Entrevista com Arnaldo Galvão

Após participar do bate papo com animadores promovido pela Mostra Quadro a Quadro, na cidade de São Carlos, Arnaldo Galvão, um dos mais experientes animadores brasileiros e diretor do filme Almas em chamas (2000), concedeu uma entrevista à RUA e nos contou um pouco sobre como surgiu sua paixão pela animação, e também sobre as atuais oportunidades e dificuldades encontradas pelos profissionais da área.

Por Mauricio M. Iwaoka *

Mauricio M. Iwaoka: Arnaldo, você começou como cartunista, desenhando pra jornais e revistas, até que um dia foi chamado para um trabalho de animação, e disse que então tomou paixão pela área. Eu gostaria de saber, o que na animação te chamou mais a atenção pra que você criasse essa paixão por este ramo do audiovisual?

Arnaldo: Eu acho que basicamente esse conjunto, alguma coisa acontece, eu acho que o Norman McLaren que falava isso, que animação  geralmente é o que está entre os frames,  a gente sabe que animação são 24 frames por segundo, então seria teoricamente você, sei lá, fazer 24 desenhos, mas alguma coisa acontece entre um desenho e outro… tem alguma coisa lá que depois que você vê em movimento, que aquilo te toca de uma forma diferente do que um desenho estático, e é uma experiência mais complexa. A partir do momento que você coloca o som, aquilo se transforma numa coisa muito maior. Eu acho que é por isso que é uma arte tão grande e que mexe com tantas pessoas.

Mauricio: Na sua opinião, qual é (ou são) a(s) maiore(s) dificuldade(s) encontradas pelos profissionais de animação nos dias de hoje?

Arnaldo: A animação, de certa forma, tem uma curva de aprendizado longa, então eu acho que a pessoa quando quer fazer animação, ela tem que saber que ela vai passar por esse processo. Hoje em dia você fica muito envolvido com o software, e de certa forma você tem uma resposta muito rápida, então facilmente fica seduzido por alguma coisa que se mexe, achando que aquilo é um trabalho e que aquilo ali já tá bacana; mas eu acho que a animação, um bom filme de animação, ele começa ali no roteiro, no desenvolvimento da ideia, então eu acho que uma das partes falhas hoje em dia talvez seja a de encontrar boas histórias.

Mauricio: Qual a dica que você dá para aqueles que querem iniciar uma carreira na área de animação?

Arnaldo: Eu acho que quando eu comecei era bem complicado, assim, uns trinta anos atrás, não havia internet nem curso de animação, então eu comecei como assistente. O primeiro filme eu fiz sozinho, eu criei o personagem, fiz uma animação numa época que eu não tinha informação nenhuma, então o primeiro filme que eu fiz, eu fui produtor, diretor, fiz tudo mesmo. Quando eu entrei, eu falei assim: ‘não, é isso que eu quero fazer da minha vida’, eu entrei num estúdio de publicidade que era quem produzia um volume muito grande de produções, fazíamos 12 filmes por vez, era uma produção muito intensa. Como eu era assistente, fazia  assistência de intervalação; durante dois anos foi um trabalho que eu fiz, até ganhar experiência e começar a produzir um primeiro filme, fazer animação valendo de um primeiro filme. Quando você começa, eu acho que basicamente seria você procurar alguém que já faça isso, é uma informação que você pode ter na internet, mas se você tiver dentro de um grupo que estiver produzindo, a tua curva de aprendizado será muito maior. Hoje em dia você também tem acesso a vários cursos, então, o ideal é você ter uma boa base, aprender com quem faz, de preferência numa escola e entrar num estúdio pra aprender o resto que falta.

Mauricio: Pra trabalhar com animação, tem que ser uma pessoa muito paciente? Porque, pra mim, por exemplo, stop motion é algo que o resultado final é bem bonito e tal, mas que todo o processo parece ser muito trabalhoso… o que você acha? Paciência é um dos atributos que você tem que ter pra trabalhar com animação?

Eu acho que a paciência é fundamental pra qualquer coisa, e pra animação ela é uma grande virtude – e uma outra é você saber trabalhar em equipe. Quando você  faz, se você escreve, se você pinta um quadro, essas são atividades individuais, que você faz do começo até o fim, você consegue fazer isso sozinho. A produção de um filme, a produção de animação é um trabalho coletivo, é uma coisa que você sabe que você depende de várias pessoas pra que aquilo tenha um resultado legal. E, geralmente, o que aparece mais assim é a parte mais fraca do trabalho, é o que fica mais evidente.

Mauricio: Como você analisa o mercado e a produção de animação brasileira nos dias de hoje? Há uma demanda grande por profissionais do ramo, ou esta procura ainda é restrita, ou seja, há poucas vagas para iniciantes?

Arnaldo: Cara, eu acho que as condições hoje são cada vez melhores, mas assim, eu acho que vai crescer geometricamente. Pegando o exemplo do Anima – Mundi, um evento mais recente: Em 93, quando o evento começou ele pegou todos os filmes que tinham sido feitos, e exibia esses filmes. Em 94, ele já não tinha um filme se quer brasileiro para mostrar. Hoje em dia, o Anima – Mundi recebe uma média de 300 filmes brasileiros por ano. Uma das maiores produções mundiais é brasileira. Então, a gente vê que tem muita gente produzindo, muitos filmes sendo feitos. Mas aí tem um diferencial muito grande também, que é o que cresceu a produção nesses últimos dez anos: se pegarmos séries de animação de cinco anos atrás, você não tinha nenhuma série de animação brasileira passando na TV, e hoje em dia você tem o “Peixonauta”, o “Meu AmigãoZão”, “Escola pra cachorro”, tem uma série de coisas passando na TV, e isso é só um primeiro momento, a gente sabe de muitas séries que são apoiadas pelo fundo setorial, que elas estão em produção. Então em pouco tempo, você verá uma explosão geométrica só de séries de animação sendo feitas. A gente sabe que a produção de séries é o que emprega mais pessoas, uma série dessas assim, qualquer uma temporada, você não faz  com menos de quarenta pessoas trabalhando durante dois anos. Então quando se houve falar de cinco, seis, sete, oito, dez, séries sendo feitas, você começa a multiplicar e você vê o universo de empregos que esse material está gerando. Um outro ponto positivo, eu acho que seria a explosão de longas-metragens. Desde de que começou o cinema de animação sendo feito no Brasil, a gente tem por volta de 20 longas metragens. Só esse ano, estão sendo lançados 6 filmes de longa-metragem. Então, os filmes de longa-metragem de animação, também é um produto que precisa, que demanda uma mão de obra longa e durante muito tempo. Então o que a gente vê é que isso tá crescendo de uma forma muito grande, como nunca se viu; e eu acho que parte dessa lei, que é uma lei que tá começando agora, que é a Lei 12 485, é uma lei que de certa forma obriga, cria uma cota mínima pra serem exibidos material brasileiro nas TVs à cabo, inevitavelmente isso vai gerar uma demanda por profissão ainda muito maior. Então, eu acho que quem tá chegando agora vai encontrar um mercado bem promissor pela frente.

* Mauricio Iwaoka é graduando em Imagem e Som pela UFSCar e editor da seção de entrevistas.

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