Entrevista com Carlos Reichenbach – Parte 2

Carlos Reichenbach diretamente da Sessão do Comodoro, fala de carreira, cineclube e próximos trabalhos.

Por Thiago Jacot e Estela Andrade*

O cineasta brasileiro Carlos Reichenbach, diretor de filmes como Lilian M: Relatório Confidencial (1974), Alma Corsária (1993), Garotas do ABC (2004) e Falsa Loura (2007) e símbolo do Cinema Marginal, veio para São Carlos em novembro como parte da programação do 5º Festival Contato para a Noitada Cineclubista e a apresentação da sua famosa Sessão do Comodoro, um cineclube que busca passar filmes “nada óbvios, com temáticas polêmicas e impactantes”, nunca antes vistos, fora do comum. Um trabalho de pesquisa à procura de títulos que não passam no circuito comercial no Brasil. O cineasta concedeu entrevista a Revista RUA, falando sobre carreira, o cineclube e próximos projetos. A entrevista foi publicada em duas partes. A primeira foi publicada na edição de Dezembro da Revista. Neste mês, apresentamos a segunda parte a seguir.

Thiago Jacot e Estela Andrade – Como era filmar no período da ditadura militar, em meio a uma censura e ainda tentar ser original em seus trabalhos?

Carlos Reichenbach – Quanto a isso o grande prazer era testar a censura. Eu fiz isso e tive um grande prazer. E tinha um grande barato que era quando eu pensava que a censura iria cortar determinada cena, ela não cortava. Isso aconteceu várias vezes. Em Lilian M: Relatório Confidencial[1974] havia rigorosamente referência à tortura física. Eu criei um personagem nazista que morava na represa Bilings, que bancava a repressão no Brasil. Evidentemente que eu estava fazendo uma metáfora de um industrial brasileiro que bancava a tortura. Qualquer idiota podia enxergar isso. Por incrível que pareça a censura não entendeu isso. O filme foi censurado pela BBC de Londres, anos depois, 15 anos depois eles cortaram a cena da tortura. Foi a BBC de Londres e não o Brasil. Essa era a provocação entende? Às vezes você pensava “aqui eu vou filmar para eles cortarem”, e eles não cortavam. Cortavam somente bobagens, o mais idiota que você pode imaginar. Uma palavra por exemplo. Ou seja, o censor não tinha parâmetros, era uma coisa completamente alucinante. Evidentemente que ao arriscar a gente pegava algumas coisas. Tive um filme que ficou três anos interditado chamado Amor, Palavra Prostituta[1980], só porque mostrava um aborto mal feito. Mas, havia um intelectual que ficava cuidando da garota, aparecia sangue menstrual. Na cabeça da censura eu era louco, e como poderia mostrar sangue menstrual? As mulheres pediram a liberação do filme. No fundo o filme não fazia uma defesa do aborto legal, não é isso, mas nitidamente sobre o direito de se fazer um aborto. Os homens interditaram o filme, mas as mulheres pediram a liberação do filme. Alegavam que havia carícias entre o intelectual e a moça, que apareciam genitálias. Eram malucos! Obviamente, que eu não tinha essa liberdade de chama-los assim. Sabe o que cortaram do filme Como era Gostoso o Meu Frânces[1970], do Nelson Pereira dos Santos? O pinto do branco. O censor disse que o membro do ator era muito grande, maior que os outros e não queria que sua mulher visse isso. Parece absurdo, mas é verdade. Ganhou interdição de 18 anos. Que cabeça de lixo! Olha com o que o cara estava preocupado! O filme fala de outra coisa, e ele se atentava a esses detalhes. Era inexplicável. Podia liberar uma cena fortíssima e censurar uma mais pesada ainda.

Carlos Reichenbach no CineUFSCar - Foto de Marcelo Félix

Thiago e Estela  –  Como você fazia para o filme ser liberado?

Carlos– Nós demos uma sorte, porque na época abriu a primeira instância de censura que se chamava Conselho Superior de Censura. Era uma instância que você recorria para tentar que os filmes fossem liberados. Aquela instância que proibiu Amor, Palavra Prostituta e aquela instância liberou Império do Desejo[1981] sem cortes. Foi o primeiro filme do Brasil liberado pelo Conselho. Eles acharam o filme meio maluco, meio doidão, e é mesmo, porque se faz a defesa da liberdade em todos os seus níveis. No meio do filme tem um encontro entre uma maoista e uma anarquista. Aí eu descasquei a banana. Era muito engraçado, porque eles não entendiam as piadas. Eles conversavam e soltavam máximas anarquistas e maoistas, respondiam de outras formas. No fundo é um dos filmes que eu mais gosto. Por sorte, foi liberado. Nunca filmei com tanta liberdade. Fiz o filme com pouco dinheiro e provocando a censura. Foi lançado em um cinema do Rio de Janeiro como o primeiro “PornCult” do cinema brasileiro. O filme se pagou em pouco tempo. Falavam: “Que filme doido!”. O filme foi selecionado para um Festival de Cinema Anarco-Libertário em Melbourne(Austrália), Festival de Cinema Anarquista em Portland(Estados Unidos). Possivelmente o filme vai passar no Festival de Rotterdam (Holanda) em 2012 se a Cinemateca Brasileira fizer uma cópia nova. Me deu muito orgulho de fazer. Perguntaram se eu fiz uma Pornochanchada. Eu falei Não, eu fiz uma Super Pornochanchada. Império do Desejo é um filme que usa o repertório da pornochanchada para subverter-lo. Fala tanto de liberdade, tanto de utopia, especialmente de subversão. Um filme que discute sexo com questões políticas. Minhas influências são essas, minha formação é essa. Minha geração estudou os pensadores libertários Herbert Marcuse, por exemplo. Era um leitor assíduo de livros anarquistas.  O cinema me ajudou muito a afinar o pensamento.

