Entrevista com José Mojica Marins

Por  Estela Andrade*

Em parceria com o CineUFSCar, a SeIS.12 ( 12ª Semana da Imagem e Som) promoveu a exibição em 35mm do filme À meia noite levarei sua alma, clássico de 1965 de José Mojica Marins. O personagem Zé do Caixão, pela primeira vez apareceu para o público brasileiro. Após a exibição, contamos com a presença e debate com o diretor. Dentre cinema brasileiro, cinema de gênero e terror, Mojica concedeu uma entrevista à RUA.

José Mojica Marins na SeIS.12 em parceria com o CineUFSCar

Estela Andrade – Como foi o início da sua carreira no audiovisual ?

Mojica – Na verdade eu comecei muito cedo, meus pais eram artistas, minha mãe dançava tango, e depois meu pai foi ser gerente de um cinema; e queira ou não eu acabei me criando dentro do cinema, vendo realmente tudo o que eu podia ver. Eu subia na cabine e via filmes de  Bela Lugosi entre outros; e eu ficava realmente fascinado por esse gênero. Eu olhava de dentro da cabine, e quando aparecia uma cena de impacto num filme de terror, a mulher pulava diretamente no homem, apavorada; e eu achava isso legal, bacana, então pensei que esse era o meu caminho, porque atrai a mulher e não realmente o homem, então, minha inspiração já para um filme de terror nasceria disso. Aos nove anos de idade, meu pai ia me dar uma bicicleta que era o que toda criançada gostava, e eu disse que não queria a bicicleta, queria uma câmera. Eu ganhei uma câmera de 16 mm e pelo bairro eu comei a filmar tipos de documentários, pessoas, eu ia fazendo um documentário aqui, outro ali de uns 15 minutos; aí eu comecei a ver que o meu universo não era documentário, era longa – metragem. Então, comecei a me preparar para fazer o meu longa por volta de 1950, que seria o primeiro bang – bang brasileiro em cinemascope do Brasil. Ninguém sabia fazer cinemascope, ninguém nunca tinha feito no Brasil, mas eu tinha um técnico que sabia mexer em câmeras, então do projetor era tirada a lente e colocada outra  realmente para que eu pudesse filmar.  Daí eu comecei a filmar; era meu primeiro longa-metragem que começou e terminou. Comecei A Sentença de Deus , mas houve uns problemas, não sei que maldição tinha. A primeira atriz morreu afogada na piscina da Vera Cruz, eu tive outra que, infelizmente, teve câncer, a terceira foi viajar para visitar a família no Paraná e sofreu um acidente, perdeu uma perna; então eu vi que Sentença de Deus não era um filme que eu poderia fazer, aí eu fiz um romance. Peguei aqueles aviões que escreviam no ar “sentença de Deus” e jogava papeis. Não deu outra, o primeiro filme explodiu, não completei o Sentença de Deus, completei o romance, mas eu começaria o primeiro longa em cinemascope brasileiro, A Sina do Aventureiro (José Mojica Marins, 1958).

Estela – Você fez romance, bang-bang, até filmes infantis, mas o que predomina na sua carreira é o terror…

Mojica – Eu fiz romance, deu público, mas não era o público que eu queria. Eu fiz fitas infantis, trabalhei com “Chapeuzinho Vermelho”, “ O Gato de Botas”, mas eu sabia que não era meu caminho, o meu negócio era o terror; e era o terror que iria me imortalizar, queira ou não amanhã eu morro e o Zé do Caixão já é um mito, uma lenda brasileira. Eu só fico triste porque não estou achando um sucessor. Eu fiz teste há uns três anos com mais de mil pessoas do Brasil todo para escolher quem poderia ser meu sucessor. Aparecem semelhantes, mas a mente, tem que ter a mente aberta, saber improvisar na hora certa; e isso não aconteceu, então eu não consegui um sucessor. Vou ficar muito triste morrendo sem alguém que prossiga meu trabalho, mas os meus filmes já ficaram para a eternidade.

Estela – Mas o Zé do Caixão não tem uma filha ?

Mojica –  Eu tenho a Liz Vamp que está fazendo algo que eu não gosto. Eu cheguei pra ela e disse: “Faça algo brasileiro, uma bruxa brasileira, uma feiticeira”, mas ela escolheu o vampirismo. Gosto muito dela, às vezes nos apresentamos juntos, e eu que falo tão mal dos vampiros nos filmes tenho de falar que ela é uma mutante, diferente dos outros e tal. Enfim, é filha, eu tenho de prestigiar, mas não posso dar aquela força porque vampiros pertencem aos gringos, não aos brasileiros; eu tenho algo realmente nosso. Mula sem cabeça, saci pererê, quer coisa mais fantástica do que isso ? A maior comprovação é que ainda fazem sucesso os livros do falecido Monteiro Lobato. Mas eu pretendo ainda esse ano, através do meu programa de televisão no Canal Brasil, que está com um público cada vez maior, montar realmente uma escola com pessoas do Brasil todo para ver se eu arrumo um sucessor para realmente assustar sem precisar dessa tecnologia, fazer um terror realmente artesanal.

