Carmen Miranda em Hollywood: vestindo formas, cores e culturas

Glauco Menta *

Este artigo tem por objetivo fazer uma análise do filme The gang´s all here, com título em português Entre a loira e a morena, uma produção da 20th Century-Fox que estreou em 1943 (exatamente em 24 de dezembro de 1943)[1], estrelando Alice Faye, Carmen Miranda e Phil Baker, sob a direção de Busby Berkeley, tendo como objeto de pesquisa, os figurinos usados por Carmen, em seu personagem Dorita. O que busco aqui é entender quais códigos estão contidos nestes figurinos, e principalmente, o que estes mesmos figurinos podem nos comunicar.

Por tratar-se de um artigo limitado em páginas e ainda provisório, como corpo de um texto maior, não caberia aqui analisar todos os figurinos usados por Carmen Miranda nesta película, o que me leva a fazer um recorte, uma escolha de apenas um dos figurinos usados pela atriz. O personagem de Carmen, Dorita, usa ao todo, doze diferentes trajes durante todo o filme, sendo que, destes doze, três são usados em cenas de musicais. O traje escolhido para esta análise é o décimo primeiro figurino usado pela atriz no filme, e que, embora sejam duas passagens rápidas, não são sem significado ou importância para minha análise. Na cena em questão, Carmen veste um traje que eu livremente intitulei de Traje do Mickey[2], uma vez que seu turbante, com dois pompons, lembra as orelhas do ratinho.  Trata-se de um traje “civil”, ou seja, um figurino do dia a dia do personagem, na cena onde Dorita revela a Edie Allen (a loira) que ela e Vivian Potter (a morena) tinham o mesmo noivo.

Entretanto, antes da investigação em si, apresentarei a sinopse do filme, para que o leitor que não teve a oportunidade de assisti-lo possa melhor situar-se. Depois farei rápido comentário sobre o diretor e sua carreira. Após a descrição detalhada do traje, analisarei o contexto cênico em que o traje foi usado, para melhor compreender a lógica de sua criação. Então, irei analisar a cores individualmente, na tentativa de descobrir o que cada uma delas pode nos dizer. Por fim, analisarei as formas deste traje, e o que elas podem nos revelar, a partir das teorias da Gestalt, sobre o conceito da criação de seu design. A base teórica para esta investigação será certo pensamento do teórico russo Mikhail Bakhtin, presente na obra A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: a carnavalização.

O filme de Busby Berkeley narra, resumidamente, a história de um soldado (James Ellison), que, em vias de ser enviado a uma missão, conhece uma corista que aspira ser artista (Alice Faye). Eles se apaixonam prontamente. No retorno desta missão, já como herói de guerra, o personagem de Ellison terá de decidir entre casar-se com a antiga namorada da adolescência (a morena), ou ficar com sua nova paixão (a loira). Esse desenlace se dará na casa do amigo e sócio do pai do militar – ambos ricos empresários – o qual, para comemorar o retorno heróico de seu filho, prepara um grande show durante o qual seriam vendidos bônus de guerra. A companhia contratada para tal show era exatamente a companhia para a qual o novo amor do militar e homenageado trabalhava. Sendo assim, o triangulo amoroso estava formado sob o mesmo teto. O final é feliz, bem como todo o restante do filme, que, sempre adornado com cenários luxuriantes e permeado por cenas engraçadas, mostra-nos um desfile de astros e estrelas, entre cinco musicais de grande envergadura, incluindo um dos mais famosos do gênero, o musical The Lady Whit the Tutti Frutti Hat, protagonizado de forma marcante por Carmen Miranda. O personagem de Carmen, Rosita, grande estrela do Club New Yorker, tem um papel de destaque, interagindo de forma bastante ativa com todos os personagens principais da trama.

