Entrevista com Rodrigo Carreiro

 

Por  Thiago Jacot*

Prof. Dr. Rodrigo Carreiro/ Foto: Fernanda Sales Rocha Santos

Rodrigo Carreiro é Professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco e Coordenador do Bacharelado em Cinema e Audiovisual da UFPE (2010-2014). Recentemente, desenvolveu pesquisa sobre o som no cinema de horror e publicou artigos e capítulos de livros sobre gêneros cinematográficos e sobre o uso do som no cinema. É autor dos livros “História, Linguagem e Crítica de Cinema: Uma Introdução ao Mundo da Sétima Arte” e “Cibercinefilia: Uma história da crítica de cinema em Pernambuco”, editados pela editora Livro Rápido, de Olinda, em 2008.

Leia a Introdução completa, por Suzana Reck Miranda, clicando aqui.

RUA: Professor, aproveitando o ensejo do tema da mesa de som, como o senhor enxerga o olhar e o ouvido para essa área na universidade? Há realmente uma abertura para pesquisar o som no cinema e no audiovisual? Como o senhor percebe esse panorama?

Rodrigo Carreiro: Eu acho que sim, acho que, como o Fernando [Morais da Costa, professor da UFF e participante deste mesmo debate] tinha falado antes, a gente tem vivido, e não é só no Brasil não, acho que no mundo todo, uma tendência, nos últimos vinte anos, de expansão das pesquisas sobre cinema. Tenho percebido uma maior variedade de abordagens a respeito do cinema… Nós viemos de um período dos anos 70 e 80 muito dominado por determinados tipos de teorias, sobretudo psicanálise, feminismo, semiologia e tal. Mas acho que a partir da década de 90, abre-se um leque muito maior de teoria e de possibilidades de abordagem, assim como se amplia também o interesse geral sobre as diversas áreas da realização, da pesquisa sobre cinema, e eu acredito que o som foi muito beneficiado nesses últimos vinte anos, junto com outras áreas da realização cinematográfica que não eram tão pesquisadas assim, e que passaram a merecer uma atenção muito maior por parte dos pesquisadores, por exemplo a área de direção de arte, design de produção, cresceu bastante em pesquisa, e eu acho que o som ele foi muito beneficiado sobre isso. Isso globalmente, internacionalmente, e quando a gente transpõe isso pro Brasil, a gente verifica o mesmo fenômeno… eu acho que, se você enxergar a SOCINE[Sociedade dos Estudos de Cinema e Audiovisual], os encontros da SOCINE como um exemplo, você vai ver isso muito claramente acontecendo… no início dos anos 2000, ali no início da SOCINE, você vai ter pontualmente trabalhos a respeito de som e você vai ter uma constituição efetiva de um seminário de estudo do som em 2009, e esse seminário vai, paulatinamente a cada ano, atrair um interesse cada vez maior por parte de um número crescente de pesquisadores, e isso vai ser reconhecido inclusive por pesquisadores de outras áreas. Tenho ouvido – eu faço parte atualmente do conselho da SOCINE – nas reuniões de conselho, mais de uma vez, exemplos de seminários de interesse crescente dentro da SOCINE, e o nosso seminário sendo usado como exemplo desse tipo de interesse crescente. Isso é muito legal por que a gente percebe que não apenas dentro da área a gente reconhece esse crescimento, mas fora da área é perceptível também como a atenção tem sido crescente, e isso é muito positivo pra gente.

RUA:  A partir disto , eu acredito que as possibilidades de campo de pesquisa aumentaram, não? Existem muitas abordagens, muitas possibilidades, inclusive vocês têm pesquisas diferentes, interesses diferentes…

 

