Carta sobre a 16ª Mostra de Cinema de Tiradentes

Carta sobre Tiradentes

Por Alexander Aguiar*

Para Maria Luiza Mercuri.

Lulu, como vai? Como prometido, estou escrevendo pra relatar todas as minhas impressões sobre a 16ª Mostra de Cinema de Tiradentes que recém terminou. Eu estou tão acostumado a ir a festivais ultimamente que a maioria deles me parece igual, mas Tiradentes tem algo de completamente diferente.       Já tentei teorizar a respeito antes, mas acho que talvez seja o tamanho da cidade – é realmente pequena – que faz com que tanta gente com um interesse comum (ou melhor, dois: cinema e álcool) fique concentrada pela mesma meia dúzia de ruas e discuta à exaustão sobre todos os filmes, debates e quaisquer outras coisas que se relacionem com o cinema e aconteça nos nove dias de festival. É incrível como uma cidade tão pequena consegue receber em tão pouco tempo a presença de tanta gente “importante” no cenário audiovisual brasileiro, sobretudo no que se diz em relação à crítica e teoria… não é todo dia que você anda por aí e se depara com Jean-Claude Bernardet em uma esquina e cinco minutos depois janta com o Hernani Heffner e todos eles estão falando sobre as impressões dos filmes que você acabou de assistir sentado ao lado dos seus realizadores. É engraçado como Tiradentes consegue se manter como o principal festival de cinema independente e contemporâneo no Brasil mesmo sem perder todo esse “calor” das cidades pequenas onde todos estão no mesmo lugar, na mesma hora, discutindo acerca das mesmas coisas. Acho que são coisas assim que fazem do mês de janeiro um mês tão especial. É, sem dúvidas, meu evento cinematográfico favorito no ano, espero que ano que vem possamos estar lá juntos.

O festival começou na sexta-feira, dia 18, mas é sempre estressante tentar assistir a cerimônia oficial de abertura. É quando todos os patrocinadores e homenageados se encontram, então eu costumo deixar de lado. A homenageada desse ano foi a Simone Spoladore, pelo trabalho como atriz em diversos filmes brasileiros nos últimos anos. Você a conhece? Ela é de Curitiba, também. Sei que a irmã dela desenvolveu uns projetos de vídeo-dança que envolveram o curso de cinema da CINETVPR. Achei curiosa a opção do festival por homenagear atores dois anos consecutivos – no ano passado o homenageado foi o Selton Mello. Inclusive o filme que mais gosto com a Simone é justamente um protagonizado pelo Selton – o Lavour’Arcaica, que chegou a passar em Tiradentes ano passado, aliás. Enfim, sei que perdi o filme da abertura (Onde Borges Tudo Vê, dirigido por Taciano Valério), mas sempre tem show no CineTenda depois da exibição dos filmes do dia, e essa deu pra pegar um pouco… ainda que eu não goste tanto de rodas de choro, o Tapa Buraco – grupo que se apresentou na noite de abertura – era realmente bom.

Sábado, oficialmente instalado, resolvi acordar cedo pra aproveitar todas as sessões que dessem pra ver. O dia começou cedo, com o debate “Fora de Centro – Procedências de Produção”. Aliás, preciso retomar um tema aqui. O tema dessa 16ª Mostra era o “Fora de Centro” – contemplando as cinematografias brasileiras que fossem feitas distantes do eixo Rio-São Paulo. Tiradentes sempre teve uma predileção por esse novíssimo cinema realizado, sobretudo no Ceará, Pernambuco e Minas Gerais – e falando sinceramente, a filmografia desses estados de fato está se destacando em relação às outras, com o Paraná correndo por fora (mas bem por fora mesmo). Enfim, de volta ao debate. Eu tenho um certo problema quando os debates se tornam uma troca de afagos onde todos batem em cima da tecla “nós somos bons e temos potencial para mais, se todos nos unirmos chegaremos mais longe”. Claro, isso chega a ser óbvio, e grande parte dos filmes de Tiradentes realmente evidencia isso, seja pelo intercâmbio de pessoas de diferentes estados e coletivos de produção participando em diferentes filmes ou até mesmo pela crítica que se relaciona de alguma forma direta ou indireta com essas cinematografias. No entanto, sempre acreditei que o que fortalece um debate são as diferenças, e nesse sentido creio que os debates desse ano deixaram a desejar. Ou as diferenças já foram superadas e agora precisamos revolucionar de vez o nosso cinema de uma forma sobrenatural, ou então é preciso separar diretamente o realizador de sua realização. Em um dos dias do festival eu me deparei com um senhor na rua que reclamava algo do tipo: “Onde já se viu… um festival de cinema onde o cineasta é amigo do curador, onde o curador e o cineasta são amigos do crítico… ‘tá tudo errado!”. Pena que poucas pessoas ouviram isso. Acho que o problema não é ser amigo, pelo contrário, acho até isso bastante produtivo pra solidificação de uma identidade cinematográfica nacional, mas é preciso saber diferenciar as relações das realizações. Acho que por mais que o nosso cinema seja novíssimo, as pessoas que o realizam devem ter maturidade o suficiente pra ter sua obra criticada sem levar pro lado pessoal. Não sei como isso ocorre, de fato, porque a crítica ultimamente parece somente referendar a qualidade dessa cinematografia, que às vezes não tem tanta qualidade assim.

