Análise Genética do Filme Príncipe da Pérsia: As Areias do Tempo

*Gustavo de Castro Linzmayer

RESUMO

O filme Príncipe da Pérsia: As Areias do Tempo (Mike Newell, 2010) é o primeiro longa-metragem da série Prince of Persia, fazendo, assim, que uma série originalmente de jogos eletrônicos se firmasse como uma franquia transmidiática. Para entender a colocação do filme dentro da série, a proposta deste estudo é a análise de seu processo criativo e de que maneira os elementos que constituem sua essência foram reposicionados no filme, a atualização de seu contexto, suas novas formatações e formulações, levando-se em conta as diferenças entre os meios midiáticos.

INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como objetivo analisar o processo criativo do filme Príncipe da Pérsia: As Areias do Tempo (Mike Newell, 2010) através de suas relações com a série de jogos Prince of Persia, determinando a posição do filme como parte de uma franquia audiovisual.

A análise busca compreender o filme como parte do desenvolvimento da série como um todo, como uma parte que, junto a outras, definem as características essenciais da franquia e, também, compreender as diferenças do filme em relação às outras obras da série, principalmente devido à diferença na natureza da mídia dos trabalhos: Príncipe da Pérsia: As Areias do Tempo é o primeiro filme de uma série na qual todos os trabalhos predecessores são jogos eletrônicos.

O material de pesquisa inclui, de acordo com a metodologia adotada, objetos que permitam o conhecimento do processo criativo da série, como anotações de agenda do criador da série, esboços gráficos do projeto (Figura 1), o desenvolvimento dos personagens, cenários, história e dos elementos constitutivos das várias obras da série, referências culturais externas, referências internas de uma obra da série a outra e colocações do próprio autor feitas quando entrevistado.

Para a organização do material encontrado, o artigo é dividido em quatro partes, cada uma, dedicada a um aspecto da composição da identidade da série: aspectos de produção, levando-se em conta a origem da série, os aspectos narrativos e as referências presentes na série, tanto a elementos internos quanto externos. Em cada uma dessas partes é analisado como esses elementos aparecem no filme, em comparação com os outros trabalhos da série, levando-se em conta a trama específica e o tipo de mídia utilizada.

Figura 1 – Esboço gráfico do primeiro jogo Prince of Persia (1989)

2. PRODUÇÃO

O primeiro jogo da série, chamado apenas Prince of Persia (Figura 2), foi lançado em 1989, concebida por Jordan Mechner, então com 25 anos, e desenvolvido por uma pequena equipe, liderada por Mechner. Ele já havia criado outro jogo, Karateka (Figura 3), lançado em 1984, do qual foram aproveitados alguns elementos técnicos no primeiro Prince of Persia.

O jogo foi, originalmente, programado para o computador Apple II[1], uma das primeiras linhas de computadores pessoais. Na época em que o jogo foi lançado, os computadores pessoais já eram um elemento estabelecido na cultura e no mercado estadunidenses, sendo que os computadores da Apple já enfrentavam a concorrência da IBM[2], fabricante, então, de computadores pessoais que utilizavam o sistema operacional MS-DOS[3], da Microsoft[4]. Por conta disso, pouco tempo depois do lançamento da versão para Apple II foi lançada uma versão para MS-DOS. O ano de 1989 foi, também, o ano em que a Internet passou a ser uma rede aberta ao público geral. Sua popularização, no entanto, só aconteceu no começo da década de 90, sendo que Prince of Persia é feito apenas no modo para um jogador. Outro aspecto do jogo determinado por questões tecnológicas foi o personagem Shadow Man, personagem com desenho idêntico ao do personagem principal, Prince, só que com suas cores modificadas. Quando Prince pula através de um espelho (Figura 4), esse personagem surge pulando para o lado oposto ao que o herói passa, no momento em que o protagonista cruza a superfície do espelho. O elemento determinante na criação desse personagem foi a falta de memória disponível nos computadores Apple II para a criação de novos inimigos com desenhos próprios, sendo que, a alternativa encontrada, foi usar o mesmo modelo do protagonista apenas com as cores modificadas.

