Entrevista com Marcelo Gomes

Marcelo Gomes fala de sua carreira para a RUA.

Por Thiago Jacot*


O cineasta pernambucano Marcelo Gomes, um dos mais autorais do atual cinema brasileiro, diretor do curta Maracatu, Maracatus [1995], dos longas Cinema, Aspirinas e Urubus[2005] –selecionado para a Mostra Un Certain Regard ( Um certo Olhar) em Cannes, concorreu a uma vaga no Oscar 2007 de Melhor Filme Estrangeiro e premiado em diversos festivais nacionais e internacionais- e Viajo Porque Preciso, Volto Porque te Amo[2010 – co-direção Karim Aïnouz], ministrou uma aula de decupagem no Sesc São Carlos, compartilhando com os participantes os melhores ângulos e cortes para se visualizar a sequências do roteiro de seu próximo projeto, “Joaquim José, O Tiradentes”. Após a aula, o cineasta concedeu entrevista a Revista RUA.

Thiago Jacot – Marcelo, por favor, comente conosco o início da sua carreira com o cinema. Como começou seu envolvimento nesta área?

Marcelo Gomes – Desde pequeno eu adorava cinema, desde pequeno eu ia ao cinema regularmente. Mas, em Recife não existe escola de cinema, então decidi fazer escola de Comunicação, que era o mais próximo que tinha na cidade onde eu morava. E eu decidi construir um cineclube, nesse cineclube a gente assistia aos filmes que não chegavam ao circuito comercial de Recife.  Cinema Novo Brasileiro, Marginal, Nouvelle Vague Francesa, Cinema Independente Alemão, Americano. Todos os filmes que a gente queria muito assistir e não chegava lá em Recife, a gente assistia nesse cineclube. Minha relação com o cinema começou com o cineclube, minha relação com o cinema começou como espectador vendo filmes de diretores que eu gostava. Em seguida eu fui me especializar em uma escola de cinema na Inglaterra, fiz um curso de cinema e quando eu voltei comecei a dirigir documentários para a televisão.

Os atores João Miguel e Peter Ketnath em Cinema, Aspirinas e Urubus.

Thiago – Em relação aos seus dois longas metragens de ficção, Cinema, Aspirinas e Urubus [2005] e Viajo Porque Preciso, Volto porque te Amo [co- dirigido com Karim Aïnouz, 2010], fala-se muito em novas representações do sertão nordestino, diferente do que ocorreu com o Cinema Novo, em uma relação mais intimista do que universal, questões mais intimistas. Poderia nos falar sobre tais representações?

Marcelo – É porque no Cinema Novo existia uma questão política muito forte, uma questão política estética muito forte. Nos meus filmes, acho que o cinema que eu gosto de fazer é um cinema de personagens. Meu sonho era ter uma relação afetiva muito grande com o sertão. Eu queria muito filmar no sertão. Então, quando eu decidi fazer meus filmes no sertão, eu queria fazer filmes de personagem. Que o drama dos personagens estivesse presente em primeiro plano. O retirante, no caso de Cinema, Aspirinas e Urubus é um personagem como eu. Que tem dúvidas, reflexões sobre o futuro, que deseja viajar o mundo, então quando eu decidi fazer esse filme, eu queria que o drama dos personagens ficasse em primeiro plano. E no Viajo porque preciso também, ele representa o sertão, mas em todo o tempo você está convivendo com um personagem que está vivendo um drama afetivo, amoroso, que é universal e comum a todas as pessoas. Então eu queria sempre fazer filmes de personagens, com dramas de personagens, mesmo que se passassem no sertão, já tão mitológica e tão importante para nós como foi o Cinema Novo, mas eu queria que antes de tudo tivesse o drama interior dos personagens do que uma reflexão política mais abrangente.

Thiago – Durante aqui no Evento do Roteiro que Queria ser Filme, você comentou sobre a mistura de ficção e documentário dentro da linguagem cinematográfica que você realiza. Você diria que o Viajo porque preciso, Volto porque Te Amo foi um filme de experimentação de linguagem?