Entre a loira e a morena é, ainda em tempos atuais, um dos mais curiosos e extravagantes filmes de Busby Berkeley. Este diretor, nascido em 1895, em Los Angeles, Califórnia, trabalhou como coreógrafo e cineasta entre os anos de 1927 e 1962, revolucionando o gênero musical dos anos que se seguiram à depressão. Trabalhou para as principais produtoras da época, entre elas podendo ser citada a Warner Brothers, a Metro Golden Mayer e a 20th Century-Fox, em musicais que se tornaram célebres. No final da década de 40 do século anterior, de volta à Metro, Berkeley fez parceira com aquela que viria a se tornar sua maior estrela, Esther Willians, com quem conseguiu efeitos espetaculares com água e muitas “dançarinas” aquáticas. Busby Berkeley faleceu em Palm Springs, na Califórnia, em 14 de março de 1976.

Em relação ao traje utilizado por Carmen Miranda, vemos que ela veste saia, chemisier[3] listrado e turbante. A saia é na cor azul médio, justa ao corpo, tipo envelope da direita para a esquerda, amarrada na cintura com um laço, de comprimento um pouco abaixo do joelho; o chemisier, feito de seda em padrão de listras brancas e vermelhas, tendo-se a impressão que cada listra mede aproximadamente 0,5 cm, dispostas de modo vertical no corpo e nas mangas, e horizontal nos ombros e na gola, com três grandes broches iguais dispostos a partir do centro da gola para a direita, longitudinalmente; o casquete, ou turbante, é revestido com tecido no mesmo padrão da camisa, só que agora o motivo é disposto de maneira inclinada, tendo ainda dois coques de cabelos bem negros colocados atrás; em cima vemos uma pequena continuação do casquete, algo parecido com um pequeno chapéu turco (chamado de barrete, de forma geral, ou fez, de modo mais específico), quase escondido por dois pompons na mesma cor da saia; ao centro, há outro broche igual aos da camisa, sendo bastante curioso o desenho deste figurino visto pelo lado de trás. Olhando de cima para baixo vemos dois círculos azuis, listras vermelhas e brancas inclinadas da direita para a esquerda, e da esquerda para a direita, formando um “v” ao centro, outras duas circunferências, que são os coques, e novamente o padrão de listras fazendo novo desenho: modo vertical na gola, modo horizontal na altura dos ombros, e aí encontramos estas mesmas listras formando um dos lados de três retângulos que se fecham em cima, logo abaixo do corte do ombro. Ela calça plataformas azuis com salto branco. Temos, portanto, um figurino cuja palheta de cores é o branco, azul e vermelho, cuja composição, mostra-se, basicamente, de maneira simétrica. À exceção do preto (cor do cabelo), temos a paleta de cores de várias bandeiras, mas tudo leva a crer numa homenagem às cores oficiais dos EUA, presentes em sua bandeira, com listras vermelhas intercaladas a brancas e quadro azul com estrelas brancas.

A cena em que Carmen aparece vestindo o figurino que é o objeto de nossa análise certamente é a cena em que Carmem mais contém sua verve cômica. É claro que Carmen não esquece que seu personagem, Dorita, é cômico, mas neste momento sua graça deve ser contida, pois o “assunto é sério”. Não resta dúvida quanto à imensa capacidade da atriz, em dosar exatamente seu tom cômico, fazendo uma cena séria. E sua graça assume contornos diferentes de intenção a cada fala, fazendo com que cada nuance interpretativa nos possibilite uma nova leitura, abrindo em larga escala a possibilidade de significados de cada fala. Essas nuances e essas intenções são criações da própria artista[4], mas estes dizeres também estão no texto e portanto, na origem das falas de Dorita. O que farei a seguir é não somente explicitar o contexto em que as cenas acontecem, mas investigar o que cada fala pode nos dizer.

Quando chegamos a este ponto da trama, Dorita já havia descoberto – o que fica explícito em cenas anteriores – que Edie e Vivian estavam esperando o mesmo homem, o Sargento Mason. Dorita fez essa descoberta por uma foto do Sargento Mason exposta em um porta-retratos, no qual cada uma, a seu tempo, primeiro Edie, depois Vivian, reconhecem-no como sendo seu respectivo noivo. A fim de protelar que ambas descobrissem a verdade, Dorita coloca outra fotografia sobre a do Sargento Mason, escondeno-a. Dorita está em seu quarto, quando Edie entra e começa a ação:

E[5]– Hey, Dorita, what have you done with Sergeant Manson´s picture?

D – Sergeant who?