Em 1993 foi lançado o jogo Prince of Persia 2: The Shadow and the Flame, e, em 1999,  a continuação Prince of Persia 3D, ambos com histórias elaboradas, também, por Jordan Mechner.

No mês de março de 2001 a Ubisoft adquiriu os direitos autorais de Prince of Persia. Ainda nesse ano, foi iniciado o desenvolvimento de uma nova sequencia para o jogo. Mechner foi chamado, inicialmente, como consultor e, posteriormente, assumiu um papel de maior importância na produção. Em 2003 é lançado Prince of Persia: The Sands of Time, cujo título é idêntico ao título do filme em inglês, sendo que a trama da versão cinematográfica é baseada nesse jogo. A Ubisoft produziu mais alguns jogos da série: Prince of Persia: Warrior Within (2004), Prince of Persia: The Two Thrones (2005), Battles of Prince of Persia (2005), Prince of Persia: The Fallen King (2008) e Prince of Persian: The Forgotten Sands (2010).

Para a produção do filme, Jordan Mechner criou um trailer através de edições de partes do jogo, como uma prévia da história que pretendia contar. Segundo o autor, esse procedimento ajudou a criar uma visão realista do potencial do filme, cujo objetivo era alcançar um público mais amplo que o dos fãs dos jogos, afirmando o caráter de engrandecimento do filme para a série: ela passa não só a habitar um novo suporte de mídia como passa a alcançar novos públicos.

Mechner participou da produção do filme como principal roteirista. Para ele, nos jogos, tudo se volta para a jogabilidade, em Prince of Persia, sua atenção se voltava a questões como as possibilidades de ação do personagem, as habilidades que o personagem aprende e o que o jogador pode fazer com o controle. Em compensação, no filme tornaram-se centrais questões como a interação entre as personagens e a criação de um mundo com diferentes territórios.

Quando escrevo um jogo, tudo gira em torno da experiência do jogo e da jogabilidade. Quando eu criei o jogo, eu olhei para que o que jogador está fazendo, que habilidades ele aprende, o que um usuário pode fazer com os controles. O jogo e o filme são muito diferentes, mas têm muitas similaridades. No jogo, as Areias do Tempo são um cataclisma, um fenômeno que transforma todos, exceto o herói e seu interesse amoroso, em monstros, porque no jogo o único jeito de interagir com outros personagens é lutar com eles.

Filmes são ótimos para interações entre personagens, e quando você tem uma noção do que um produtor como Jerry Bruckheimer ou um diretor como Mike Newell podem trazer, você tem a possibilidade de criar um mundo inteiro, com cidades e vilas e um leque abrangente e tantas diferentes interações entre personagens que seriam mais difíceis de integrar em um jogo. Então eu decidi escrever uma nova história, que era inspirada por The Sands of Time, mas que tivesse esses ajustes.

(Mechner. Fonte: Entrevista com Jordan Mechner publicada em 17/05/2010 no site Hey You Guys: http://www.heyuguys.co.uk/2010/05/17/interview-jordan-mechner-talks-prince-of-persia-the-sands-of-time/, livre tradução. Acessado em 10/07/2012)

O filme gerou respostas positivas do público. No site Rotten Tomatoes, 71% dos usuários que opinaram a respeito aprovaram o filme, que recebeu nota média de 7.4/10 pelos usuários do site Metacritic e média de 6.6 no IMDb.

Figura 2 – Prince of Persia (1989)
Figura 3 – Karateka (1984)
Figura 4 – Shaddow Man surge do lado oposto para onde Prince pula

3. ELEMENTOS NARRATIVOS

O primeiro jogo da série conta, em sua história, que na ausência do sultão, o poder ficava a cargo do grão-vizir, Jaffar. Certa vez, enquanto exercia seu poder, Jaffar deu um ultimato para a princesa casar-se com ele ou morreria em uma hora. O jovem que a princesa amava havia sido aprisionado por Jaffar. Esse jovem é o protagonista do jogo, controlado pelo jogador, que deve derrotar Jaffar e cumprir seu objetivo de libertar a princesa. Os dois jogos seguintes da série são protagonizados pelo mesmo personagem, que é chamado de Prince, sendo que as duas sequências seguem o mesmo eixo, de conflitos relacionados ao poder da nobreza que culminam na separação involuntária de Prince e da princesa que deve ser solucionada pela jornada do herói. Com exceção de Battles of Prince of Persia, nenhum jogo da série possui modo de jogo para vários jogadores, reafirmando a característica da primeira obra da franquia.