Depois do almoço eu fui pra sessão de curtas da Mostra Juvenil rever alguns curtas que eu já tinha assistido em outras ocasiões e eventualmente ver alguma coisa nova que me chamasse a atenção. O que eu acho interessante em Tiradentes é essa formação de público que realmente ocorre – a “Mostrinha” sempre está lotada de crianças, e a Mostra Juvenil também estava repleta de crianças e adolescentes. É sempre interessante ver como as gerações mais novas reagem ao cinema, em especial o cinema feito por gente da nossa idade, o cinema feito por pessoas com quem estudei junto ou que eventualmente toparam comigo em algum ou outro festival em que estive com algum filme, roteiro ou simplesmente frequentando como espectador. O filme que mais me chamou a atenção foi o “META”, dirigido pelo Rafael Baliu. Já tinha visto o filme no FBCU do ano passado (e posteriormente ele foi exibido no seminário “Cinema em Perspectiva” que rolou em Curitiba com a retrospectiva dos filmes premiados no FBCU), mas como disse antes, é legal ver como ele se relaciona com um público mais jovem. Por se tratar de um filme metalinguístico, certamente deve ser a primeira vez que muitos jovens devem pensar sobre o processo de fazer cinema ao invés de simplesmente assistir à obra audiovisual pronta. O filme é uma comédia proto-romântica que fala acerca das motivações de um jovem a fazer um filme universitário junto com seus amigos na finalidade de declarar seu amor por uma menina de sua turma. Enfim, apesar da história bobinha, o filme consegue ser maneirista por excelência, cheio das piadinhas (que às vezes começam a cansar – tipo aquele vídeo que viralizou recentemente no YouTube, o “Corte de Gastos) relacionadas ao audiovisual, e que no fundo podem despertar algo mais do que uma mera historinha diante do espectador, ou pelo menos eu gosto de acreditar nisso. Outros filmes que passaram na sessão foram “Pra que a vida siga adiante”, de André Queiroz, “Maremoto”, de Daniel Aratangy (e devo confessar que ambos não me disseram muita coisa), “Ressaca”, de Mabel Lopes – um filme que dialoga bem com as novas gerações também, em especial pelo tema de vampiros, jovens como protagonistas e tudo “bonitinho em seu devido lugar”. Eu particularmente não sou nem um pouco favorável a esse tipo de cinema com uma linguagem muito próxima da publicidade, que são “fofinhos e bem resolvidos” mas não te fazem pensar em absolutamente nada após a sessão, mas entendo que há uma demanda, e que ele de fato tem seu público – tudo isso se baseia numa mera opinião pessoal minha, afinal. Pra fechar a sessão exibiram o “Tudo Bem”, do Christopher Faust, aí de Curitiba. Já chegou a ver os filmes da produtora deles? Chama “O Quadro”, e eles resolveram apostar de vez em filmes pra jovens. Filmes de jovens para jovens. Dilemas cotidianos, representação de uma parcela de gente dos 17 aos 25 anos que procuram sua forma de se encaixar no mundo. É um pouco estranho tentar criar um distanciamento ao assistir quando todos os atores envolvidos são amigos, você acaba pensando mais nas pessoas do que nas personagens em si… enfim, não é exatamente meu tipo de cinema favorito, mas a cada filme deles que vejo eu sinto uma evolução estética e temática, ainda que todas se relacionem de uma forma ou outra. Enfim, essa mostra é mesmo voltada a uma certa formação audiovisual, e nesse ponto sei que não posso ser tão rigoroso assim, mas penso também que não se pode subestimar a mentalidade de nenhum público – ainda que jovem – em relação a temas mais complexos e que dê alguma margem pra discussão no pós-sala de cinema. A arte não pode ser um mero entretenimento, o papel dela é fazer pensar, dar alguma lição sobre a vida, a morte e tudo o que é compreendido entre elas. Talvez eu espere demais…

Por falar em entretenimento, depois dessa sessão eu parti pro Cortejo da Arte, que é um passeio musical onde tocam marchinhas, com personagens fantasiados, artistas, palhaços, essas coisas… um clima bastante carnavalesco mesmo. O Cortejo acontece desde a primeira edição da mostra, e coincide com a semana do aniversário da cidade, é uma festa de rua tradicional da cidade e do festival. Nessa edição eles distribuíram bexigas coloridas pra quem acompanhava. No ano passado me lembro de que eram uns óculos com uns chapéus, algo bem exagerado mesmo. Serviu pra animar para a sessão de curtas que se iniciaria mais tarde, da Mostra Panorama, onde pra mim começaria “de fato” a mostra.

