Por Rafael Simões e Thiago Jacot (entrevista) e Zoe Yasmine (tradução)*
Entrevista com a Profa. Dra. Cynthia Tompkins, que leciona na Arizona State University e ministrou o minicurso “Cinema latino-americano Contemporâneo: estética e experimentação” durante o Primeiro Encontro Estadual da Socine – SP que ocorreu em São Carlos na ?Univeridade federal de São carlos (UFScar) entre 17 e 19 de maio d 2011.
Rafael Simões: Gostaria de saber se existe espaço aos filmes latino-americanos em mercados como os dos Estados Unidos, principalmente?
Cynthia Tompkins: Parte do problema é que os filmes latino-americanos tem realmente um amplo espectro, então, a meu ver, depende da característica de cada filme o espaço que ele tenha. Por exemplo, Sin Nombre (Cary Fukunaga, 2009), que não é necessariamente latino-americano, teve certa relevância, pois tratava do tema ‘fronteira’. Basicamente, os filmes latino-americanos ficam nos festivais, esse é o lugar. Existem vários festivais em Santa Bárbara e em diferentes estados dos Estados Unidos. Então, eles basicamente dependem desses festivais. Onde eu estou – em Phoenix – houve todo um festival dedicado, por exemplo, a Sorin [Carlos Sorin], mas isso raramente acontece e então ele era o representante da Argentina. Há também outra instituição: a Universidade de Phoenix, que faz um festival todos os anos. Um festival latino-americano, no qual entram filmes uruguaios e colombianos que normalmente não entrariam em nenhum circuito. Cada vez mais são centros universitários, principalmente, que estão apresentando e dando espaço a esses filmes. E o interessante, também, é que quem organiza esses eventos, às vezes os faz em teatros independentes, cinemas, onde eles projetam filmes independentes, aqui, por exemplo, mostraram “Cama Adentro” (Jorge Gaggero, 2005), um filme argentino, mas o que eu queria dizer é que eles [os organizadores] têm um filtro bastante claro, porque sejam eles da comunidade de Cinema – [realizadores] de filmes independentes -, ou seja, por exemplo, centros universitários, estão amplamente pensando na recepção do filme e, por isso, na realidade os [filmes] que estão passando parecem-se mais, assemelham-se mais às convenções de Hollywood. “Cama Adentro” teve muita repercussão em Hollywood, porque se parecia muito com um filme industrial. Os de Sorín, “road movies”, são industriais, esse filme foi apresentado hoje. Os cinco [filmes] tem certo elementos exóticos, e eles vão preenchendo, assim, as expectativas das pessoas, então, esse é o problema porque as experimentais não chegam. Eu tinha proposto, por exemplo, que se mostrassem alguns de Oliveira Cézar [Inês de Oliveira Cézar] e não chegaram a mostrar, era excessivamente experimental para esse publico – então esse é um dilema -, existem barreiras que, muitas vezes, são impostas por nós mesmos, no que diz respeito ao que se mostra. Por isso, para mim, é fundamental que nas universidades se mostre o mais experimental; nelas, pelo menos os estudantes, que, geralmente, tendem a ser um grupo bastante reduzido, muito específico, que começam a conhecer o que é mais experimental, mas o círculo vai se fechando e, por outro lado, isso acontece em diferentes universidades. Também, queria mencionar a questão das revistas: de uma maneira crescente, as pessoas que estavam antes em literatura começaram a se dedicar e se debruçaram sobre o cinema, então, muitas das que eram revistas literárias, agora estão aceitando artigos sobre cinema e isso também dá uma entrada a este tipo de filmes [experimentais]. De outra forma, mas estão entrando.
Rafael:As produções latino-americanas são muito influenciadas pelas produções exteriores, como dos EUA e da Europa. Eu queria saber se as produções latino-americanas também influenciam produções como as dos Estados Unidos, por exemplo.