Nos jogos posteriores da série, iniciados em 2003 por Prince of Persia: The Sands of Time, a história do personagem principal tem poucas relações com o Prince original, e, sua saga, possui uma coesão interna própria na segunda leva da série, que vai do jogo de 2003 até o último lançado, Prince of Persia: The Forgotten Sands (2010), onde há o deslocamento da trama romântica, que passa não ser um tema central no foco da narrativa. Apesar disso, há uma série de semelhanças que atravessam as duas levas de jogos, com algumas exceções: o personagem principal é chamado em todos eles de Prince, o transcorrer do jogo é a jornada solitária de Prince que deve resolver os enigmas dos lugares por onde passa. Em Prince of Persia: The Sands of Time, Prince recebe o auxílio de Farah, a princesa, e em Battles of Prince of Persia o jogador pode escolher com qual personagem, dentro de um leque de personagens da série, quer jogar.

O enredo do filme é baseado na história do jogo de 2003, que possui o mesmo nome que o filme em inglês. Em ambas as obras as forças de um monarca (Ronald Pickup, no filme) do império persa invadem uma cidade, que possui como um tesouro uma adaga mágica, capaz de fazer a pessoa que a possuir retornar no tempo, se manipulada de determinada maneira. O protagonista (Jake Gyllenhaal, no filme), filho do monarca do lado invasor, se apropria da adaga, porém se vê em uma situação adversa, onde seu pai acaba morrendo e ele tem que percorrer uma jornada para desfazer o mal que se segue à invasão da cidade, voltando no tempo e impedindo que a cidade seja invadida, modificando o desenrolar de certos acontecimentos que se relacionam com questões morais. Porém, para concretizar seu objetivo, o protagonista deve enfrentar um rival, que também deseja utilizar a adaga, para propósitos pessoais. Em sua jornada, o herói possui o auxílio da princesa da cidade invadida (Gemma Arterton, no filme), que também almeja uma solução para os males que se abateram sobre as personagens. No filme, os movimentos do protagonista são similares aos saltos e acrobacias do personagem no jogo (Figuras 5 e 6). A narração em over feita no início do jogo é feita pelo próprio Prince, enquanto que, no filme, é uma voz que não é atribuída a nenhum personagem. O romance entre o herói e a princesa é outro aspecto que permeia o desenvolvimento de ambas as tramas.

Particularmente no filme, o protagonista se chama Dastan e é filho ilegítimo do rei Sharaman, adotado quando criança, o que é mostrado nas cenas iniciais do longa metragem. No filme, também, os fatos são mais detalhadamente explicados, sendo que a parte que introduz o conflito central do filme tem cerca de meia hora, o que está de acordo com o padrão dos filmes industriais estadunidenses.

Há elementos, na trama do filme, que remetem aos jogos da trilogia original da série, como, por exemplo, a traição de alguém próximo ao monarca ao qual o protagonista é subordinado que deseja tomar o poder para si. No primeiro jogo da série é o vizir que deseja tomar o trono, enquanto no filme, é o irmão do rei, Nizam (Ben Kingsley). No terceiro jogo da série, Prince of Persia 3D, também é o irmão do rei que o trai, porém, a desavença se dá por causa do não cumprimento de uma promessa de casamento entre a princesa e Rugnor, filho do irmão do rei, pois a princesa acabou casando-se com Prince. No jogo homônimo ao filme, o traidor pertence à própria cidade invadida, sendo que seu objetivo é se tornar imortal através das areias do tempo. Assim como no segundo jogo, Prince of Persia 2: The Shadow and the Flame, o vilão do filme engana a corte na qual o protagonista está inserido, fazendo-a se voltar contra o herói, que acaba isolado de seu território.

