Curtas-metragens romenos no 19º Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo

  • Post author:
  • Post category:Panorama

Um bom Festival para os romenos

Certamente das cinematografias mundiais, a romena não é das mais conhecidas. Pudera, afinal os filmes romenos não encontram mercado sequer em seu próprio território. As condições de distribuição e incentivo são desanimadoras: cerca de cem salas de cinema em todo país, média de dez longas-metragens produzidos ao ano, e um instituto estatal que não divulga informações sobre a produção estatal. Em 2006 foram contabilizadas cerca de 2.045 salas de cinema espalhadas pelo Brasil, 73 longas-metragens nacionais que atraíram somados um público total de mais de 9 milhões de brasileiros, naquele ano*. Apesar dos nossos números parecerem tão maiores, nossas salas também estão ocupadas pelo produto estrangeiro, dos quais 80% estão nas mãos de 4 grandes distribuidoras norte-americanas, também chamadas de Majors.

Infelizmente, muitos países precisam lutar como nós para terem um pequeno quinhão em seus próprios mercados, tomados pelo produto estrangeiro, principalmente o norte-americano. Uma das grandes dificuldades de medirmos a evolução desses dados de ocupação nacional versus ocupação estrangeira, vêm em decorrência de dados insuficientes fornecidos pelo Sindicato de Distribuição. Foi dito anteriormente que isso não acontece só no Brasil, como também na Romênia e em outras cinematografias; a única diferença é que lá, esses dados estão em poder de uma estatal. Como vemos, nossa situação não é melhor que a dos romenos. Aliás, não é com facilidade que os nossos filmes encontram espaço no mercado internacional, nem nos grandes Festivais, salvo raras figurinhas marcadas do nosso baralho.

Sabemos que os Festivais são os termómetros das tendências do ano, e Cannes revelou o cinema romeno ao mundo. Para quem pensa que esta cinematografia é feita só de longas-metragens, como os premiados: Trem da Vida (1999), de Radu Mihaileanu; Morte do Senhor Lazarescu (2005), Cristi Puiu; A Leste de Bucareste (2006), Corneliu Porumboiu; Como Festejei o Fim do Mundo (2006), Catalin Mitulescu e 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias (2007), Cristian Mungiu, está muito enganado.

Lembro que na 28º Mostra Internacional de São Paulo (em 2004), o termômetro dos filmes iranianos estava pegando fogo. Os olhos da crítica estavam todos sobre o Irã, Kiarostami e Gitai. Tive a oportunidade de assitir lá filmes que depois não entraram no circuito comercial aqui no Brasil, como Five, de Abbas. A cada ano a curadoria da Mostra estabelece um tema; creio que isso seja um índice do que mereça ser visto, o que certamente acaba por direcionar o público. Nesse ano cinema iraniano ficou na berlinda. Mais ou menos o que está acontecendo com os filmes romenos: o júri seleciona, a crítica aplaude e o público acaba sendo levado a assistir por indicação. Afinal, hoje muitas coisas fazem sucesso nas telonas por recomendação social, vulgo boca-a-boca. De qualquer maneira, ainda é muito cedo para prever alguma coisa. Só o tempo nos dirá se a moda passa ou perdura nas telonas.

Foi durante o 19º. Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo que eles vieram de encontro a mim. À mim, à imprensa brasileira -através dos guias confeccionados pelos jornais –  e ao público, que não parava de locá-los na videoteca.

(Valuri, Ondas/Adrian Sitaru/2007/16’/Cor/35mm)

Muitos cineastas romenos que conhecemos hoje nos grandes Festivais, começaram a mostrar seus trabalhos para o mundo através do curta-metragem. Ora, nós que somos estudantes de cinema sabemos que não sairemos de cara rodando longas. Pois bem, eles que também eram estudantes de cinema na época em que começaram a mandar os filmes pra Festivais se utilizaram desse formato tão caro aos aspirantes. Alguns nomes fizeram história como Radu Mihaileanu, que estudou na França e lá produziu curta; em 1999 lançou Trem da Vida,  também em regime de co-produção multieuropéia, elevando o cinema romeno ao seu nível mais internacionalizado até então.