Marcelo – Acho que todos os meus filmes são. Como eu falei tanto eu quanto o Karim Aïnouz que é o outro diretor do filme, a gente fala que a gente adora bagunçar no bom sentido da linguagem cinematográfica. Misturar documentário, ficção, vídeo arte, artes plásticas. O Viajo poderia ser um livro. Porque no livro você lê um livro inteiro e nunca vê o personagem. O Viajo é mesma coisa, você nunca vê o personagem, você tem que imaginá-lo. O que eu gosto é de fazer um cinema que instiga a imaginação e a memória do espectador. Instiga a imaginação no sentido que você não vê o personagem, tem que imaginar ele. Instiga a memória que é a experiência que eu compartilho com o espectador, que eu acho que todo mundo já viveu, viajar por uma estrada e começar a pensar nos problemas da vida interior. Todo mundo já viveu isso na vida, como adulto pelo menos. À medida que você assiste ao filme, você lembra na sua memória afetiva das viagens que você fez pensando nos seus problemas. Então são filmes que instigam a memória e a imaginação do espectador. Eu acho que na minha posição de espectador e de turista, os filmes que eu mais gostava eram os filmes que instigavam a minha imaginação e a minha memória. Então por isso que eu faço filmes assim. Eu acho que os filmes tem que ficar na lembrança da gente, na emoção da gente, eu quero que meus filmes permaneçam na emoção das pessoas.

Thiago – Como é o seu trabalho com o Karim Aïnouz, sua relação com ele? Vocês dois possuem trabalhos muito interessantes, que particularmente eu gosto bastante…

Marcelo – Nossa é muito conflitante. A gente briga o tempo todo.  Mas a gente briga por uma causa muito importante, não é uma briga de egos. É uma discussão como a gente teve agora, “Oh, como a gente filmaria essa cena? ”, “ A cena precisaria ser assim”, “Porque que? ”, “Por causa disso”. A melhor idéia sempre vence. Então é um compartilhar muito bom. E a gente tem o mesmo gosto cinematográfico. Talvez se eu compartilhasse uma co- direção com um diretor que tem um pensamento de cinema completamente diferente do meu, seria muito difícil chegar a um consenso. Mas, tanto eu quanto o Karim gostamos do mesmo cinema, do mesmo tipo de diretores, então ficaria muito mais difícil compartilhar uma co-direção. Ainda assim as brigas são muitas e sempre brigas muito criativas, que estimulam muito a imaginação. Então eu espero fazer outros filmes com o Karim Aïnouz e espero continuar brigando muito com ele.

Thiago – Em relação aos aspectos de produção, como é a filmagem fora do eixo Rio – São Paulo?

Karim Aïnouz e Marcelo Gomes. Fotos: http://cinemmarte.wordpress.com

Marcelo – Mais caro, porque assim, os laboratórios estão no Rio e em São Paulo. Os melhores equipamentos e técnicos estão no Rio e em São Paulo. Como você vai fazer no sertão, em Recife? Você tem que levar uma parte da equipe de Rio e São Paulo.  Pagar hospedagem, pagar transporte. Geralmente, a gente tem menos orçamento do que filmes feitos no eixo Rio – São Paulo. Então a gente tem que fazer com menos dinheiro e mais caro para pagar a equipe. A gente sempre tenta formar novos profissionais para não ter que importar. Mas mesmo assim, importamos equipamentos, mandamos o material filmado para esses laboratórios, então tudo isso encarece. Então fazer filmes fora do eixo é um ato de coragem.

Thiago – O público da revista abrange muitos estudantes de cinema, o que você teria a dizer para os novos cineastas?

Marcelo – Eu acho que se eles não tiverem 100% de certeza e segurança que eles querem fazer cinema, se eles tiverem só 99% de certeza que querem fazer cinema, é melhor não fazer.  É melhor fazer cinema apenas se tiver 100% de certeza que você quer fazer cinema. Porque é um trabalho muito difícil que exige muita perseverança e paciência. Paciência porque às vezes você passa um, dois, três, quatro anos escrevendo um roteiro, e tentando conseguir dinheiro para fazer o filme e não consegue. Então ter que ser paciente. E perseverança sempre com o desejo de fazer cinema apesar de não conseguir dinheiro para fazer o filme no primeiro ano, no segundo ano, no terceiro ano. Com Aspirinas eu passei 7 anos entre trabalhando e conseguindo o dinheiro para fazer o filme e o Viajo demoramos 10 anos para terminar o filme. É um exercício de paciência e perseverança. Precisa-se de muita determinação, e 200% no desejo de fazer cinema.

Thiago Jacot é graduando do curso de Imagem e Som da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e editor da Revista RUA.

O curta-metragem “Maracatu, Maracatus” de Marcelo Gomes pode ser assistido no Porta Curtas Petrobras, Confiram: http://www.portacurtas.com.br/pop_160.asp?cod=791&Exib=5937

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