Embora possua longas sequências de ação, o filme possui muito mais tempo de diálogos e o desenvolvimento das personalidades dos personagens secundários é mais complexo, se comparado com os jogos. Há diversas partes do filme em que é detalhada a relação entre o príncipe protagonista e seu pai adotivo, o rei, e, assim como no último jogo produzido da série, Prince of Persia: The Forgotten Sands, são colocadas questões sobre o elo existente entre irmãos. Há, também, no filme, espaço para o desenvolvimento de certos aspectos da personalidade de personagens secundários, como o cômico Sheikh Amar (Alfred Molina) que despreza as altas taxas de impostos cobradas pela administração do império e, com astúcia, consegue driblá-las, e o líder dos Hassansins, Zolm (Gísli Örn Garðarsson), que é representado através de um caráter vil, permanecendo nas sombras apesar de suas forças terem sido banidas pelo rei, realizando um ataque sorrateiro durante a noite e se utilizando de cobras como armas.

O filme se desenrola com o príncipe Dastan e a princesa Tamina atravessando diversos espaços bem marcados, com características bem peculiares, tempo de permanência regular dos personagens e, em boa parte deles, culminando em momentos de ação que desencadeiam o deslocamento dos personagens para outro cenário, como estágios bem definidos de jogos eletrônicos.

Após a introdução, que narra a infância do príncipe e como foi adotado pelo rei, uma nova sequencia mostra Dastan, já adulto, junto às tropas de seu reino, às portas da cidade sagrada chamada Almut, prestes a ser invadida. A sequência é similar à sequência de abertura do jogo que leva o mesmo nome do filme, porém, a cidade do jogo é uma cidade indiana, que não recebe o mesmo nome da cidade do filme e, quem lidera as tropas é o próprio rei, enquanto que, no filme, é um dos irmãos de Dastan, Tus (Richard Coyle). Tus ordena a invasão à cidade de Alamut, que é considerada sagrada, contrariando as ordens do rei, que não deseja atacar um local sagrado. Tanto no jogo quanto no filme, há alguém que sinaliza do interior da cidade, indicando o momento certo da invasão. Durante a invasão da cidade, são mostrados, pela primeira vez no filme, os movimentos que aproximam Dastan do Prince do jogo no qual o filme foi baseado: saltos acrobáticos, passos rápidos através das paredes e grande habilidade para escalar construções. Como no jogo, Dastan tem que percorrer seu trajeto pulando entre construções e atravessando corredores. Em um duelo, Dastan mostra sua habilidade para combates e, vencendo, consegue tomar a adaga mágica do seu oponente, sem saber do poder do artefato, que pode fazer seu portador recuar no tempo sem perder a consciência dos fatos. Após a rendição da cidade invadida, a princesa capturada aceita casar-se com Tus em troca de um tratamento misericordioso para seu povo, Dastan é ovacionado como herói pela invasão da cidade e as tropas vitoriosas retornam para sua cidade. Lá, os príncipes são recebidos pelo pai, que recebe, das mãos de Dastan, um manto como presente. Dastan não sabia, mas o manto estava envenenado e, assim que o rei o veste, sua pele começa a queimar, até levá-lo à morte. Dastan, então, é acusado de assassinar o rei e os guardas o atacam. Dastan resiste, e durante a confusão, a princesa de Alamut aproveita para se libertar. Dastan e a Princesa escapam.

Na parte seguinte do filme, Dastan e Tamina estão no deserto. Lá, a princesa tenta seduzi-lo e recuperar a adaga, tentando tirá-la da bainha na cintura de Dastan, mostrando o real objetivo da personagem, que tenta reaver o tesouro roubado de sua cidade. Dastan resiste, saca a adaga e acaba acionando seu mecanismo de recuo no tempo, tomando consciência do poder do artefato.

