Entrevista com Giba Assis Brasil

Roteirista e montador de cinema e televisão. Formado em Jornalismo pela Faculdade de Comunicação da UFRGS, 1980. Membro da Casa de Cinema de Porto Alegre desde sua fundação, em 1987. Membro do Conselho Superior de Cinema Brasileiro, desde 2004. Professor do curso de Realização Audiovisual da Unisinos (desde 2003), onde leciona as disciplinas de “Introdução à Linguagem Audiovisual”, “Decupagem” e “Especialidade em Montagem”.
Diretor do longa-metragem VERDES ANOS (1984), do longa em super-8 DEU PRA TI ANOS 70 (1981) e do curta INTERLÚDIO (1983). Roteirista de vários curtas e longas. Montador dos longas TOLERÂNCIA (2000), HOUVE UMA VEZ DOIS VERÕES (2002), O HOMEM QUE COPIAVA (2003), MEU TIO MATOU UM CARA (2005), SAL DE PRATA (2005), SANEAMENTO BÁSICO, O FILME (2007), Ó PAÍ Ó (2007), 3 EFES (2007), GIGANTE (2007), A ANTROPÓLOGA (2008), ANTES QUE O MUNDO ACABE (2008) e QUASE UM TANGO (20008); E de mais de 30 curtas, entre eles ILHA DAS FLORES (1989), ESTA NÃO é A SUA VIDA (1991), DEUS EX-MACHINA (1995) e DONA CRISTINA PERDEU A MEMÓRIA (2002).

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A sua formação profissional vai além de montador. Você também já trabalhou como diretor, assistente de direção, produtor e até ator. O que cada uma dessas áreas lhe traz de especial e o que elas colaboram no exercício da montagem?

A indústria do cinema coloca a função de diretor no topo da carreira. A maioria das pessoas que começa a trabalhar em audiovisual deseja chegar a diretor, e em alguns casos passa anos desempenhando outras funções até conseguir uma oportunidade. Eu, por questões absolutamente circunstanciais, comecei dirigindo. Cheguei a pensar em ser diretor, mas depois de algum tempo vi que isso era um equívoco. Uma das vantagens de envelhecer (existem muitas desvantagens também, claro) é que a gente aprende a identificar o que a gente sabe e o que a gente não sabe fazer. Há uns 15 anos eu cheguei à seguinte conclusão: eu não sei dirigir. Não tenho e não estou interessado em desenvolver os talentos que a direção audiovisual exige. A partir daí, acho que me tornei um montador e roteirista melhor, e certamente um professor de cinema melhor.

Assistência de direção me interessou durante algum tempo, mas nem tanto como carreira e mais como possibilidade de ajudar meus amigos diretores ou diretores que eu considerava talentosos a viabilizarem seus trabalhos. Só que, quando eu descobri que não queria ser diretor, descobri também que não gostava de trabalhar no set, ou que eu tinha cansado de set, que eu não queria mais passar as minhas horas de trabalho naquela confusão toda.

Produtor eu fui muito pouco, e também com o mesmo objetivo da assistência de direção: ajudar. Mas produtor tem que ter outro tipo de visão, que eu nunca consegui ter. Foi mais fácil desistir disso.

Ator eu nunca fui. Fiz figuração algumas vezes, quando faltava gente ou dinheiro pra encher a cena, e quando o meu senso de ridículo era mais frouxo.

Qual a relação que geralmente você, como montador, tem com o diretor?

Alguns diretores querem que o montador seja apenas um apertador de botões. Alguns montadores, quando percebem que a visão do diretor sobre o filme é diferente da dele, simplesmente dizem “o filme é teu, tu é que sabe”. Eu me recuso a cair nessas duas ciladas, que eu vejo como complementares.

Por um lado, como montador, eu me considero parte essencial da equipe criativa do filme; o filme é do diretor, sim, mas também é meu. Quando sou chamado para fazer um filme, acredito que estão chamando, claro, a minha capacidade de apertar botões, mas também a minha visão de dramaturgia, a minha noção de ritmo, o meu bom ou mau gosto estético e principalmente o meu “olhar virgem” sobre o material filmado, o olhar de quem não esteve envolvido com a filmagem e portanto pode criticá-lo como se fosse um espectador privilegiado e, a partir daí, buscar a melhor montagem possível para o que foi filmado.