Dito e feito, às 18:30 estava lá pra ver a sessão de curtas da Mostra Panorama. A Mostra Panorama, como o próprio nome diz, faz um mapeamento da produção audiovisual no Brasil, mas não é a mostra competitiva de curtas oficial. A mostra se iniciou com o filme “O Duplo”, de Juliana Rojas. O filme é feito em cima de uma lenda do folclore alemão, o Doppelgänger, que é de fato um duplo, que absorve todas as características físicas e psicológicas da pessoa que ela acompanha, exteriorizando geralmente o lado mais violento e sombrio dessas pessoas. O filme é igualmente violento e sombrio, mostrando a relação de uma professora de ensino fundamental que começa a ser seguida por seu duplo e as consequências negativas que isso traz para a sua vida. O filme funciona, mas acho que se resolveria melhor como um longa-metragem. Muita coisa foi lançada ali de uma forma que eu como espectador fiquei esperando mais profundidade… a sugestão ao invés da ação é algo bastante positivo, mas quando utilizada de forma tão incipiente acho que perde um pouco de força. O mais marcante do filme mesmo é o clima que ele consegue passar, e não necessariamente seu desenvolvimento. Depois foi exibido o filme “Colinas Como Elefantes Brancos”, de Melissa Gava. Rodado na Itália, o filme retrata um casal que vai tomar um drink antes de pegar o trem… o filme começa com toda aquela estética à Sergio Leone, com planos abertíssimos revelando todo aquele cenário, mas por fim não me diz absolutamente nada. Depois foi a vez do “Não estamos sonhando”, do Luiz Pretti. Antes de falar do filme eu preciso falar um pouco sobre a Alumbramento – um coletivo (se é que podemos chamar assim, nunca sei quem de fato gosta ou desgosta desse termo) de produção audiovisual que surgiu no Ceará e tem como principais expoentes os irmãos Pretti (Luiz e Ricardo) e os primos Parente (Guto e Pedro Diógenes). Quando lá em cima falei sobre a parte boa dessa “amizade que circunda a novíssima produção audiovisual no Brasil” certamente eu estava falando desses caras. O resultado nem sempre me agrada, mas é sempre curioso ver como o nome de pelo menos um deles está geralmente associado aos filmes mais repercutidos no Brasil recentemente – mesmo que seja só nos agradecimentos. A Alumbramento é responsável por filmes que eu adoro (Estrada para Ythaca, Os Monstros, Doce Amianto – falarei desse logo mais) e outros que eu particularmente não gosto (No Lugar Errado, Linz – Quando Todos os Acidentes Acontecem – e falarei dele logo mais também). “Não Estamos Sonhando” é mais um ensaio audiovisual do que um curta narrativo-estrutural em si. Ele se baseia num texto que associa a nossa sociedade e sua adoração pelos arranha-céus como a versão contemporânea da espiritualidade, e critica isso. O resultado em si não me agrada, embora algumas questões estéticas sejam relevantes, em especial a utilização do som – é importante pensar a função do som no cinema separado de sua imagem, afinal é nele onde podemos ser de fato abstratos, já que toda informação visual é automaticamente absorvida pelos nossos olhos. E pra fechar a sessão (e o parágrafo) foi exibido o curta “Canção Para Minha Irmã”, de Pedro Severien, que conta a história de um presidiário que vai se atrasar para voltar da licença temporária porque sua irmã está doente. Na real descrever o filme assim é muito raso, já que essa é só uma das informações a que se refere o filme, que fala sobre tantas outras coisas, mas nunca se aprofunda de fato na relação do presidiário com sua irmã. Tem seus bons momentos, mas no final me passou batido também.