Após adentrarem o Vale dos Escravos, acabam rendidos por Sheikh Amar e seu guarda-costas, Seso, um guerreiro do interior do Sudão. Sheikh Amar pretende conseguir a recompensa oferecida pela cabeça de Dastan, acusado de assassinar o rei. Tamina causa um motim no local e, depois de perseguidos pelo Sheikh Amar e Seso, ela e o príncipe conseguem escapar.

Os personagens vão, então, para Avrat, a cidade onde está acontecendo o funeral do rei, pois Dastan deseja encontrar seu tio, pessoa em quem confia, para tentar esclarecer os fatos e defender sua inocência. No encontro com Nizam, questiona por que ele está com as mãos queimadas. O tio diz que isso aconteceu enquanto tentava tirar a capa do corpo do rei para tentar salvá-lo. Dastan se lembra de que Nizam não encostou no rei enquanto esse agonizava e percebe que o tio é o traidor, que envenenou o manto. Um guarda tenta surpreender o príncipe atirando uma flecha em suas costas, mas o protagonista consegue escapar novamente. Mais uma vez se inicia uma sequência de ação, a fuga de Dastan enfrentando os guardas, que culmina na mudança de espaço.

Junto com Tamina, Dastan, passa, de novo, pelo deserto, até chegar a um oásis, onde é rendido, novamente, pelo Sheikh Amar. Durante a noite, sofrem um ataque dos Hassansins, mercenários com enorme destreza no manejo de armas, banidos pelo rei da pérsia, mas mantidos em segredo por Nizam e contratados por ele para matar o príncipe. Utilizando os poderes da adaga, Dastan consegue vencer o ataque dos Hassansins, que lançam serpentes, sorrateiramente, contra o grupo. Dastan, Tamina, Sheikh Amar e Seso partem, então, do Oásis.

Durante a caminhada através de uma montanha, Tamina explica que conhece o lugar, que leva a um santuário. Ao chegarem ao lugar indicado pela princesa, descobrem que todos os seus habitantes foram mortos recentemente pelos Hassansins, a mando de Nizam, que conhece o local. Enquanto Tamina explica que, naquele lugar, há um templo, no qual há uma pedra da qual a adaga foi feita. Colocando a adaga na pedra, ela seria reabsorvida e, a vida da princesa sacrificada, para desfazer o mal iniciado pelo roubo da adaga. Antes que Tamina possa cumprir seu sacrifício, porém, o grupo é surpreendido por um ataque das tropas de Garsiv (Toby Kebbell), irmão de Dastan. Dastan conversa com Garsiv, que é convencido de que Dastan não é o assassino, depois que Dastan conta que o pai acreditava que o vínculo entre irmãos era o que sustentava o império e questiona Garsiv sobre o motivo pelo qual ele iria no funeral do pai sabendo dos riscos que corria. Os Hassansins surgem, em seguida, na cidade, e, durante seu ataque, matam Garsiv. Após os Hassansins roubarem a adaga de Tamina, o grupo parte para Alamut, onde está uma ampulheta na qual está guardada a areia mágica que é utilizada na adaga.

Na cidade Sagrada, o grupo de Dastan tem que enfrentar as forças de Nizam, que também procura a ampulheta. Seso consegue recuperar a adaga, mas é morto. Dastan encontra seu irmão Tus e confia sua própria vida a ele, explicando como funciona a adaga. Dastan conta para Tus, também, que uma vez Nizam salvou o rei. Porém, se ele puder voltar no tempo e evitar que o rei seja salvo, ele mesmo se tornaria o rei. Dastan apunhala a si mesmo com a adaga e Tus aciona o dispositivo, como Dastan instruiu, salvando a vida de Dastan e selando o laço de lealdade e confiança entre os irmãos. Nizam mata Tus e toma a adaga de Dastan. Nizam se aproxima da ampulheta, mas é interceptado por Dastan e Tamina. Tamina é empurrada por Nizam para um precipício e Dastan consegue segurá-la pela mão. Então surge um dilema para Dastan, que deve escolher entre salvar a princesa ou o destino do império, já que Nizam está prestes a pegar a areia da ampulheta enquanto o príncipe tenta resgatar Tamina. Dastan escolhe salvar a princesa. Isso não impede que a princesa caísse no abismo e Dastan avance sobre Nizam para impedir que ele concretize seu objetivo. Essa questão romântica não é colocada no jogo Prince of Persia: The Sands of Time, onde a princesa também é arremessada pelo vilão e acaba caindo no precipício, depois que o herói não consegue segurá-la. Tanto no filme quanto no jogo o vilão é interceptado na iminência de atingir o seu propósito e o tempo recua para um momento imediatamente posterior à invasão da cidade da princesa, quando todos os que foram mortos em momentos posteriores da trama ainda estão vivos. O príncipe então corrige seu erro e devolve a adaga que não lhe pertence à princesa.