Mas por outro lado, é claro, eu sei que o diretor está envolvido com o filme há mais tempo do que eu, e em outro nível de comprometimento; que cabe a ele ter uma concepção abrangente do filme, da qual a montagem é apenas uma parte. Em caso de discordância, eu tenho obrigação de defender o meu ponto de vista, que deve ser colocado a serviço do filme e não da minha relação com o diretor; eventualmente, eu posso até invocar a cumplicidade do roteirista, do produtor, do diretor de arte, do fotógrafo, mas a palavra final tem que ser do diretor.

Você trabalhou em vários filmes com os mesmos diretores. Isso facilita o seu trabalho ou pode não ser tão benéfico parar o produto final em algum momento?

A metáfora é velha e ruim, mas vá lá: é como um casamento. Se eu monto com um diretor pela primeira vez, é claro que tem o prazer da descoberta, mas tem também a insegurança, o desconhecimento de algumas intenções, etc. Se eu monto há anos e há vários filmes com o mesmo diretor, tem o desgaste natural da relação, mas tem também o conhecimento do que cada um pretende e sabe fazer, um vocabulário comum já de uso comprovado e acima de tudo a confiança mútua. Eu prefiro as relações de longo prazo. Mas (e é aí que a metáfora se esvazia completamente) a relação diretor-montador nunca é pensada como exclusiva. Por isso, é bom dar umas “escapadas” de vez em quando.

Você trabalha como montador já há algum tempo. Quais as maiores mudanças tecnológicas que você pode presenciar e o que você acha que elas trouxeram de efetivo para o seu trabalho?

Sou um montador formado em moviola, passei um tempo considerável da minha vida dentro de salas de montagem “tradicionais”, e acho ótimo que tenha sido assim. Mas não tenho nenhuma saudade do “cheiro do copião”, ou daqueles pedacinhos de fita adesiva que ficavam grudados nas calças.

Em 1994 aprendi a trabalhar com Avid, o primeiro sistema de montagem digital que chegou por aqui. Na época, montei em Avid alguns comerciais e programas de TV, mas ainda levou alguns anos pra que os sistemas digitais se tornassem uma opção viável para cinema. Em 1999, comprei para a Casa de Cinema de Porto Alegre o segundo Final Cut Pro do Brasil (na época, só o Roberto Moreira tinha um, em São Paulo). Desde então, nunca mais usei moviola.

Sem dúvida é mais fácil e prazeroso montar um filme num sistema digital, não-linear e não-destrutivo, do que quando eu dependia das velhas moviolas para fazer a mesma coisa num tempo absurdamente maior e com menos alternativas.

Por outro lado, também pode acontecer que a quantidade de opções que os programas de montagem digital nos oferecem para resolver os problemas de cada cena, de cada corte, pode atrapalhar a visão do filme como um todo. Mas isso não é um problema da tecnologia em si, e sim do uso que se faz dela, de estar preparado para utilizá-la ou não. Quando eu comecei a montar em digital, senti um pouco disso: o tempo que se leva para “resolver” um corte ficou tão menor que, num determinado momento, parecia que eu não tinha tempo para “pensar a cena”. Bom, eu penso ter resolvido isso mudando a minha maneira de montar, alterando completamente a lógica com que eu me aproximo do material a ser montado, eventualmente até aumentando as minhas paradas pra tomar cafezinho ou ir ao banheiro. O Final Cut ou o Avid não te impedem de pensar, da mesma forma como, na década de 20, a moviola não diminuiu a criatvidade dos montadores que cortavam o negativo escolhendo diretamente os fotogramas.

Há uma visão diferente ao se editar um filme musical, como “Ó pai, ó”? E ao se editar um curta-metragem?

Existem diferenças entre os gêneros, claro. Mas, acima de tudo, existem diferenças entre os filmes. Quando eu monto um filme, tenho que encontrar no material filmado (e também no roteiro e nas intenções do diretor, mas principalmente no material filmado) o que ele tem de específico, o que aquela história particular (e aquela maneira particular de contar aquela história) podem ter de novo, de interessante, de iluminador ou simplesmente de divertido.

