Conversamos com o jovem diretor Décio Matos Jr. sobre seu primeiro filme finalizado, “Fabricando sobre Tom Zé”. Após as polêmicas no lançamento do filme, Décio esclareceu algumas confusões que surgiram na mídia, como a briga do próprio Tom Zé com o diretor e sua visão sobre os motivos em trabalhar com a música no cinema.
RUA: Poderia nos contar um pouco sobre sua trajetória até o início do projeto do seu primeiro longa?
Décio Matos Jr.: Cursei cinema na Universidade de Nova York, trabalhei e participei de diversos curtas e documentários. Foi lá que dirigi um documentário sobre músicos brasileiros em Nova York como tese de conclusão de curso chamado “Bossa em Exílio”. Depois que me formei, trabalhei em alguns filmes independentes por lá como estagiário e depois como assistente de câmera. Quando voltei para o Brasil no final de 2002, já tinha contato com Tom Zé e ele já havia me autorizado fazer um filme sobre sua vida.
RUA: De onde surgiu a idéia de trabalhar com a trajetória do Tom Zé? Você gostava/conhecia o trabalho do artista antes do projeto do documentário? O gênero documentário foi sempre o mais evidente para mostrar o trabalho de Tom Zé?
DMJr: Um amigo me levou a um show do Tom Zé em Nova York. Eu não tinha idéia de quem ele era. O show me surpreendeu, jamais havia escutado algo parecido com o som dele ou presenciado uma apresentação musical tão performática. Foi o redescobrimento dele no exterior. O fato de estudar cinema fora me impulsionou a dirigir o “Bossa No Exílio”, para a faculdade e assim acabei o conhecendo. Neste documentário ele era um dos seis personagens. Já na entrevista que ele me concedeu percebi que Tom Zé merecia um documentário inteiramente dedicado a ele. Sempre gostei da música do Tom e depois de trabalhar com ele, gosto ainda mais.
Não sei se o documentário é o gênero mais evidente para mostrar o trabalho de Tom Zé. Foi o gênero que optei por usar por acreditar que seria a forma mais verdadeira de apresentar Tom Zé e seu trabalho ao grande público.
RUA: Qual o motivo, ou os motivos, para dedicar um filme ao artista? Como foi feita a estrutura do que seria contado sobre a trajetória do artista, já que ele continua produzindo?
DMJr: Acho que o motivo maior é a admiração que tenho pelo Tom e o fato de poder fazer esta homenagem a ele ainda em vida. Foi uma enorme satisfação poder saber o que ele achou do meu trabalho. A estrutura na verdade acabou sendo construída na ilha de edição. Eu sabia que queria contar a história da vida e tinha horas de material gravado em sua turnê pela Europa. Após assistir todo o material (aproximadamente 250 horas) com minha montadora, descobrimos um paralelo entre a vida particular e o que aconteceu na turnê e aí tentamos entrelaçar as duas histórias. Funcionou.
RUA: Que outros artistas, músicos, compositores você considera que seriam bons personagens para um filme?
DMJr: A música brasileira é repleta de excelentes personagens. São tantos, que nem sei por onde começar; todos os Tropicalistas, a maioria dos integrantes da Bossa Nova, Sepultura…
RUA: Sobre Gilberto Gil e Caetano Veloso, personagens do documentário, um filme que os considerassem como protagonistas, nos dias de hoje, correria o risco de ser ou levar uma carga política?
DMJr: Dependeria da abordagem do diretor.
RUA: Na época de lançamento do filme, disseram que Tom Zé não havia concordado com os depoimentos de Caetano Veloso. Como foi manter a entrevista no filme finalizado, mesmo contra a vontade de Tom Zé.
DMJr: Na verdade Tom Zé não queria que eu entrevistasse Caetano, pois disse que Caetano e Gil opinam sobre tudo que acontece no Brasil. No caso de “Fabricando Tom Zé” isto era inevitável já que Caetano foi uma pessoa que teve uma enorme participação na vida e carreira de Tom Zé. Foi Caetano quem trouxe Tom Zé para São Paulo e o convidou a integrar o movimento Tropicalista. Eu sabia da importância de Caetano e resolvi entrevistá-lo, mesmo a contra gosto de Tom Zé. No final de tudo, Tom Zé entendeu meus motivos e aprovou a entrevista.
RUA: Como você lidou com as polêmicas do filme, como quando por pouco o filme não foi exibido no Festival do Rio, pois os organizadores temeram processos pela exibição, já que Tom Zé declarou que poderia processá-lo por não autorizar um filme sobre sua vida?
DMJr: Foi tudo uma estratégia de marketing do Tom Zé. Os produtores do filme decidiram não fazer um alarde muito grande na época do festival pois temiam que quando o filme fosse lançado no circuito comercial, a imprensa não daria a devida ênfase pois o assunto já estaria batido. Tom falou isto para um repórter na esperança de gerar maior atenção para o filme, e de fato, funcionou! Mesmo nos alertando logo em seguida sobre a entrevista, ele nos proporcionou alguns cabelos brancos. Mas já na coletiva do festival ele já desmentiu tudo.
RUA: Qual seu limite na experimentação de novas formas de captação de imagens?
Não tenho nenhum limite. Acho que devemos usar todos os recursos possíveis para contar uma boa história. O que importa é a história.
RUA: “Fabricando Tom Zé” recebeu verba da Lei Rouanet e da Lei do Audiovisual, que auxiliam a produção de filmes brasileiros. O fato de Tom Zé ser tão explícito, polêmico, ter uma trajetória política conhecida e de esquerda, não atrapalhou no momento de escrever os editais?
DMJr: O filme recebeu verba da Lei Rouanet e da Lei do Audiovisual. O Tom Zé ser extremista não nos atrapalhou inscrever o filme em editais, talvez em vencê-los, mas isto também se deve ao fato deste ser meu primeiro filme como diretor. Mas a maioria do investimento pelas leis acabou vindo após a vitória no Festival do Rio e na 30a Mostra de SP.
RUA: Antes de filmar “Fabricando Tom Zé”, você teve uma experiência de co-direção, de “Bossa no exílio”. Como é sua relação com a música brasileira? E como foi acreditar numa união cinema e música brasileira? Por que o filme ainda não foi finalizado?
DMJr: Eu amo trabalhar com música. Sou um grande apreciador, seja ela brasileira ou não. A música brasileira é muito rica e poder usar a minha forma de expressão para contar um pouco da história do que gosto é de grande prazer. Espero fazer isto por muito tempo. O “Bossa no exílio” não foi finalizado por causa de um custo excessivo de direitos autorais, uma grande pena, mas um enorme aprendizado.
RUA: Seu filme não é o primeiro a propor uma discussão sobre nossa identidade cultural. Como seria essa identidade cultural para você? E hoje, depois que o filme foi lançado e discutido, o que fica de explícito do auxilio do filme para a identidade?
DMJr: Essa identidade cultural é muito rica e complexa. Considero que temos muita coisa a ser explorar ainda. Hoje vi como o filme ajudou a introduzir Tom Zé para muitas pessoas que jamais ouviriam sua música. O cinema é mais uma janela para apresentar, expor e criar uma discussão sobre a nossa identidade, ou ao menos, apontar um novo ponto de vista.
Por Jun Yassuda Júnior
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