Debate com público no CineUFSCar

Estela – A gente vê no cenário do cinema brasileiro desde a retomada que a produção está aumentando todos os anos, mas o terror parece que não está acompanhando; há produção mas elas não se destacam muito. Você acha que tem espaço pro gênero de terror no cinema brasileiro ?

Mojica – Eu acho que tem maior espaço, o público brasileiro gosta de bastantes coisas místicas, gosta de sentir medo, gosta de sentir sensações, mas todos aqueles que tentam fazer terror que eu já vi fazem mas eles mesmos ficam com medo daquilo que estão fazendo. Eu mesmo fui convidado para terminar vários filmes de terror aqui no Brasil porque os realizadores não conseguiam prosseguir. E é o gênero que as pessoas gostam, do místico, do mistério; e no terror você tem de tudo, até romance, um drama, e é aquilo que faz subir a adrenalina. Eu realmente estou triste porque o Brasil, com todo esse folclore que tem, matas lindas, grandes praias, as mulheres mais belas do mundo são brasileiras, e não sei por quê não tem ninguém fazendo nossas lendas.  Derrubamos esse terror de Crepúsculo (Catherine Hardwicke, 2008), com um galãzinho, aquilo é coisa pra criança ver. Queira ou não terror tem que ter gente feia, o bonito em contraste com o feio. O que nós temos de gente aqui que nem precisa de maquiagem, um monte; eu já fiz teste de gente feia, aparecem mulheres, homens feios demais, nem precisam se maquiar.

Estela-  Grande parte dos seus filmes foram feitos durante a ditadura. Como era lidar com a censura e como você encarava isso na época ?

Mojica – Revoltado. Havia uma perseguição muito grande da censura, não sei o que ela via em mim, e ao fazer À Meia Noite Levarei Sua Alma (José Mojica Marins, 1964) já caiu todo mundo em cima porque eu estava fazendo algo diferente, era o primeiro filme de terror brasileiro, aliás, o primeiro e o único, ninguém mais fez cinema de terror no Brasil; mas eu achava que esse era o caminho, gostava, me sentia bem, lia livros, revistas de terror, então não tinha jeito, peça de teatro era de terror, tudo era de terror, mas a perseguição vinha muito forte. Aí na época, Glauber Rocha, Rogério Sganzerla, Julio Bressane me diziam: “Mojica, você tem de se mandar. O pessoal tá fazendo um movimento, qualquer hora você vai ser perseguido e eles podem até te matar”. Mas eu dizia: “Poxa, mas eu quero fazer isso” e me respondiam: “No Brasil, não dá!”, e eu disse que ia dar. Eu comecei a pensar o que eu poderia fazer, aí nasceu de um pesadelo a história do À Meia Noite Levarei Sua Alma , mas como eu poderia fazer isso se eu já estava sendo perseguido e ameaçado ? Então houve um baile de generais e eu logo pensei que o meu caminho estava ali. Fui ao baile para procurar a filha de um general para trabalhar no meu filme, e aí vi uma menina muito bonita, perguntei se ela queria fazer cinema e tal; e então ela veio e nós começamos a namorar. E essa foi minha salvação porque toda hora em que o pessoal caía matando ela ligava para o pai e tudo se resolvia. Foi por isso que eu pude ficar enquanto os outros tiveram que sair do país, eu tinha o exército a meu favor por causa da filha do general. E aí eu consegui fazer meus trabalhos, fui trabalhando, fiz Meu Destino em tuas Mãos (José Mojica Marins, 1963), fiz bang-bang que o pessoal gostava, mas entraria em À Meia Noite Levarei Sua Alma, que era meu grande sonho, vinha de um pesadelo, e se transformaria no primeiro filme de terror brasileiro; deixaria todo mundo paralisado, chegou à explodir.

Estela – Então, para encerrarmos, gostaria que você comentasse um pouco sobre seus próximos trabalhos.

Mojica –  Eu tenho uns três livros para lançar, que eu acho que são histórias muito legais, e daqui uns três meses começo a lançar o dvd do meu programa, que está com uma audiência muito grande, e os maiores nomes brasileiros tanto do cinema, da medicina, da engenharia fazem parte dessa compilação. E esse ano ainda, em novembro ou dezembro, estreia meu próximo longa-metragem, A Praga (José Mojica Marins, 2012).

* Estela Andrade é graduanda do curso de Imagem e Som da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e Editora Responsável por Entrevistas da Revista RUA.

Confira a cobertura de textos, fotos  e vídeos do evento e mais da SeIS.12 em www.seisufscar.com.br

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