Entrevista com Newton Cannito

Durante a décima terceira semana da SeIS (Semana de Imagem e Som), São Carlos recebeu Newton para ministrar a  esperada oficina de Roteiro durante o evento. Cannito possui doutorado em Cinema e Televisão pela Universidade de São Paulo e foi o roteirista chefe responsável pelo seriado 9mm: São Paulo exibido pela FOX Brasil. A série recebeu o prêmio da APCA de melhor programa de teledramaturgia da TV Brasileira.  Escreveu os roteiros da telenovela Poder Paralelo de Lauro César Muniz, da série Cidade dos Homens e dos filmes Quanto Vale ou é por quilo?, de Sérgio Bianchi e  Bróder de Jeferson De.  Newton é um profissional conhecido no meio cinematográfico e audiovisual brasileiro. Em 2010 assumiu o comando da Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura durante o governo Lula, onde permaneceu no cargo até 2012, quando foi substituído por Ana Paula Santana Ao longo de sua gestão, defendeu a diversificação da produção audiovisual brasileira e a exploração de tecnologias digitais de produção e distribuição. A RUA conversou com Newton apoiada em sua experiência, para pensar as possíveis perspectivas para o setor em relação a nova lei de produção independente para a televisão brasileira e qual o contexto de trabalho para o profissional de roteiro no mercado audiovisual brasileiro.  

Por Thiago Jacot * e Fernanda Salles**

 Fotos: Fernanda Costa***

RUA: Dado ao novo panorama da lei de produção independente. O que você acha que vai acontecer? Haverá mais oportunidade de trabalho para os roteiristas? 

Newton Cannito: Eu acho que a médio prazo vai haver uma expansão, sim. Mas a curto prazo, de imediato está acontecendo uma expansão da procura de roteiristas, ainda baseado naquela velha frase de que “está faltando roteiristas no mercado”. Eu, particularmente, conheço cerca de 50 pessoas, pessoalmente, com as quais já trabalhei, que estão aptas a trabalhar e estão desempregadas e aí você ouve esse papo de que estão faltando roteiristas. Eu mesmo, depois de ter feito 9mm, depois de Bróder,  de Quanto vale ou é por quilo?, depois de Cidade dos Homens, com um currículo grande, reconhecido, etc, recebi propostas muito precárias. Então, as produtoras continuam sem entender que não dá pra trabalhar assim como roteirista e só quem entende o papel de um roteirista são as emissoras de televisão. Acredito que não há falta de roteiristas e sim a vontade de pagar roteirista.

O que vai acontecer agora é a velha estratégia de chamar jovens talentos, buscando roteiristas iniciantes que aceitam o valor irrisório que as produtoras querem pagar. É claro que é interessante que esses jovens iniciantes se proponham, mas acho que as consequências dessa prática uma hora chega às telas. A única empresa de audiovisual que funciona no Brasil, de fato, é a Globo, porque ela sabe valorizar seus talentos e essa estratégia de sempre precarizar e buscar alguém iniciante é na verdade uma grande desculpa para não pagar roteiristas. Vocês iniciantes tem que, portanto, tomar muito cuidado, porque depois de fazer alguns trabalhos vocês voltam pra fila dos desempregados, porque depois a empresa arruma outro iniciante pra ocupar seu lugar.
Essa tendência vem de algo muito concreto que é o fato das produtoras independentes, em geral, não saberem o que faz um roteirista. Essas pessoas são, geralmente, profissionais que vieram da publicidade e que estão acostumados a trabalhar com roteiros que vinham de agências publicitárias. A lei, por sua vez, está sendo bolada de tal forma que dá plenos poderes a essas produtoras, que valorizam o trabalho interno de seus diretores que também vem da publicidade e que não são pessoas aptas a coordenarem processos de roteiro. É claro que existem as exceções. Fernando Meirelles é uma delas, mas, como procedimento geral, são pessoas que não se formaram em roteiro, e  então pra você fazer um roteiro de 5 minutos tudo bem, mas produzir 13 horas de dramaturgia, de qualidade, só mesmo gente de dramaturgia, são anos de pesquisa, não precisa nem ser de audiovisual. Às vezes é melhor chamar um dramaturgo, um escritor, não precisa ser do audiovisual. Como a Globo reconheceu, lá na década de 70, chamando Diaz Gomes, que fazia teatro, Lauro César Muniz. Hoje em dia não precisa ser só gente do teatro, pode ser escritor, roteirista ou romancista há muitos anos e ainda estarão sendo desprestigiados com essa tática de se contratar novos talentos, mas deve-se tomar o cuidado pra que alguém seja pago de fato. Se você pegar recentemente, todos os roteiristas de cinema foram pra globo. Marçal Aquino, Marco Menstein, eu, Paulo Halton, Bráulio Montavani, todas essas pessoas que poderiam estar fazendo séries foram pra Globo. É estranho, não? Mas a gente percebeu que só a Globo tem essa cultura de reconhecer a importância do roteirista, de dar prestígio. As outras empresas estão procurando datilógrafo de diretor.