No filme existem elementos dramáticos não presentes no jogo. O herói acaba se casando com a princesa, o que não acontece no jogo. Também não há, no jogo, os irmãos de Dastan, nem a questão dos laços fraternais que, no filme, desencadeiam, inclusive, o conflito central, causado pela traição de Nizam ao seu irmão Sharaman. Além da questão do roubo, o filme coloca outras lições morais. A invasão de Alamut é condenada pelo rei em conversa com Dastan. Além de Tus ter ordenado a invasão à cidade contra a ordem do rei, em um ato de insubordinação, o ataque à cidade de Alamut representa a violação de um local sagrado, o que acaba por desencadear uma série de problemas.

Figura 5 - O herói escala uma construção em Prince of Persia: The Sands of Time (2003), jogo.
Figura 6 - O herói escala uma construção em Príncipe da Pérsia: As Areias do Tempo (2010), filme.

4. REFERÊNCIAS A ELEMENTOS CULTURAIS

Durante o filme Prícipe da Pérsia: As Areias do Tempo, é possível perceber uma série de referências a elementos culturais diversos. O personagem central do filme, Dastan, baseado no personagem Prince do jogo homônimo, tem, dentre suas características marcantes, aspectos já presentes em outros personagens cinematográficos.

No aspecto visual, Prince of Persia bebe de todo um arcabouço visual que nos foi entregue pela cultura pop. Desde clássicos do cinema como “O ladrão de Bagdad” (1924), que já apresenta o tipo de herói de ação acrobática que seria o protótipo do Príncipe de Prince of Persia. Mais acessível e recente, a produção Alladin, uma animação dos estúdios Disney, também se aproveita do mesmo estilo de personagem para o protagonista da sua história. Mas talvez o exemplo mais próximo de todos seja a produção “The Golden Blade” (1953) que conta a história de Harum, um homem destemido que chega a Bagdá para vingar o assassinato de seu pai. Ele encontra Kraizuran, uma princesa disfarçada que lhe entrega a Lâmina dourada, um artefato que o torna invencível.

(Queiroz; Rocha. 2010, p. 7)

Após a conclusão do jogo Karaketa, quando Jordan Mechner pretendia criar outro jogo e concebia a construção do primeiro personagem Prince, que protagonizaria os primeiros três jogos da série, uma de suas primeiras inspirações foram as personagens Ali-Babá[5] e Simbad[6].

17 de julho de 1985

Gene e eu chegamos a uma definição para o novo jogo antes do lanche. Ali-Babá; Simbad. É versátil, familiar, visualmente singular, e – no campo dos vídeo-games – não foi utilizado até seu esgotamento.[7]

(Mechner. Fonte: The Making of Prince of Persia: Journals 1985-1993 – Part 3: http://jordanmechner.com/old-journals/1985/07/july-17-1985/, livre tradução. Acessado em 15/02/2013)

Durante o filme, há, também, alguns detalhes que remetem a pontos bem específicos da série de jogos e podem ser reconhecidos como referências pelos fãs mais familiarizados com os elementos dos jogos. Quando as tropas lideradas por Tus estão às portas de Almut, no começo do filme, no momento em que é apontado que a ordem dele, de invadir a cidade, contraria a ordem do rei, ele responde que, na ausência do rei, o comando pertence a ele. Essa passagem é similar à introdução do primeiro jogo Prince of Persia, onde é dito que, na ausência do rei, o poder cabia ao grão-vizir. Na parte em que Tamira e Dastan escapam do aprisionamento de Sheikh Amar, Tamina atravessa uma porta estreita, por um triz, que se fecha descendo, similarmente às portas do primeiro do jogo da série. Assim como diversos mecanismos na série de jogos, a porta é acionada por alavancas.