Também Cristi Puiu destacou-se internacionalmente com os premiados curtas Marfa Si Banii (2001), prêmio de melhor curta no festival independente de Buenos Aires e o prêmio da crítica em Thessaloniki; e o curta seguinte,  Un cartus de kent si un pachet de cafea (2004), ganhou o Urso de Ouro em Berlim. Mais tarde, Cristi partiu para os longas e também foi bem sucedido com4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias (2007, foto), ganhador do prêmio máximo em Cannes. Ele é um dos grandes nomes da nova geração do cinema romeno, que vieram da Universidade do filme. São diretores que já estão com seus trinta ou quarenta anos e puderam passar por algumas experiências nos sets europeus.  Outro nome que também merece ser citado e pertence à mesma geração que Cristian é o de Cristian Nemescu, que teve uma bem aceita trajetória no curta, destaque para Poveste La Scara “C“, ganhador de um menção especial no Festival de Berlim. Sua estréia no longa veio com California Dreaming (2007) – que teve  sua montagem interrompida pela morte acidental de Nemescu num acidente de carro. Depois de terminado, levou o principal prêmio da Un Certain Regard.

(Megatron/Marian Crisan/2008/14’/Cor/35mm)

Voltando ao Festival, o que surpreende nesses três curtas não são grandes histórias, no sentido de serem épicas. São feitas de gente comum e seus pequenos dramas pessoais: uma criança enfrenta a ausência do pai depois da separação, no dia de seu aniversário (Megatron); crianças delinquentes que fogem da carceragem vão à praia (Um bom dia para nadar); o afogamento de uma estrangeira numa praia da Romênia coloca outras duas pessoas em situação complicada (Ondas).

Apesar de apresentarem diferentes estilos de direção, o que é realmente comum aos três é o apuro técnico dos curtas, tanto que os selecionados foram vencedores de importantes Festivais como Cannes, Berlim e Locarno. Uma das coisas que mais me tocaram nesses filmes foi uma aura de ressentimento, talvez por conta da transição de regime (socialista-capitalista) que a Romênia ainda sente. Megatron, em especial, me fez sentir isso ao colocar em contraposição a casa onde a mãe e o filho moram (rural) e a cidade com o Mc Donalds (o urbano) – o filho pede de presente de aniversário a surpresa que vem no lanche da famosa rede de fast food; a mãe tenta lidar com a revolta e a rebeldia do filho depois de ter se separado do pai. Enfim, relações humanas conturbadas por fantasmas da desigualdade, do regime ou dos valores sociais. (Ultram)

(O zi buna de plaja, Um bom dia para nadar/Bogdan Mustata/2008/9’/Cor/Vídeo)

Aliás, desigualdade é visivelmente posta em jogo em Ondas, onde uma rica suiça passa férias com o filho deficiente numa praia da Romênia. Nosso personagem neste curta é um jovem pobre romeno, que faz “tipo” na praia, tentado aparentar um “boa pinta”, por assim dizer. As vidas desses personagens se encontram na praia e ele se vê em problemas depois que ela se afoga no mar e ele fica cuidando do menino. Já em Um bom dia para nadar, a juventude totalmente disvirtuada, seja pela sociedade que a criou, seja pela (des)educação dada na instituição de jovens infratores, se envolvem com uma prostituta.

O que mais me encantou foi que em nenhum momento esses filmes culpam a sociedade ou o mundo pela atual situação da Romênia. Eles (cineastas) tiveram muita sensibilidade em selecionar as imagens que nos mostraram (público), à partir de um trabalho consistente de construção de seus personagens. Simples e conciso. Claro e profundo. É um cinema que toca sem precisar de muitas palavras. Choca o público com sua sinceridade, e surpreende a todos com a simplicidade e verdade dos sentimentos, que, em qualquer parte do mundo podem ser entendidos, são universais.

Larissa Cardoso é graduanda em Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)

*Dados retirados do site: http://festivaldorio.com.br/site/index.php?option=com_content&task=view&id=35&Itemid=58

Author Image

RUA

RUA - Revista Universitária do Audiovisual

More Posts

RUA

RUA - Revista Universitária do Audiovisual