Pra finalizar o dia com chave de ouro eu tive que assistir um longa na mostra também. Eu sempre costumo ver o máximo de sessões possíveis no primeiro dia, ele sempre me dá um panorama sobre como foi a curadoria do festival. Ainda que as mostras competitivas não tivessem começado, era bom ver qual a cara da mostra, sobre qual “fora de centro” ela estava falando, e o dia não poderia ter terminado melhor. Pernambuco é hoje em dia, sem a menor sombra de dúvidas, a bola da vez no cinema brasileiro. Algo de muito diferente e transformador está ocorrendo por lá. As políticas públicas em relação ao audiovisual que tem surgido no estado são exemplos para todo o Brasil, e aproveitando isso temos tido uma grande safra que vai desde os trabalhos do Coletivo Símio (que tem o Gabriel Mascaro, nome que vou mencionar algumas vezes por aqui ainda) até o Kleber Mendonça Filho, que dirigiu os maravilhosos “Recife Frio” e o novo e aclamadíssimo “O Som ao Redor”, um dos melhores filmes brasileiros que vi nos últimos anos. Há também o Festival de Cinema de Triunfo por lá, uma cidadezinha no interior do estado, que também tem apostado nesse novo cinema brasileiro. O resultado não poderia ser menos surpreendente em sua filmografia. Pra fechar o dia foi exibido o longa “Eles Voltam”, de Marcelo Lordello. Fiquei extasiado com o filme. Um casal de irmãos é deixado na estrada por seus pais durante uma típica briga de irmãos no carro. No aguardo de seus pais, o conflito entre eles fica ainda mais latente, até que a garota se percebe sozinha na estrada diante do mundo desconhecido e dali parte na tentativa de retorno ao lar, mas não sem antes se deparar com as dificuldades que o mundo à margem tem a lhe apresentar. Tudo isso filmado numa sutileza primorosa. Dizia Robert Bresson que “O cinema falado inventou o silêncio”, e esse definitivamente é um filme de silêncios. A inquietude interna e o longo processo de transformação da protagonista contrastam com os tempos dilatados e os silêncios do filme, que muitas vezes no jogam pro extra-quadro. O que pode ser mais honesto que o filme que se passa tanto na tela quanto fora dele, tendo ele todo um mundo ao seu redor? Quantas garotas de doze anos da classe-média alta alguma vez na vida iriam se deparar com um mundo cheio de contrastes, de gente pobre que na verdade é muito mais rica em valores do que todo aquele mundo que sempre a circundou? Como não soar maniqueísta diante da revelação do outro para si próprio? Essa preocupação social pernambucana relatada em grande parte de sua filmografia é tocante, porque mais que compreender o problema, os atuais realizadores de lá sabem sugerir uma forma poética onde isso se encerra. E a sugestão aqui é muito mais forte que a crítica panfletária, que o manifesto incisivo. E é disso que o cinema – não só o brasileiro – precisa: de bons filmes que nos façam pensar na nossa própria situação diante do mundo. Essa sim é a função da arte. Sei do amor que você tem por Pernambuco, espero que esse filme não tarde a passar pelo sul, sua universalidade não o deixará restrito somente ao ciclo de festivais, ao menos assim eu espero.

Já no domingo, em um ritmo bem menos intenso que o do dia anterior, saí de casa na hora do almoço pra acompanhar o lançamento dos livros e dvd’s no Centro Cultural Yves Alves. Dois dos livros já haviam sido lançados anteriormente em Curitiba: o “No Coração do Mundo” do Denílson Lopes, que foi lançado num evento que uns amigos e eu organizamos pela faculdade na Cinemateca e o livro sobre os dez anos da Teia, outro coletivo que transita pelo audiovisual, daqui de Minas Gerais. O livro da Teia foi lançado no “Cinema em Perspectiva” em Curitiba no ano passado. Além disso, foi lançado o livro “Parábola do Vôo Livre” do Fábio Carvalho, além da nova revista Filme Cultura e o box de dvd’s da Alumbramento. Fiquei com vontade de comprar o último, mas a política de contenção de gastos falou mais alto, e achei melhor deixar pra uma próxima. Fiquei só com a revista, já que a distribuição era gratuita. Essa edição fala sobre o som no cinema, e tem até a transição do debate sobre som que houve no supracitado “Cinema em Perspectiva”, está realmente bacana a edição…

Posteriormente, não me pergunte o porquê, sei que acabei perdendo a série 2 da Mostra Panorama de Curtas, e até agora ouço gente me criticando por ter perdido a exibição de “A Onda Traz, O Vento Leva”, de Gabriel Mascaro. O filme, que ganhou o júri popular de curtas foi um dos mais aclamados durante o festival. Enfim, ouvi maravilhas sobre o filme por parte de todos os que viram. Disseram ser o melhor filme do festival. Outros mais empolgados disseram ser o melhor filme brasileiro dos últimos anos. Se eu tivesse que apostar em algum filme que não vi, seria nele.

Parti para a fila que começava a se formar para a sessão de “Otto”, novo longa-metragem do Cao Guimarães, um diretor mineiro que fez filmes maravilhosos como “Andarilho” e “A Alma do Osso”, e outros não tão bons assim como o “Ex-Isto”. O filme fala sobre a trajetória da gravidez de sua mulher até o nascimento do seu filho Otto. Eu sempre tenho uma tendência natural a esperar muito dos documentários do Cao, admiro e muito a sua sensibilidade, sua forma de filmar, sua forma de captar algo para além das imagens, mas… que dizer de Otto? É de compreender que Cao seja completamente deslumbrado por sua mulher, que é de fato linda e enigmática na medida certa. A história do início de seu relacionamento é bonita, ainda que as narrações sobrepostas às imagens soem meio piegas da forma como foram feitas, mas o filme carece de algo muito mais próximo ao espectador. Sinto que “Otto” é um grande presente que Cao dá a seu próprio filho, mas não um grande presente para nós espectadores. É visualmente belo, mas parece não funcionar como filme… ao menos não para mim. E é ainda mais frustrante saber que quem assina é um dos mais talentosos e sensíveis cineastas dos nossos tempos.