No longa metragem há, também, uma série de referências históricas. A invasão a Alamut é motivada por, supostamente, a cidade estar fornecendo armas aos inimigos do Império Persa, o que é revelado como uma mentira, durante o filme. De maneira semelhante, os Estados Unidos da América utilizaram uma suposta posse de armas perigosas do Iraque para invadir o país, o que também era uma falsa acusação, sendo que esse elemento do filme serve como alegoria para o episódio da invasão do Iraque. Os Hassansin são baseados na ordem dos Assassinos, uma ordem islâmica do século XI. O termo em língua portuguesa “assassino” deriva da fama da ordem pela sua violência. Alamut, nome da cidade sagrada invadida, foi o nome de uma fortaleza construída ao sul do Mar Cáspio, durante a idade média. Nizam é uma referência a Nizar, irmão de um califa do norte da África, al-Mustali. Por não reconhecer al-Mustali como califa, Hassan ibn Sabbah, fundador da Ordem dos Assassinos, passa a obedecer as ordens de Nizar. Dastan, segundo Jordan Mechner, significa “malandro” na língua persa, embora haja mais de um significado possível para esse termo.

Prince of Persia é um Dastan persa típico, que é um tipo de conto com estrutura muito específica, de natureza moralista, onde o protagonista serve de exemplo a ser imitado. É o tipo de conto que acontece muito na coletânea “As 1001 noites”.

(Queiroz; Rocha. 2010, p. 8)

CONCLUSÃO

Prince of Persia: The Sands of Time não é um filme que traz um enredo complexo e inovações cinematográficas técnicas ou estéticas. No entanto, dentro da proposta da série Prince of Persia, consegue se agrupar, organicamente, com os demais produtos da franquia, originalmente de jogos para computador, trazendo consigo elementos coerentes com a identidade do conjunto das obras. O filme não somente reproduz os elementos já presentes nos jogos, mas, também, agrega novas referências e, seu enredo, embora baseado no jogo homônimo, também possui suas especificidades, com novos personagens e elementos de linguagem que inauguram, na série, um diálogo com o cinema, já que partes dos elementos básicos da composição dos novos personagens e do desenvolvimento da narrativa foram espelhadas em filmes já existentes.

Trata-se de um filme que consegue ser posicionado dentro do universo da franquia transmidiática ao qual pertence e, ao mesmo tempo, se utiliza da linguagem consagrada dos filmes da Disney, tornando-se acessível para os fãs dos jogos e para públicos não familiarizados com a série Prince of Persia, apto, assim, a ser bem recebido por um amplo público. Dessa forma, o filme se torna engrandecedor para a série não só por contar, agora, com uma grande produção audiovisual entre suas obras, mas, também, por abrir portas para a série em um novo suporte de mídia, pela expansão do público e por contribuir com modelos de produção de filmes de longa-metragem baseados em jogos eletrônicos.

O filme pode servir, também, como referencial para a percepção do desenvolvimento da franquia desde o seu início. O primeiro jogo da série não foi feito pensando em sequências, que só foram concebidas posteriormente, agregando novos elementos. Com o passar do tempo, surgiram novos personagem, novas tramas, e as características que definem a série se consolidaram. O filme foi feito em um contexto em que a essência da série já possuía uma definição. Embora o protagonista do filme não esteja em nenhum jogo da série, o que o torna coerente dentro do universo de Prince of Persia é o contexto histórico, dentro do enredo, em que ele aparece, sua colocação na trama e suas habilidades. O enredo narrado também segue o padrão que transpassa os jogos, bem como as características dos personagens. Além disso, a existência de obras anteriores da série permitiu que diversos personagens trouxessem, em sua construção, referência a personagens de outras produções da franquia Prince of Persia.