Cynthia:Há diretores mexicanos que tiveram sucesso, como Iñárritu – que se consagrou com Amores Perros (2000) e em Babel (2006), faz o crossover. E, basicamente, é a mesma estrutura, pode-se dizer que a influência é: que está usando o mesmo estilo. E teria que se avaliar bem o valor de Babel, a coincidência forçada. Aqui tem um estudo muito interessante, e eu acredito que o estudo seja muito mais interessante, em termos mais teóricos, que o filme em si. Mas isso seria uma maneira que se pode dizer “eu usei o mesmo paradigma”, mas não necessariamente. Outro que teve muito sucesso foi Guillermo Del Toro, ele começou com Cronos (1993), há o El Espinazo del Diablo (2001), que é mais ou menos uma coprodução espanhola. É centrado na Espanha, porque foi feito todo ali e depois volta; ele é um dos poucos que tem seu nicho, e esse nicho, como se diria lá, seria o cinema de horror. Então, ele já vem com isso, a questão é: “até que ponto está marcado por filmes das convenções de Hollywood?” Ao fazer El Espinazo del Diablo, tem aí esse cruzamento. E esse filme foi um sucesso fabuloso. Então, pode-se dizer que ele seguiu com o mesmo estilo, na questão de até que ponto este estilo foi moldado por Hollywood logo de cara. Basicamente, estou falando desses três porque são aceitos, fazem crossover, mas são os que fazem os filmes industriais e os que não têm tanta aceitação ou estão em outro processo, o qual seria o caso de Reygadas [Carlos Reygadas] – que é completamente independente e faz um processo de circuito – que teve muito êxito em Cannes e não é aceito no México inicialmente, e só recebe o apoio final em Batalla en el Cielo (2005), quando o governo lhe oferece certo financiamento. Mas já para seu terceiro filme, Luz Silenciosa (2007), o governo decide que sim, que representa o México. Então, seria um dos poucos casos, o único que conheço de um diretor que se auto define como autor e que continua fiel ao seu estilo, que as pessoas gostam e, entretanto, ele é bem honesto porque diz: “sigo a Tarkovski, a Breson” e, então, até que ponto certo representa algo novo. Dir-se-ia que, em termos de conteúdo sim, como disse Aleksandra Jablonska, irrita aos mexicanos, e, no sentido da temática, sim, evidencia os mitos, os estereótipos, baseia-se em tabus, irrita, mas em termos de técnica, não, porque é muito silencioso e também aceita e admite sua dívida. Então, tanto estes diretores como os europeus, de uma maneira ou outra, estão modelando isso. Outro que teve muita aceitação foi Bielinsky [Fabián Bielinsky], inicialmente com Nueve Reinas (2000), mas ele é o que tem o filme industrial, que tem muita ação e toda ação é rápida durante os quase 90 minutos seguindo algo incluído pelo cinema norte-americano por Hitchcock e Mamet por exemplo, ou seja, esses são os que, normalmente, tem certa aceitação. Não sei até que ponto, por exemplo, Lucrecia Martel fez La Ciénaga (2001), que foi aceito no exterior, e é como o que dizem no tango, a pessoa tem que ir triunfar em Paris e voltar. [Risos] Então, em Lucrecia Martel, nota-se talvez menos essa influência. O problema é que a nova geração de diretores sai das Escolas de Cinema, então, já tem uma formação, e essa formação, por sua vez, normalmente, baseia-se em certos gêneros, logo, há toda uma reprodução hegemônica e, então até que ponto se poderia dizer que as Escolas de Cinema encarregam-se de romper com isso – esse é outro dilema. Eu terminei meu minicurso falando de Hamaca Paraguaia (2006), nele, Paz Encina subverte todos os gêneros e, no entanto, esse filme, que eu saiba, não teve nenhuma circulação, então aí está o problema, quanto mais experimentais são, mais difícil é de posicioná-los em um circuito mais amplo, o preconceito dos argentinos nesse caso, que não veem filmes argentinos. Somente agora que eles estão mudando, mas normalmente não veem.