Ainda decepcionado com o “Otto”, fui sem muitas expectativas pra ver o último longa da noite: “Doce Amianto”, mais um filme da Alumbramento, assinado por Guto Parente e Uirá dos Reis. Está preparada pra ler um monte sobre ele agora? Foi um dos filmes que mais me marcaram nos últimos anos, e não falo somente em relação aos brasileiros não… “Doce Amianto” é um desses raros achados que poderiam passar batidos não fosse o circuito de festivais, ou então extremamente fáceis de ser compreendidos de uma forma completamente diferente da que eu interpretei por qualquer outra pessoa que não estivesse exatamente naquele clima em que o filme me pegou naquela noite. Um filme de amor! Aliás, de amores… amores perdidos, amores possíveis, amores passados que persistem como um eterno fantasma na nossa infelicidade. Amianto é um travesti (mas me agrada pensar nela somente como mulher – assim como seus realizadores, aliás – ainda que o escracho dessa estética queer seja latente) que busca em sua fada madrinha Blanche (outro travesti, interpretado pelo próprio Uirá) consolo por sua desilusão amorosa enquanto busca nas noites solitárias e vazias um conforto emocional. Um filme que teria tudo para seguir à risca uma estrutura clássica, mas que abre mão (em termos) de sua própria seriedade para transitar no meio termo do escracho e do sublime, algo extremamente necessário quando nosso cinema majoritário vive em uma época complicada onde vive muito de aparências, tentando se auto-afirmar como extremamente engajado ou, na completa contramão, um grande pastiche. É nesse ponto que “Doce Amianto” vai direto ao ponto: não precisamos disso. É o filme ideal para aqueles que procuram qualquer espécie de sentido, desde o que vê nele a mais rasa das comédias até aquele que enxerga o mais profundo engajamento e consciência da responsabilidade que é fazer cinema no Brasil nos dias atuais. Por que Amianto seria menos hilário mesmo trazendo consigo sua grande carga de seriedade? Por que um filme com essa estética gay quase exploitation deveria ser menos rigoroso em seus aspectos técnicos do que um filme que se afirma como “bastião do cinema autoral”? Indo na contramão de todas essas perguntas, “Doce Amianto” é um destes filmes seminais para o seu espaço-tempo, e os aplausos que não se cansavam após a exibição do filme só serviram pra justificar isso. Saí extasiado, precisando falar, precisando escrever sobre o filme… quase duas semanas se passaram e sinto que preciso revê-lo mais algumas vezes. E depois falar mais, escrever mais e refletir mais sobre ele. Que grata surpresa…

No dia seguinte fui ao debate sobre “Doce Amianto”. Tive de ver a reação da crítica e do público de perto. O Denílson Lopes fez um baita texto sobre o filme, foi divulgado na íntegra no site da própria mostra de Tiradentes, dá uma conferida por lá depois. Aliás, muita gente de respeito escreveu sobre “Doce Amianto”, na página do filme no Facebook tem link pra um monte de críticas, acho que vale a pena ler todas, ainda que eu discorde em grande parte de algumas delas.

Acabo de dar uma olhada no quanto já escrevi e percebo que escrevi tanto, mas ainda há tanto a ser escrito… queria ser mais breve, mas quanto mais me lembro dos filmes, mais sinto que preciso escrever sobre eles. Peço desculpas por não ser tão breve quanto achei que seria, vou tentar me conter daqui em diante.

Posteriormente segui para a Série 3 da Mostra Panorama de curtas. Foram exibidos cinco filmes e eu sinceramente não me senti atraído por nenhum deles em especial, mas um dos filmes me fez refletir sobre a função do cinema. “Fui à Capadócia e Lembrei de Você” é um filme que na verdade mais parece um cartão postal: um grande plano geral com uma câmera estática que permanece imóvel por quase 10 minutos enquanto balões no céu vão lentamente se aproximando do solo. O som de alguém que parece sempre se aproximar da câmera dá a impressão de que alguém a qualquer momento irá cruzar o quadro, uma expectativa que jamais se concretiza. Apesar de sua simplicidade narrativa e estética, o filme me fez pensar sobre a importância do tempo como ferramenta motriz do cinema. Quanto tempo geralmente nós olhamos para uma obra de arte em exposição? O filme, por ter seu início e fim (e aqui não conter um loop, como geralmente ocorre com filmes em exposições de arte, instalações, etc.) traz consigo próprio uma predeterminação do quanto tempo devemos nos ater a ele… essa manipulação nunca é passiva, nunca é ao acaso. Essa é talvez a maior especificidade do cinema enquanto arte. O filme em si não me chamou a atenção, mas achei que deveria falar sobre isso, é algo que por fim ficou na minha cabeça.

