Entrevista com Ana Chiarini

Ana Chiarini possui graduação em Comunicação Social pela Universidade de São Paulo (1990) com habilitação em Cinema. Atua principalmente nas áreas de Edição de Som e Edição de Diálogos para Cinema.

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Você trabalha muito com edições de som, especialmente de diálogo. Como se dá o processo da edição do som por completo, e como é a relação entre a equipe de som no processo de edição?

Primeiro recebemos o copião montado do filme, ou seja, a imagem montada. Muitas vezes, essa imagem não está fechada, o que significa que ela ainda pode passar por mudanças – o diretor ainda não está certo de algumas decisões, o montador prefere “afinar” a montagem com a música ou alguns planos terão algum efeito visual que demora mais tempo para ficar pronto. Nesse momento, é essencial que a montagem nos forneça todas essas informações, pois elas afetam o trabalho de edição de som. A partir daí, o supervisor de som se reúne com diretor e montador e discute decisões estéticas. A partir dessas discussões, é feito um mapa sonoro, uma decupagem, de quais sons serão usados em quais momentos do filme. Alguns são bastante óbvios, outros nem tanto. Esse é o momento de traçar uma estratégia de trabalho, de acordo com o desejo do diretor, as sugestões do supervisor de som e, obviamente, o orçamento. A seguir começa o meu trabalho, o do editor de diálogos. É minha função cuidar do som direto do filme e tudo o que se relacione a voz (o que inclui as dublagens e os vozerios). Eu ressincronizo, limpo, busco alternativas para planos de som problemáticos, avalio a necessidade de dublagem (por razões técnicas, não artísticas. Cabe somente ao diretor decidir dublar uma fala de um ator por não gostar da interpretação), faço mapas de dublagem e vozerio e preparo as pistas de som, já visando a utilização dessas dublagens. Isso feito, ainda que não tenhamos as dublagens e os vozerios gravados, os outros membros da equipe já podem começar a trabalhar. É sobre o som direto do filme que os outros elementos serão adicionados (ambientes, ruídos e música). O diálogo é a referência para o resto. É importante que o editor de ruídos de sala saiba que o diálogo do filme está sincronizado e limpo e que, por exemplo, aquela batida de porta do som direto que ele vai querer reforçar, já está no lugar correto e não será modificada nem 1 fotograma. E para os músicos, é necessário saber onde os ruídos (que foram colocados muitas vezes em relação ao diálogo) estarão, para compor sua música. Ou seja, se há modificação na imagem, haverá modificação no diálogo que afetará os outros editores e os músicos. É um efeito dominó. E todos devem estar bem coordenados.

Você já trabalhou em importantes filmes que tem como foco principal a música e/ou os músicos, como “Cazuza – O Tempo não para”, “Noel o poeta da vila”, “Vinicius” e “Antonia”. Tem alguma diferença o processo de edição de som nestes filmes? O foco principal ser o som ajuda ou atrapalha?

Eu acho que ajuda. Sinceramente. São filmes mais complicados, que pressupõem uma maior interação entre a equipe de montagem, edição de som e música, o que pode ser muito difícil. Mas os diretores e produtores estão cientes disso desde o começo do processo. Isso faz com que o departamento de som (que inevitavelmente acaba tendo que gerenciar essas relações todas) seja mais valorizado.

Quais as principais diferenças entre edições de filmes extremamente falados como, por exemplo, “Tainá” e “Xuxa em sonho de menina”, para filmes em que o diálogo é muito escasso como, por exemplo, “Casa de Areia”?

Em “Casa de Areia”, por exemplo, pode ter menos diálogo mas tem muito som direto. Essa responsabilidade ainda é do editor de diálogos. É difícil dizer. Cada caso é um caso. Menos diálogo pode significar menos probabilidade de dublar. Mas isso não é necessariamente verdade. Muitas vezes, justamente por ter pouco diálogo, a produção decide não ter um técnico de som direto no set e isso aumenta muito a quantidade de trabalho dos outros editores que serão obrigados a reconstituir todos os sons. Esse não foi o caso do “Casa de Areia”. Mas, com técnico de som direto presente ou não, na maioria das vezes, é preciso uma edição de ruídos e ambientes mais rica, diversificada, quando há menos falas. Muita fala não dá espaço para outros sons porque geralmente o diretor do filme teme que o espectador se distraia com os ruídos.

Quais foram os fatores importantes ao se editar o som do documentário “Mensageiras da Luz – parteiras da Amazônia”? Quais são as diferenças em editar som de um documentário como este e um filme de ficção?

Em documentários como esse, onde os depoimentos são essenciais, é onde menos o editor interfere. Meu trabalho é mais limpar alguns ruídos indesejáveis, igualar o fundo para não distrair o espectador e torcer para que o mixador consiga melhorar a qualidade do áudio. Os outros editores, geralmente, apenas preenchem alguns espaços sem som, com alguns ambientes, algum ruído mais óbvio que não foi possível captar bem. Por exemplo, um carro cruza o quadro em primeiríssimo plano e não houve captação de som direto para isso. É natural sonorizar esse carro. Mesmo que não seja “verdadeiro”. A imagem “pede” isso. Já no caso de um filme de ficção, essa discussão nem é feita. Colocamos som onde julgamos necessário. Ou não. Tudo é manipulado para melhor contar a história.

O som do filme “Carandiru” foi gravado em multipista, com microfones de lapela. O que essa mudança implica no trabalho de edição e para o resultado do filme?