Existem, também, as diferenças de veículo, que eu tenho que levar em conta, por exemplo, quando eu monto alguma coisa para o cinema ou para a televisão. Em primeiro lugar, o público de televisão é, por definição, desatento, dispersivo. Portanto, temos que trabalhar com um nível de redundância muito maior. Não se pode dar importância demais a uma frase, um gesto, um plano – a não ser que a frase seja repetida, que o gesto seja exagerado, quase teatral, que o plano tenha maior duração ou maior intensidade dramática do que teria se fosse pensado para cinema. Além disso, quando se finaliza um produto audiovisual para ser visto na televisão, deve-se pensar não no home-theater de uns poucos, mas na tevezinha 14 polegadas e mal sintonizada da maioria. Isso significa procurar necessariamente planos mais abertos, textos mais claros, diálogos mais “separados” da música e do ambiente, etc.

E existem também as diferenças de duração. Nos curtas (e isso ainda na época da moviola!), eu tinha desenvolvido um sistema em que eu não dependia de assistente ou de editor de som – eu era tudo isso ao mesmo tempo, e só mantinha sempre alguém trabalhando junto comigo por um instinto de professor, uma vontade de formar mais gente pra fazer o serviço, uma necessidade de discutir em voz alta as minhas dúvidas. Num longa, as tarefas crescem demais, e o tempo disponível não cresce tanto assim. O trabalho já não pode ser feito em mutirão – uma ou duas semanas, trabalhando de 15 a 20 horas por dia, de segunda a domingo, entrega total – mas torna-se parte de um cotidiano profissional, com todas as suas conseqüências positivas e negativas. A divisão de trabalho deixa de ser uma questão de aprendizado ou generosidade, torna-se uma necessidade profissional.

Como foi a escolha do filme “Parada 174” para concorrer uma vaga no Oscar?

Em setembro, escrevi um texto sobre esse assunto do óscar no blog da Casa de Cinema.

http://www.casacinepoa.com.br/index.php?arquivo=blog_mais&pagina=1&id=105

Você é um dos criadores da Casa de Cinema de Porto Alegre, juntamente com outros realizadores. Qual foi o intuito de vocês naquele momento? E quais foram os resultados e expectativas alcançados em todo esse tempo de existência?

Criamos a Casa em 1987 porque as pequenos produtoras que nós tínhamos criado nos anos anteriores não tinham um mínimo de estrutura pra funcionar – uma sede, um telefone onde a gente pudesse ser encontrado, um lugar pra guardar as cópias dos filmes, pra se reunir e trabalhar num roteiro, etc. E a Casa de Cinema foi a melhor resposta que a gente pôde dar pra isso.

Na prática era realmente uma cooperativa de 13 pessoas, mas formalmente era um condomínio de 4 produtoras: a Roda Filmes (minha, do Werner, do Sérgio Amon e do Roberto Henkin), a Luz Produções (cujos sócios eram Jorge, Zé Pedro e Ana), a Invideo (do Gerbase e da Luciana, além do Heron Heinz) e a Um Produções (também minha e do Werner, mais a Monica, Angel e Christian Lesage).

Com o Plano Collor, em março de 1990, as perspectivas pra produção cultural no país se fecharam. E havia também o desgaste natural de um grupo muito grande e muito heterogêneo de pessoas trabalhando num mesmo lugar sem uma estrutura clara de decisão, sem um critério claro pra definir que projeto seria prioritário a cada momento.

O Plano Collor nos trouxe de volta à realidade: não dava mais pra manter aquela estrutura funcionando daquela maneira. Desde o início a gente tinha colocado como princípio não fazer publicidade dentro da Casa de Cinema: todos nós trabalhávamos como free-lancers no mercado publicitário, mas a Casa não se tornaria uma produtora de publicidade. Em 1990, isso passou a ser um entrave. Alguns queriam rever o “princípio”, outros já tinham percebido que aquela estrutura de 11 pessoas, se funcionava mal pra fazer e administrar curtas, seria ainda mais caótica como produtora de publicidade. E, ao mesmo tempo, cada um ia tocando os seus projetos pessoais, mais ou menos ligados ao mercado publicitário.