À noite se iniciou enfim a mostra competitiva de curtas. A Série 1 da Mostra Foco exibiu seis filmes, dos quais – bairrismos à parte – os dois que possuíam alguma relação com Curitiba foram os que mais me chamaram a atenção. “Pátio” do colega Aly Muritiba foi pra mim o melhor da série. Após o furor e a expectativa em cima do filme anterior dele – “A Fábrica” – quase ter sido indicado para o Oscar na categoria de curtas, tive de ver com outros olhos esse novo filme, que é a parte dois do que ele chama de “A Trilogia do Cárcere”. O filme aposta em poucos quadros, mas muito no som. A visão documental do pátio de um presídio revela muito sobre a história de grande parte daqueles que estão ali dentro sonhando com a liberdade enquanto o tempo se arrasta. “Mãos Mortas”, do Arthur Tuoto – que já não mora mais em Curitiba e sim em São Paulo – é um experimento visual minimalista que também aposta mais no som, com um diálogo “nouvelle-vaguesco” que discute sobre o amor, em falas que certamente só funcionariam no idioma francês, e revela um monte sobre uma visão muito particular sobre o que é o cinema. Achei bonito justamente por ser intimista e sincero. Os outros filmes não me chamaram muita atenção, com exceção de “O Ouvido de Vinícius”, de Sergio Oliveira e Ezequiel Pierri – mas esse de forma negativa. Procurei algo mais na relação entre cinema e a música, entre as imagens e o clima portenho das imagens captadas na Argentina, mas o filme parecia gaguejar… me lembrarei mais dessa sessão pelo fato de ter perdido minha carteira com todos meus documentos e dinheiro do que por grande parte dos filmes, certamente. Depois da sessão, enquanto procurava por alguma alma caridosa que pudesse por acaso ter encontrado minha carteira – que jamais foi encontrada, aliás – eu acabei assistindo quase que sem querer ao show do “Blue Drop Jazz Quartet” e devo afirmar: que banda! As notas melancólicas do blues se aliavam ao meu desespero na busca dos meus pertences e essa noite acabou de forma estranha…

Na terça-feira acordei cedo após uma noite de péssimo sono e logo saí atrás da minha carteira novamente, dessa vez mais conformado com a possibilidade de nunca mais encontrá-la. Nessas idas e vindas acabei não pegando o debate “Um Olhar Sobre o Cinema Brasileiro” por inteiro. Ano passado presenciei um nos mesmos moldes: os programadores e curadores dos principais festivais de cinema autoral do mundo (Cannes, Locarno) e outros produtores se reúnem pra fazer um panorama do cinema contemporâneo no Brasil. Uma questão levantada pela programadora da Quinzena dos Realizadores em Cannes foi uma das grandes questões do festival: o cinema brasileiro se preocupa tanto em se afirmar autoral recentemente que estamos deixando de valorizar a figura do produtor como maestro da realização cinematográfica. A figura do produtor – mesmo na faculdade – sempre foi muito escanteada nos tempos atuais, onde o diretor parece “concentrar todo o poder” do set de filmagem para si. Sempre tive problemas com essa questão de “um filme de”… essa política dos autores foi de fato importante pra referendar o cinema como arte décadas atrás, mas por muitas vezes a gente ainda parece estar estacionado em cima disso até hoje, quando há muito mais o que se explorar. Nossa realidade é outra, mas no fundo esse apelo pela valorização dos produtores não deixa de fazer sentido. Muito sentido, aliás.

À noite parti pra série 2 da Mostra Foco, onde vi meu curta favorito da mostra. “Pouco Mais de um Mês” de André Novais é uma reencenação do início de seu namoro, que agora (no tempo fílmico) tem pouco mais de um mês de duração. É um dos filmes mais honestos e bonitos que vi nos últimos tempos, e devo salientar que ele particularmente dialoga demais comigo que fui criado em Minas Gerais. O filme tem um pouco desse regionalismo que é universal, fiquei pensando em quantas vezes na vida já passei por situações exatamente idênticas àquelas vivenciadas no filme e o quanto Novais conseguiu registrar isso de uma forma extremamente autêntica e bela. Na minha opinião, o filme merecia ter ganho o prêmio de melhor curta da Mostra, mas o prêmio ficou com o filme que foi exibido logo em sequência: “Meu Amigo Mineiro”, de Gabriel Martins e Victor Furtado, mais um filme da Alumbramento (é impressionante o quanto esses caras produzem e o quanto grande parte dessas produções chamam atenção por sua qualidade). O filme fala sobre um jovem de Minas que vai à Fortaleza para visitar seu amigo, mas não consegue encontra-lo, e ao vagar pela cidade começa a enxergar seu amigo naquele povo e naqueles lugares mostrados. O filme tem uma sequência num karaokê que é primorosa, além de alguns momentos cômicos realmente divertidos. É um bom filme, vou aproveitar pra revê-lo agora que ele foi disponibilizado para visualização na íntegra no site da Alumbramento. Esses dois filmes foram tão significativos que nem ousaria falar sobre os outros dois exibidos na sequência agora, que passaram batidos pra mim, com todo o respeito.