*Gustavo de Castro Linzmayer é pós-graduando em Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

REFERÊNCIAS

ALVARENGA, Marcus Vinícius Tavares de; MASSAROLO, João Carlos. Franquia Transmidia: O Futuro da Economia Audiovisual nas Mídias Sociais. São Carlos, 2010.

ALVARENGA, Marcus Vinícius Tavares de; MASSAROLO, João Carlos. A Indústria Audiovisual e Os Novos Arranjos da Economia Digital. In. MELEIRO, Alessandra (Org.). Cinema e Mercado. 1ª Ed. São Paulo: Escrituras, 2010.

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HEY YOU GUYS. Interview: Jordan Mechner Talks Prince of Persia: The Sands of Time. Disponível em: <http://www.heyuguys.co.uk/2010/05/17/interview-jordan-mechner-talks-prince-of-persia-the-sands-of-time/>. Acessado em 10 de julho de 2012.

IMDB. Príncipe da Pérsia – As Areias do Tempo. Disponível em <http://www.imdb.com/title/tt0473075/>. Acessado em 10 de julho de 2012.

JAKE WEIRD. Prince of Persia’s Mythology. Disponível em <http://jake-weird.blogspot.com.br/2008/07/prince-of-persias-mythology.html>. Acessado em 10 de julho de 2012.

MECHNER, Jordan. The Making of Prince of Persia: Journals 1985-1993. Disponível em <http://jordanmechner.com/category/old-journals/>. Acessado em 15 de fevereiro de 2013.

METACRITIC. Prince of Persia: The Sands of Time. Disponível em <http://www.metacritic.com/movie/prince-of-persia-the-sands-of-time>. Acessado em 10 de julho de 2012.

PRINCE OF PERSIA WIKI. Home. Disponível em <http://princeofpersia.wikia.com/wiki/Prince_of_Persia_Wiki>. Acessado em 10 de julho de 2012.

QUEIROZ, Bernardo; ROCHA, Diego. Os processos de Remidiação em Jogos eletrônicos, um estudo de caso da franquia “Prince of Persia”. João Pessoa, 2010.

ROTTEN TOMATOES. Prince of Persia: The Sands of Time (2010). Disponível em: <http://www.rottentomatoes.com/m/prince_of_persia_sands_of_time/>. Acessado em 10 de julho de 2012.

SALLES, Cecília Almeida. Gesto Inacabado: Processo de Criação Artística. 3ª Ed. São Paulo: Annablume Editoral, 2007.

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WIKIPEDIA. Prince of Persia. Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Prince_of_Persia


[1] Aplle II: Uma das primeiras linhas de computadores pessoais lançadas no mercado, fabricado pela Apple Inc. em 1977.

[2] IBM: International Business Machines Corporation. Empresa estadunidentes de alta-tecnologia fundada em 1911.

[3] MS-DOS: Abreviação de Microsoft Disk Operating System, nome dado pela Microsoft a um sistema operacional comprado pela empresa em 1980, que continuou a desenvolvê-lo para o mercado até 2001. O nome original do sistema era QDOS e foi criado pela Seattle Computer Products (SCP) em 1979.

[4] Microsoft Corporation: Empresa norte-americana fundada em 1975 pro Bill Gates, especializada em tecnologias ligadas à informática.

[5] Ali Babá: Personagem ficítico da literatura árabe que encontra um tesouro escondido em uma caverna, acessada por quarenta ladrões. O nome do conto é Ali Babá e os Quarenta Ladrões.

[6] Simbad, o marujo é um personagem de uma série de histórias da Idade de Ouro Islâmica.

[7] Gene and I came up with a setting for the new game before lunch. Ali Baba; Sinbad.  It’s versatile, familiar, visually distinctive, and — in the video game field — hasn’t been done to death.

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