminham pelo corredor. Os corredores dos castelos da Baviera não eram suficientementes longos e, para dar a impressão de comprimento, Resnais usou três corredores diferentes. A dificuldade seria então observar que a atriz usasse o mesmo vestido, e que eles caminhassem com o mesmo ritmo. Mas a cena foi filmada ao inverso: primeiro fizemos o fim, no qual ele permanece no corredor enquanto ela corre para o terraço que dá para o jardim, em Nymphenburg. Os planos antecedentes, no hall do mesmo castelo, foram filmados depois. O início dessa longa sequência foi feito em estúdio, na penúltima semana de filmagem, e o meio em outro castelo, o de Schleissheim. O desafio seria encontrar a posição exata para os atores e principalmente o ritmo do caminhar. [Jacques] Saulnier tinha construído um cenário formidável e reproduziu uma parte do corredor com o fundo em perspectiva, aumentando o efeito de comprimento. Ele inseriu uma imagem que dá esse efeito do corredor a perder de vista, e os atores entram nesse ponto, que é o início da cena mas foi filmado no final.

Sônia – E é exatamente nesse final que a protagonista corre em direção ao jardim. Como fazer para encontrar o ritmo exato desse deslocamento, feito em momentos e espaços distintos?

Sylvette – Resnais tem um senso do ritmo bastante apurado. E ele consegue resgatar o ritmo exato de uma cena, embora filmada em dias diferentes. O ritmo dos atores é o que há de mais difícil num trabalho de continuidade. Pode-se dizer “aqui, ele caminha lentamente” mas pode-se andar lentamente com ritmos diferentes. Isso sem falar do problema com as objetivas. Mesmo que um ator encontre o mesmo ritmo, se ele é filmado com duas câmeras, fazendo um plano fechado com uma e um plano de conjunto com outra, o fechado em relação ao plano de conjunto será mais acelerado, dando a impressão – falsa – de que o ator sai do campo fílmico mais rapidamente. Você terá um faux raccord embora a ação seja filmada ao mesmo tempo. É por isso que para fazer duas grandes cenas com câmeras diferentes deve-se filmar duas vezes, em momentos diferentes. Primeiro, pedir ao ator para que ande mais lentamente para o plano fechado, e mais rápido, quando o plano for mais aberto.

Sônia – Além de ter o senso do ritmo, Alain Resnais também é conhecido pela precisão de seu trabalho preparatório…

Sylvete – Resnais tem uma decupagem muito precisa. Ele pensa em todos os detalhes da cena. Além disso, é o único diretor que começa a preparar o filme já pensando na montagem. Antes de se tornar diretor, Resnais foi montador. Ele também tem o hábito de pensar a cena em termos teatrais, uma herança de sua formação teatral. Ele especifica com exatidão as indicações para os atores e essa preparação o torna assaz econômico. Mas é preciso que se saiba que é muito raro um diretor limitar-se à duração prevista no Plano de Trabalho. O único diretor que consegue isso é Costa Gavras. Como ele é ao mesmo tempo produtor de seus filmes, atém-se ao Plano de Trabalho que ele próprio previu.

*  Sônia Oliveira é doutora em Cinema e Audiovisual pela Université Paris III (Sorbonne Nouvelle), com tese sobre os elementos cênicos da narrativa de O Ano passado em Marienbad, linha de investigação iniciada no mestrado (ECO-UFRJ).

Esta entrevista integra um conjunto de atividades da pesquisa “A encenação de Alain Resnais: estudo dos documentos de processo de O ano passado em Marienbad”, trabalho de pós-doutoramento vinculado ao Departamento de Artes e Comunicação da UFSCar (Programa de Pós-Graduação em Imagem e Som), sob a supervisão da professora Dra. Josette Monzani, com apoio da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).

Referência aos problemas que o diretor enfrenta desde 1977 com a justiça americana, o que levou a Suiça a detê-lo e quase extraditá-lo entre 2009 e 2010.

Direct by Sylvette Baudrot. In: Cahiers du Cinéma, nº. 677, 2012, p. 86-97.

Fondation Européenne pour les Métiers de l’Image et du Son. Principal centro de formação em cinema na França, antigo IDHEC.

Nesse período, Gautier trabalhava em Na estrada (Walter Salles, 2010).

Escola francesa de cinema criada em 1943 –hoje FEMIS –, que formou também Alain Resnais, Louis Malle, Costa Gavras, Volker Schlöndorff, Theo Angelopoulos, entre outros nomes de referência do cinema europeu.

Rodado no Rio e, principalmente, nas praias cearenses de Canoa Quebrada e Majorlândia.

Darryl Francis Zanuck, produtor e diretor americano (FOX).

Marienbad é um dos poucos casos na carreira da continuísta em que as filmagens começam com um roteiro em constante transformação. As mudanças no texto de Alain Robbe-Grillet foram feitas antes, durante e mesmo depois das filmagens, na montagem [NDA].

Cabe observar que, à medida em que iam sendo respondidas, as perguntas de Sylvette Baudrot transformavam o texto original de Robbe-Grillet. As modificações feitas no roteiro foram o resultado de um constante e frequente diálogo – nem sempre harmônico – entre o roteirista e o diretor. O trabalho preparatório de Sylvette Baudrot teve um papel preponderante na criação dessa obra [NDA].

Trata-se dos planos 257-258, feitos 5º dia de filmagem. Cf. Plano de Trabalho de L’Année dernière à Marienbad. Fonds Sylvette Baudrot (SBG 215-B76-1960) – Bibliothèque du Film.

Planos 254-256, filmados no 7° dia. Cf. Plano de Trabalho de L’Année dernière à Marienbad. Fonds Sylvette Baudrot (SBG 215-B76-1960) – Bibliothèque du Film

Planos 248-251. Cf. Plano de Trabalho de L’Année dernière à Marienbad. Fonds Sylvette Baudrot (SBG 215-B76-1960) – Bibliothèque du Film

Planos 252-253, filmados no 17° dia de trabalho. Cf. Plano de Trabalho de L’Année dernière à Marienbad. Fonds Sylvette Baudrot (SBG 215-B76-1960) – Bibliothèque du Film

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