RUA: E com a sua inserção nas produções da Rede Globo. Você tem liberdade pra propor projetos próprios?

NC: A Globo tem hoje, se eu não me engano, 350 autores. Tem autores que já estão em projetos, tem os que não estão em projeto nenhum e são só leitores e todos eles podem apresentar projetos. É super legal por que o sistema da Globo representa tudo o que o mercado deveria ter, porque uma coisa que o mercado não tem é o agente, alguém que te leva até o diretor ou produtor e a globo tem isso internamente. Seu projeto é encaminhado pra diretores e produtores e ai começa o processo de se descobrir talentos. A Globo teve um sistema de renovação de autores que deu certo. Eu achei que não ia dar muito certo e foi o contrário, os jovens é que estão fazendo sucesso, produzindo novelas que deram grande audiência. As grandes novelas com maior audiência foram de jovens autores estreantes na Globo.

RUA: Em relação à SAV havia ou há uma política de fomento que cuidasse especificamente dos interesses dos roteiristas? Existe uma associação organizada de Roteiristas, a AR  que é presidida por você. Existe alguma pauta ou reivindicações que vocês pensam no momento?

NC: Estamos pensando muitas coisas que achamos que poderiam ser feitas. Existem coisas que vão do óbvio, que é aumentar editais que prestigiam a pessoa física, o fundo setorial terá aquele desenvolvimento e esse desenvolvimento pode ser pra pessoa física, porque a gente fala muito de produtora independente e pouco do autor independente. Precisaria de editais de núcleos criativos, por exemplo, com a tendência de financiar equipes criativas que também tendem a prestigiar os talentos individuais e não só as empresas, porque o audiovisual não é uma área de commodities. Então não adianta ter empresa grande. Não precisa ter produtora grande, você precisa ter os talentos. A parte grande da produção é na hora da filmagem só, o start inicial do projeto não precisa ser de uma produtora grande, o produtor precisa ter um alto controle do poder criativo, ele não precisa ter estúdio, por exemplo, estúdio se contrata,  é comoditie, capital criativo não. Só como exemplo, nos EUA chamam os orçamentos de “acima da linha” e “abaixo da linha”. Acima da linha é só diretor, produtor, roteirista e ator principal e eventualmente algum técnico específico, ou figurinista quando é alguém muito famoso, ou seja, são as marcas agregadas ao filme, essas marcas não tem preço, não tem valor, não se dá pra quantificar, então o roteirista é sempre acima da linha. O Brasil é o único país em que o fotógrafo ganha mais que o roteirista, isso não existe. Não existe porque fotógrafo trabalha menos. Isso tudo tem a ver com a regulação da ANCINE saber aprovar mais roteiro, garantir que o pagamento do roteiro seja pago para o roteirista e não para o diretor. Enquanto houver essa cultura a coisa não vai andar, tem que se garantir a defesa da pessoa física, incentivar a formação de empresas que sejam agências. Não existem agências no Brasil, o agente é uma figura importantíssima. O agente é o cara que faz a química, é o cara que aproxima o direção do roteirista, é quem aproxima a equipe criativa. Sem agentes o roteirista não consegue negociar os contratos, são mal negociados, não tem leis de direito autoral, ou seja, é todo um processo de regulamentação da profissão, de profissionalização, de prestígio da pessoa física e não da empresa.  Então nesse sentido, talvez seja mais interessante investir na criação de agentes, pra achar roteiristas que já existem, e não formar novos. Aliás, mais que pagar bem e investir nos roteiristas, é preciso investir em uma política de dramaturgia no Brasil. Não existe uma política de dramaturgia no teatro brasileiro. Deve-se haver uma política para escritores, para HQ, e por aí vai. No Brasil existe um desprestígio da escrita em geral. Ou tem uma ação rápida e eficiente pra entender o papel dessas pessoas que leem livros, que escrevem, ou vai ficar esse papo de faltam-se roteiristas.

 * Thiago Jacot é estudante do curso de Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos(UFSCar) e atualmente aluno de intercâmbio no curso de Film Studies pela  Anglia Ruskin University no Reino Unido.

** Fernanda Sales é estudante ddo curso de Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos(UFSCar) e editora da RUA.

*** Fernanda Costa é estudante de curso de Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos(UFSCar) e editora da RUA.

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