Implica em muito mais trabalho na edição de diálogos e muito mais trabalho na mixagem. É necessário ouvir cada canal de lapela (ou microfones aéreos, por que não? O multipista é para qualquer microfone), limpá-lo ou descartá-lo caso seja desnecessário. Se tenho, por exemplo, 6 microfones em uma cena, terei 6 vezes mais o ruído de fundo dela (o que sempre queremos diminuir. Muito ruído de fundo, geralmente, compromete a compreensão da fala). Além de outros problemas acústicos como a fase. Além do mais é necessária uma maior organização por parte do editor para não se perder no meio de tanto material. Tal organização também é muito necessária para a mixagem do filme. Se o mixador não puder localizar facilmente o microfone desejado, a mixagem fica impossível. Outro fator importante é que a gravação do som direto também fica mais complicada. O técnico de som não tem 6 orelhas para monitorar esses 6 canais que dei como exemplo. Muitas vezes, ele não sabe se teve problemas em um microfone ou não, porque não estava monitorando aquele canal. E pela mesma razão, muitas vezes eles gravam alguns canais muito altos e outros muito baixos, o que complica também a edição e a mixagem. Outra questão importante é o que será levado do som direto em multipista para a montagem. O montador não quer (e nem deve) montar o filme tendo que gerenciar até 8 pistas por plano de som direto. Ele está acostumado a trabalhar com no máximo 2 canais de som direto por plano. Para que isso aconteça, o técnico de som então terá que fazer uma redução daqueles muitos canais para apenas 2. Isso gera um mundo de confusão! Se ele regrava esses sons todos em 2 canais, o resultado pode ser uma massa sonora caótica. Se ele elimina alguns canais, melhora, mas algumas falas podem parecer mal-gravadas (pois ficaram no canal excluído). Aí o diretor acha que não tem essa fala bem gravada e entra em pânico… Ou seja, o resumo da ópera: pode ser muito interessante ter muitos canais para conseguir captar bem todas as falas, ruídos muito importantes ou o que quer que seja. Mas é preciso usar o recurso com sabedoria ou a quantidade de trabalho e a confusão aumentará numa proporção infinitamente maior do que a qualidade do mesmo. Em uma cena de duas pessoas conversando, plano e contra-plano, quase sempre, um microfone e um canal bastam. Não preciso ter um microfone de lapela para cada ator e também um microfone aéreo para cada um deles! É quatro vezes mais trabalho para o editor, pelo menos o dobro para o mixador e, nem sempre, o melhor resultado, pois o técnico de som certamente não conseguiu monitorar os 4 canais.


Qual a diferença na edição do som dos filmes feitos em estéreo, Dolby Stereo SR e 5.1? O que as novas tecnologias na captação do som influenciam no trabalho da edição e no resultado final do filme?

Na verdade, as grandes diferenças são entre o analógico e o digital e a quantidade de canais. Em cinema, temos o Dolby Stereo SR (Spectral Recording) que é o som analógico do filme. Ou seja, a onda é gravada no negativo de som e aparece ao lado da imagem na película. Todos os filmes ainda utilizam o som analógico, mesmo os com som digital, pois o analógico é a segurança do digital. O sistema analógico já foi testado e usado por muitos anos e é muito seguro (além de ser ainda o mais utilizado nas salas de cinema). Se o digital falha, automaticamente o filme continua com o som analógico. O som analógico, atualmente, tem 2 canais que simulam 4 (Left, Center, Right e Surround). O som digital já varia um pouco mais. Existem mais de um sistema. O mais utilizado é o  Dolby Digital, com  6 canais (o famoso 5.1): Left, Center, Right, Surround Left, Surround Right e Subbass (o “.1”). O Subbass é um canal dedicado para baixas frequências e as caixas acústicas ficam no chão do cinema pois essas frequências se propagam bem também por ele. Bom, sabendo que temos todos esses canais, os editores precisam prever sons para todos eles. A ideia sempre é envolver o espectador cada vez mais. Colocá-lo dentro do filme. E quanto mais canais temos, mais sons precisamos. Além do mais, o digital dá uma fidelidade maior ao som, ou seja, o que é gravado e reproduzido é mais fiel ao original. Sendo assim, é preciso mais atenção na hora de gravar, pois um som ruim ficará mais exposto nessa tecnologia do que ficava antigamente. Era comum dizer, na época que só tínhamos o som ótico (analógico), “ah, não esquenta que esse ruído sai no ótico”, quer dizer “esse ruído indesejável está numa frequência que o som ótico do filme não registra, portanto ele não será ouvido”. E, claro, mais atenção na edição e mixagem, pois tudo fica mais claro, mais nítido.


O som nos filmes brasileiros sempre foi muito criticado. Você vê o som dos filmes nacionais como inferior ao de outros países? Você deve estas criticas a que? Como se pode salvar na edição uma captação de som ruim?

Essa é uma ideia um pouco antiga, a de que o som dos filmes nacionais são ruins. Mudou muito. E alguns continuam muito ruins, sem dúvida. O que muitas vezes continua muito ruim é o som nas salas de cinema. Hoje em dia, a situação melhorou um pouco com o digital, mas ainda temos a maioria das salas com som analógico e com equipamentos ruins, sem manutenção. No caso do filme estrangeiro, a legenda sempre ajuda. Se não compreendemos o que é dito no filme brasileiro, já dizemos que o som dele é ruim. No caso do filme americano, geralmente compreendemos tudo pois lemos na legenda. Além disso, temos uma diferença brutal, descomunal e que deveria impedir qualquer comparação com qualquer filme estrangeiro: orçamento. A porcentagem do orçamento de um filme americano que é dedicada ao som é muito maior que a porcentagem do orçamento de um filme brasileiro que é dedicada para seu som. Não falo de valores, mas de porcentagem. É algo como 30% em um caso e menos de 3% em outro. Não sei números exatos, mas é uma diferença absurda como essa.

Entrevista realizada por Karen de Moura Buci e Fabiana Batagini Quinteiro

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