Rafael:Quando, por exemplo, você falou de “O Homem Que Copiava” (Jorge Furtado, 2003), comentou sobre a cena de um quadro cortado que era influenciado por outro diretor. Então, em sua opinião, essa formação em história do cinema, uma formação humanística e não apenas profissional, é importante para produção cinematográfica?
Cynthia:O filme funciona melhor se visto duas ou três vezes, porque, então, a pessoa pode captar todas as alusões presentes. Por isso digo que, talvez, a nova geração já venha marcada por esses estudos. Existem alusões muito diretas, muito claras a ‘The Lady from Shangai’, de Orson Welles (1947). E aí [com esses estudos] está um “ahá” do espectador que faz aquele estalo, aquele momento de “eureca”. Então, existe uma relação diferente com o espectador. Eu não sei bem até que ponto é simplesmente uma influência ou é quase como uma alusão lúdica, e por aí que vai a questão deste assunto. Em termo de formação humanística, eu sou bastante partidária de tudo que seja a pós-modernidade e, basicamente, já não existem meta-narrativas, meta-discursos e acho importante inscrever todos esses discursos para então subvertê-los de alguma maneira, porque dá outro nível ao espectador, dependendo do “reader response”. Depende de comocada espectador vê, vai dando níveis diferentes para audiências diferentes, então, quanto mais formação se tenha, mais vai haver a compreensão dessas alusões e haverá um prazer diferente, um prazer quase superior, que é permitido dessa forma também no caso de Furtado [Jorge Furtado]. Para mim, nele [em Furtado] está também esta noção, esta questão da intertextualidade, da intermidialidade. E ele está saindo desse sistema realista, por mais que a película seja muito realista, ela está dando a possibilidade de que se leia de outra maneira, assim, o espectador está se desvinculando dessa realidade e extraindo para um outro nível justamente por causa desse jogo de intertextualidade, portanto, a preparação humanística aqui dá um “a mais” ao filme, ou seja, acredito sim que seja fundamental.
Rafael: Primeiro eu queria te agradecer, e gostaria de saber se você poderia falar de como foi o início da sua relação com o Cinema, de sua carreira com o Cinema.
Cynthia:Quando eu comecei, e não quero mencionar os anos. [Risos] Bom, quando eu comecei a Universidade Argentina, em 1975, a Escola de Cinema havia sido fechada pelos militares, ou seja, como estudei durante esse processo [de fechamento], estudar Cinema não era uma opção, então eu segui com Letras, Tradução, Literatura Comparada, e, depois, eu entrei em Women Studies. Em 1992, fiz um vídeo, então foi no momento da edição em que uma pessoa fica aí capturada que estava tratando de um vídeo que eu fiz sobre mulheres de origem mexicana que viviam em Wiscosin, no meio-oeste, onde eu estava vivendo neste momento, e foi isso realmente o que me capturou, porque é a técnica, é o processo de edição em si que realmente me pegou. E foi ainda em 1992 que eu estava dando aulas do que já se chamava de ‘Women and Films’, ou seja, filmes de diretoras, e então, havia uma ampla gama desde a vanguarda para frente, acredito que justamente esse interesse pelas vanguardas é o que decantou, depois, esse projeto de agora. Eu dizia: “deve ter experimentações nos filmes de hoje em dia, mas onde é que elas estão?” Depois disso, dei aula de Cinema Latino-Americano, desde 1999, e a ideia sempre foi tratar de dar uma visão panorâmica mais ampla que não fosse simplesmente os centros conhecidos que seriam Brasil, Argentina, Cuba, abrir as perspectivas. A intenção sempre foi tratar de encontrar outros filmes para até certo ponto disseminar o que se está sendo feito, assim que isso é tudo. Eu queria dizer que produzi e dirigi todos esses filmes, mas não… [Risos] Seria bárbaro, simplesmente. E o prazer é meu, eu gostaria de agradecê-los.
*Rafael Simões, Thiago Jacot e Zoe Yasmine são graduandos em Imagem e som da UFSCar e editores da RUA.
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