Na quarta-feira, um tanto quanto cansado do ritmo frenético dos outros dias, acabei assistindo somente à exibição do longa que estava na competitiva oficial. “Ferrolho”, filme de Taciano Valério, foi o primeiro que vi da Mostra Aurora, e apesar de ter tudo pra me agradar, ele não me agradou. Sempre gostei de temas como futebol, sempre gostei do cinema marginal, tenho cada vez mais admirado a cinematografia de Pernambuco e gosto de personagens anarquicamente subversivos. Apesar de “Ferrolho” reunir tudo isso em uma homenagem indireta ao clássico “Bandido da Luz Vermelha” de Rogério Sganzerla diante de uma narrativa que acompanhava a jornada do time Central de Caruaru rumo ao inédito título pernambucano, sinto que faltou algo. Algumas cenas que mostravam a relação de algumas famílias com o barro eram realmente primorosas, e sinto que dali poderia render algo melhor. O filme é honesto, mas não me bastou. Após a exibição do filme, mais animado pela lembrança do futebol como esporte-chave na minha vida, fui acompanhar a rodada e tentar dormir cedo, afinal no outro dia logo pela manhã teria mais um dia de atividades em uma oficina que eu estava participando.

Aliás, me deixa falar aqui sobre a oficina. Eu me inscrevi e felizmente dei a sorte de ser aprovado, tratava-se de uma oficina chamada “Cinema na Escola: Ver e Fazer”. Ainda animado com a experiência que tive falando sobre a realização cinematográfica em escolas públicas no interior do Paraná para crianças de 7 a 12 anos, resolvi ver se aprendia um pouco mais sobre formas de abordagem sobre a pedagogia da imagem. Eu era o único da turma com formação voltada para o cinema, todos os outros eram educadores de matérias diversas seja no ensino fundamental, médio ou até mesmo superior. Acho que justamente por conta disso a abordagem foi mais ampla, e os temas discutidos se referiam mais à linguagem audiovisual do que o cinema na escola em si. Não era necessariamente o que eu esperava, mas essa experiência de debate quase como em um cineclube matutino também foi agradável, e é interessante ver a forma como pessoas que tem uma formação completamente diferente da formação voltada pra arte e/ou comunicação percebem o cinema. São visões completamente válidas e que me fazem pensar muito mais no público do que somente na realização, e só hoje consigo me dar conta do quanto isso é importante.

Na quinta também só assisti a uma sessão, mas essa me valeu mais a pena do que a do dia anterior. Aliás, como valeu! “Os Dias Com Ele”, documentário de Maria Clara Escobar não foi o grande vencedor do festival atoa. O filme se trata da busca da diretora pela identidade de seu pai, homem que só conheceu recentemente, um intelectual perseguido pela ditadura militar. O filme busca essa memória do pai junto às lembranças de uma época sombria da ditadura, costuradas de uma forma intimista e poética. O filme lida com a dificuldade de expressão que se revela na descoberta tanto do período quanto de seu próprio pai, e isso é belíssimo. É um filme para ser visto novamente, fiquei tocado com a forma que tudo isso foi construído resultando em uma coisa completamente diferente do que se é acostumado a ver hoje em dia em filmes que resgatam a imagem de alguém ou de algum determinado período histórico. O título de melhor longa não poderia estar em melhores mãos. Eu até iria assistir a sessão seguinte, mas “Os Dias Com Ele” é aquele filme que te põe pra pensar, e eu não queria estragar aquela experiência emendando outro filme na sequência – eis a parte ruim dos festivais às vezes.