RC: Eu acho que sim. É um fenômeno mais individualizado, menos coletivo, cada pesquisador tende a deslocar o seu foco de interesse, seja isso de uma maneira consciente ou não, para aquele tipo de cinema que ele gosta, que ele se sente mais a vontade circulando… o meu orientador de doutorado costumava dizer que ser professor universitário era uma forma de ser pago pra estudar, e eu acho que concordo, vou concordar com ele, totalmente… e esse pagamento ele se torna mais do que um pagamento meramente financeiro quando você consegue estudar aquilo que você gosta de fazer, quando tá envolvido ali não apenas uma atividade intelectual, mas uma atividade que lhe dê prazer, que você lide diretamente até de uma maneira lúdica eu acho, com coisas que te dão prazer. Pra mim, pesquisar cinema de horror é um prazer, por que eu tenho prazer vendo esses filmes, não fico vendo esses filmes enfadonhamente afundado numa poltrona e pensando “por que não acaba logo?”. Se fosse assim talvez eu pudesse até fazer uma análise adequada, correta, mas dificilmente eu conseguiria fazer durante muito tempo, e fazer bem… e eu acho que esse aumento quantitativo do interesse pelo estudo cinematográfico no Brasil ele reflete também num aumento, numa diversidade maior… as pesquisas de cinema têm passado ao redor do mundo um pouco esse fenômeno paralelo de reconhecimento de um valor estético num determinado tipo de filme que há alguns anos atrás, duas ou três décadas atrás, não tinha reconhecimento. Então na academia podia parecer estranho você estudar, sei lá, found footagede horror, nos anos 70 talvez não fosse possível por que uma parcela significativa dos pesquisadores consideraria que esse tipo de filme não tinha um valor estético suficiente para ser pesquisado na academia. Hoje eu acho que a gente não tem mais esse tipo de olhar exclusivista, ou ele pelo menos diminuiu de intensidade, a ponto de permitir que essa diversidade pudesse ampliar e se refletir nessa variedade maior de pesquisas que existe.

RUA: Nesse caso, falando num âmbito mais geral do cinema brasileiro, você acredita que, em termos sonoros, atualmente há uma construção criativa, de experimentação, diferente de um lugar comum que é construído com o som? Temos exemplos no cinema comercial, ou naqueles filmes que apenas conseguimos ver em casa, ou mesmo na universidade?

RC: Tem um fenômeno que eu acho que até certo ponto ele é preocupante pra mim. Se a gente tomar o cinema comercial, o cinema que passa no circuito tradicional de exibição, eu enxergo na verdade uma homogeneização muito grande da prática profissional, dos diversos setores da cadeia profissional, incluindo aí o setor do som. Então me parece hoje que os filmes soam mais ou menos parecidos no mundo todo, não só no Brasil não, mas no Brasil também. Isso reflete de certa forma, uma estética hegemônica, que se consolidou, depois dos anos 70 talvez, e que vem sendo reproduzida talvez inclusive sem que haja uma consciência crítica a esse respeito. Por exemplo, na década de 70, até hoje na verdade, a gente ouve falar de uma certa diferença entre a escola americana, no que se refere à captação de som, e a escola francesa. A escola americana é muito baseada na construção de uma ambiência feita em estúdio, na pós-produção, e a escola francesa mais preocupada em captar na locação a ambiência, em trazer a ambiência verdadeira daquelas locações já a partir do som direto. Ou seja, essa ambiência seria construída na fase de produção e não na pós. Eu acredito que essa diferença era audivelmente perceptível nos filmes franceses e americanos que a gente via na década de 70 e 80, hoje essa diferença já não é tão perceptível. Se eu ver um filme francês e um filme americano no mesmo dia, em termo de estética sonora, eles irão se equivaler, mais ou menos. Isso eu não acho um fenômeno particularmente agradável não, meparece saudável que você tenha mais de uma maneira, mais de um modelo estético funcionando, quanto mais, melhor. Mas de fato, se você sai do cinema do circuitão, e vai para os festivais,produções independentes, filmes que circulam na internet, aí você vai encontrar experiências interessantes sim, vai encontrar no Brasil, e vai encontrar fora do Brasil. Experiências que talvez nos soem relativamente estranhas, talvez elas provoquem no espectador comum um certo estranhamento, exatamente por fugir um pouco desse padrão estético que se massificou de uma forma perigosa. Mas elas existem, elas estão aí para serem descobertas, cabe a nós tentar fugir um pouco das avenidas e encontrar esses caminhos paralelos aí.


* Thiago Jacot é graduando do curso de Imagem e Som da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e Editor Geral da Revista RUA.

Author Image

RUA

RUA - Revista Universitária do Audiovisual

More Posts

RUA

RUA - Revista Universitária do Audiovisual

Este post tem 2 comentários

Deixe uma resposta