Thiago e Estela  – Você está preparando um novo filme, O Anjo Desarticulado, poderia nos falar sobre o projeto?

Carlos – Eu volto a região Centro – Oeste de São Paulo, uma região que eu gosto de filmar. Eu volto a essa região para filmar em Bocaina, Jaú, Dois Córregos, Torrinha, Brotas. Esse filme tem muito a ver com a região e com as igrejas da região. Conta a história de um artista plástico procurando um teólogo que desapareceu. Foi dado como desaparecido. Tem a ver também com um trabalho que eu já tenho feito há muito tempo em relação a essas locações. Eu escrevo muito em cima de um material que eu já tenho. Eu já fiz esse trabalho há dez anos, eu já tenho todas as locações levantadas. Volto até o final do ano [2011] para uma última varredura porque tenho que entregar o roteiro pronto, ele ainda não está concluído, tenho umas decisões a tomar. É um filme que pode ter co-produção estrangeira, e isso que torna decisivo. Eu gostaria muito que tivesse, pois eu quero trazer a maior cantora lírica do mundo para filmar durante uma semana, para cantar à capela, na matriz de Bocaina. Cantar Mozart. Ela é a maior cantora de Mozart e Música Sacra do Mundo, a Barbara Hendricks. Estamos batalhando muito para conseguir essa mulher e ela que vai determinar todo o filme. Porque por conta dela eu disparo o resto. Ela vai me custar um preço um pouquinho salgado não? Não só trazê-la, mas dar estrutura para ela. Temos que trabalhar com ônibus estúdio. Eu vou gravar lá com o Melhor Técnico de Som. Vamos gravar como se fosse em um estúdio ela cantando na capela. O resto do filme se passa em função das imagens que existirão em cima dessa grande cantora lírica. Evidentemente, se ela não puder fazer, eu vou buscar outra cantora lírica, até mais nova, o que é bom, pois apresenta sobre outro ponto de vista, mas o bom é ter uma Barbara Hendricks. Se não tiver ela, eu já tenho esse filme vendido parcialmente para o exterior, já, antes de começar. Eu já tenho uma vantagem. Há um interesse, isso já está sendo tratado. Estou dependendo dessa decisão. É um presente para o filme e para a cidade de Bocaina essa mulher cantando naquela matriz que é a matriz mais bonita que eu conheço. Ela possui 20 afrescos de Benedito Calixto. Se alguém for filmar lá antes, eu processo, porque já estou há 10 anos com esse projeto. A Diocese já sabe que estou a ponto de ir. Eles me perguntam: “Quando você vai vir”. Eu falo calma, porque quando eu for, é para fazer um milagre aqui dentro. A voz dessa cantora gravada aqui dentro é como se Deus estivesse cantando aqui dentro. Os críticos chamam a voz de Barbara Hendricks como sendo a voz de Deus. É importante ter ela. Ela é a musa do personagem, que vai provocar ele que é um grande artista plástico que está há sete anos sem pintar. Alguma coisa trava a vida dele. Evidente o filme é uma busca de si mesmo. Uma auto – busca, só que isso vai fazer uma grande rota, uma investigação. É o primeiro filme que eu vou lidar com a questão litúrgica. É um filme muito sério, difícil. Me senti o Dreyer fazendo um filme assim. Não é basicamente um filme sobre religião, mas que fala muito sobre a questão da fé, da fé pessoal, a fé que envolve a criação. Um investimento pessoal de quinze anos nesse projeto. Paralelamente, surgiu um projeto para mim, muito pessoal, os dois correram simultaneamente, que é para fazer um filme muito louco, bem fantasia, mas ao mesmo tempo uma realidade, que conta algo muito próximo de mim. Minha mãe não era brasileira. Era de um país entregue pelo Rooselvelt ao Stalin chamado Estônia. Eu resolvi lavar um pouco o passado disso. Então eu resolvi fazer um filme sobre a vinda de minha mãe ao Brasil e junto com ela uma falsa vinda. E se junto com ela, Lênin, ao invés de se  auto-exilar na Suíça, tivesse se exilado em Lindóia? Essa é a brincadeira. Estou fascinado por esse projeto.

…Veja na Revista RUA Entrevista com Carlos Reichenbach – Parte 1. Confira a Cobertura da RUA da Sessão do Comodoro e a da Noitada Cineclubista no 5º Festival CONTATO e  o blog Olhos Livres do cineasta para acessar a programação da Sessão do Comodoro.

*Thiago Jacot e Estela Andrade são graduandos do curso de Imagem e Som da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e editores responsáveis pela seção Entrevistas da RUA.

Author Image

RUA

RUA - Revista Universitária do Audiovisual

More Posts

RUA

RUA - Revista Universitária do Audiovisual

Deixe uma resposta