À noite na sexta-feira eu parti pra ver mais um longa na Mostra Aurora: “Linz – Quando Todos os Acidentes Acontecem”, de Alexandre Veras. Já mencionei lá em cima que se tratava de outro filme com o selo Alumbramento, mas esse de fato não me cativou. Saí da sessão com uma sensação boa, o filme me trouxe uma experiência visual tão bonita que me senti bem apesar de não ter gostado do filme. Sinto que aquelas imagens formariam uma belíssima exposição fotográfica sobre a solidão humana diante da imensidão da natureza de um Brasil que ainda estamos pouco acostumados a ver. Aliás, fiquei com a impressão de que aquelas dunas, aquele mar e toda a vegetação nativa que compõem o cenário de “Linz” formam a verdadeira visão do que é o paraíso. Que lugar fantástico! Jamais na vida pensei em ver algo semelhante retratado em um filme. Há um plano onde o mar se funde às estrelas, e é uma das coisas mais bonitas que já vi. Enfim, como disse, mais me parece um apurado de imagens sensacionalmente belas do que um filme em si. A atuação de Dellani Lima também é convincente – o silêncio aliado com a solidão do personagem são bem filmados, mas não dizem muita coisa ao espectador sobre suas motivações e angústias. Não basta ser visualmente impecável, pois como já diria o grande poeta Arseni Tarkovski, “tem de haver mais”.

No sábado já acordei angustiado em saber que se tratava do último dia do festival, e diante de tantos filmes – e tantas festas, devo salientar – eu às vezes me esquecia de que o tempo estava passando tão depressa. Passei o dia num ritmo lento, arrumando aos poucos as minhas coisas pra não ter que me desesperar na manhã do outro dia, e só saí à noite pra assistir a última exibição de Tiradentes: “Doméstica”, de Gabriel Mascaro. Novamente venho falar do Mascaro aqui… seu novo filme tem algo de extraordinário, já que a direção só se revela de fato na hora da montagem. Pouco tempo atrás o filme “Pacific”, assinado por Marcelo Pedroso, gerou tanto debate positivo que se tornou um grande marco nessa nova cinematografia brasileira. “Pacific” reunia imagens realizadas por terceiros durante uma viagem de cruzeiro a Fernando de Noronha. “Doméstica” não chega a ser tão radical, mas joga na mão de diversos adolescentes a responsabilidade de representar a vida de suas empregadas domésticas. A escolha dos personagens retratados é belíssima, e contrasta diante do discurso “patrão x empregado” com personagens excêntricos, fortes, tristes e conscientes de sua posição. Isso gera um grande debate justamente por ser muito crítico. É a tendência em Pernambuco, e por isso digo que o cinema de lá está tão privilegiado diante do resto da filmografia nacional – eles não se limitam à tela, eles nos fazem pensar, eles nos situam diante do mundo ao nosso redor. Três personagens em doméstica me chamaram muito a atenção: um empregado doméstico, provavelmente o homem mais triste desse universo, que vive com uma família sendo ajudante do lar desde que se desentendeu com sua família e separou-se de sua mulher e consequentemente de seu filho. A outra, uma empregada doméstica que cuida de uma criança com deficiência intelectual, que por sua vez é filho de outra doméstica – que linda relação humana há naquela “família”, onde as realidades se confundem e todos parecem estar em uma harmonia muito maior do que a de qualquer outra família relatada no filme, justamente por quebrar com a distância que se dá na relação de empregado e empregador. Por fim, um jovem que tem uma extrema consciência da construção cinematográfica, e tenta criar um conflito honesto ao entrevistar sua empregada com perguntas pertinentes que a jogam contra sua mãe – atual empregadora e antiga amiga de infância da doméstica. O olhar e a dúvida da empregada ao responder cada pergunta ao jovem parecem responder muito mais do que as paradoxais falas dela – uma coisa se opõe à outra e cria, pra mim, o momento ápice do filme. Ao mesmo tempo, o jovem jamais parece questionar sua posição de classe-média, o que cria um clima adverso pra esse momento do filme, chega a ser impressionante. Um filme para ser visto e discutido, sem dúvidas.

Depois dessa exibição eu saí pra tomar minhas últimas cervejas pelas ruas tricentenárias de Tiradentes e me preparar para a longa viagem de volta para casa, já ansioso pelo festival do ano que vem. Eu levei a minha câmera, mas acabei que não tirei foto alguma do festival, da tenda, da cidade, das pessoas… mas de qualquer forma o flickr da Universo Produções é lotado de excelentes imagens, e acho que meu texto de alguma forma vai fazer com que você imagine visualmente algumas coisas que se passaram por lá, e essa é uma experiência que eu jamais poderia descrever com imagens. Sinto saudades, Lulu. Espero te rever em breve pra gente poder sentar e falar sobre todos os filmes recentes que assistimos, e tentar extrair deles qualquer coisa de positivo para as nossas vidas, já que todo o resto às vezes parece não fazer tanto sentido assim. Um beijo e fique bem.

Alexander Aguiar.

*Alexander Aguiar é graduando em Cinema e Vídeo pela CINETVPR/FAP, atua na realização de filmes em diversas áreas de produção, além de atuar na área de ensino de cinema e pedagogia da imagem para crianças e adolescentes. Correio eletrônico: alexakerfeldt@gmail.com

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