Sobraram cinco: eu, Ana, Jorge, Gerbase, Luciana. Mais a Nora, que, apesar de não ter sido “fundadora” da Casa de Cinema, já tinha trabalhado com a gente em vários filmes, desde “Barbosa”. Depois de mais de um ano de crise (quase todo o ano de 1990 mais metade de 1991), foi feito um novo acordo: os seis “remanescentes” ficariam com o nome “Casa de Cinema de Porto Alegre”, com o patrimônio dos filmes e com as dívidas o grupo (não havia nada em caixa naquele momento,é claro), criariam uma produtora com este nome e não seriam concorrentes de seus antigos sócios no mercado publicitário. Não foi fácil de fechar este acordo, mas foi o que manteve a Casa existindo.

Em 2008 completamos 21 anos de funcionamento, bem mais do que podíamos esperar a princípio. Fizemos 8 longas, mais de 20 curtas, mais de 30 especiais de TV e 5 campanhas políticas. Ganhamos mais de 200 prêmios nacionais e internacionais. Seguimos tendo que “matar um leão por dia” para viabilizar nossos novos projetos, mas isso faz parte da atividade.

Quais foram as principais mudanças que você observa na produção cinematográfica brasileira dos anos 80 até hoje? O que, para você, elas refletiram na qualidade desses produtos e o reconhecimento destes pelo público?

A produção de cinema no Brasil nos anos 80 passava por uma crise. O sistema de financiamento à produção centrado na Embrafilme estava esgotado, e precisava ser urgentemente substituído. De certa forma, a crise da Embrafilme era conseqüência da crise econômica do país, que havia tecnicamente quebrado pela primeira vez em outubro de 1982. E o modelo Embrafilme, embora tivesse alcançado alguns bons resultados nos anos 1970 em termos de volume de produção, ocupação de mercado, etc, passou a demonstrar o maior dos seus defeitos: a excessiva dependência que a cadeia produtiva tinha da própria Embrafilme. Na segunda metade dos anos 1980, a criação da Lei Sarney (primeira lei de incentivos fiscais à produção cultural no Brasil) foi uma tentativa desajeitada e, a longo prazo, equivocada de minorar os efeitos da crise da produção. E a aventura Collor, na virada dos anos 1990, extinguindo a Embrafilme, a Lei Sarney e todo o sistema de financiamento à produção cinematográfica e cultural – e, principalmente, não colocando nada em seu lugar – foi uma catástrofe da qualaté agora nós não conseguimos nos recuperar integralmente.

Fora isso, repito o que Jean-Claude Bernardet escreveu há mais de 30 anos: “Não é possível entender qualquer coisa que seja do cinema brasileiro se não se tiver em mente a presença maciça e agressiva, no mercado interno, do filme estrangeiro.”

Neste período de crise da Embrafilme (anos 80) e catástrofe Collor (anos 90), o cinema mundial mudou muito, não só pela revolução digital, mas também pela “shoppinização”, elitização e infantilização das platéias. Ao mesmo tempo, os cinemas de rua e de periferia desapareceram, o preço médio do ingresso quintuplicou, e quem saiu perdendo com isso foi o cinema brasileiro.

O Brasil, que chegou a produzir 100 filmes de longa-metragem por ano entre 1978 e 1982, que chegou a atingir 35% da bilheteria total do mercado no país, terminou a era Collor com 1 filme produzido em 1992, e menos de 0,5% do mercado. Quando conseguiu se livrar dessas duas crises seguidas, já no governo Itamar Franco, o cinema brasileiro (que nunca chegou a ser uma indústria) teve que correr atrás de um sistema que tinha se modificado completamente, e custou a encontrar respostas.

Em geral se diz que o público brasileiro tem preconceito com relação ao cinema brasileiro – e é verdade, mas apenas para alguns estratos sociais. A população de baixa renda deixou de ir ao cinema, mas os números de Ibope dos “Festivais Nacionais” promovidos anualmente pela Rede Globo indicam claramente que ela continua preferindo ver filmes brasileiros.

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Este post tem 2 comentários

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    Paula

    não gosteiii…

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