Nesta fala o que vemos é Dorita representando a figura apaziguadora, algo dissimulada, uma dissimulação quase inocente, uma vez que necessária. Parece que Dorita havia achado um “jeitinho brasileiro”, para tentar contornar, ou pelo menos adiar ao máximo, um possível confronto. Seria essa uma leitura hoolywoodiana sobre o brasileiro, a de um povo naturalmente conciliador, capaz inclusive, de certas manipulações diplomáticas para obtenção de seu objetivo de paz? Ou ainda, estaria realmente Dorita, representando o brasileiro neste momento?

E – Sergeant Manson. The picture that was in this frame. And Casey´s picture. It´s gone too. What have you done with it? Dorita.  Dorita, what are you up to?

D – Okay, I guess the jig is down. I might as well make a clean chest of it. Your picture and Vivian´s picture is the same picture.

Acuada e pressionada por Edie, Dorita agora transforma-se na representação da verdade que deve ser dita. A decisão de falar a verdade não se dá sem conflitos internos para ela, mas um senso de moral se fará maior, dando-lhe a força necessária para contar a Edie toda a verdade, esta mesma verdade, que até então, tentava encobrir.

E – What are you talking about?

D – Sergeant Manson is Sergeant Crazy and vice-a vice-a. You and Vivian both got same sweetheart between you.

Agora Dorita é a própria afirmação e segurança em pessoa, uma vez que não há mais como recuar. Se, num primeiro momento, à Dorita a mediação parecia ser a melhor solução, agora a única resposta possível é a verdade, à qual ela, sempre comandada por atitudes nobres e corretas, não se furtará.

E – Dorita, I think you´re a little…

D – No, I´m not little. I show you. Give me this picture. You don´t believe me, huh? I´ll show you. Look. That is your Sergeant Crazy. And I wash my face of whole business.

Há agora, por parte de Dorita, uma postura de dever cumprido, ainda que contra sua vontade, pois preferiria, a todo custo, evitar o conflito, e, consequentemente, sofrimento e dor. Isto torna seu papel, neste momento, ainda mais edificante. O que vemos nesta cena é uma Dorita de um caráter irrepreensível, agindo exatamente como se espera que aja alguém de bem, com correção. Dorita sai da cena, que continuará ainda com Edie e Vivian por mais alguns segundos. Encaminhando-se para o ensaio, já fora de casa, na escada que dá aceso ao jardim, Dorita encontra o sargento Mason e seu colega do exército, o sargento Pat Casey, e a cena recomeça:

SM – Dorita, Where´s Edie?

D – Oh, it´s you. Shamon  you, you Dr. Jekyll and Mr. Hyde.

Mais uma vez, vemos Dorita encarnar o bastião da moralidade e da honestidade. E faz isso com grande veemência quando o compara ao personagem do romance de Robert Louis Stevenson, The strange case of Dr. Jekill and Mr. Hyde, na qual um advogado investiga a vida de duas personagens distintas, mas que na verdade são a mesma pessoa. E a cena prossegue:

SM – Them Edie knows. And Vivian?

D – I just spilled the cat out of the beans myself.

Ela fez novamente o que qualquer pessoa de bem faria em seu lugar: trazer a verdade à tona. Aqui, cabe fazer uma digressão, introduzindo o pensamento bakhtiniano sobre determinadas personagens da tradição, as quais são as portadoras da verdade.

Carnavalização, para Mikhail Bakhtin é um conceito. Faz parte da proposta do teórico russo estudar os fenômenos da língua e da linguagem através de uma translinguística e não da linguística formal. Esta, para ele, se preocuparia com os fenômenos formais da língua; aquela, preocupar-se-ia com os fenômenos socioculturais:

Bakhtin fala explicitamente da necessidade de duas disciplinas distintas para o estudo da linguagem verbal: a linguística e a translinguistica (que Bakhtin chamou de metalinguística) – para o estudo das práticas socioverbais, concentrando-se particularmente em sua dinâmica e significação, tratando, entre outros aspectos, das relações dialógicas.[6]

As relações dialógicas, para o pensador russo, são as infinitas relações discursivas que a voz de um indivíduo estabelece com outrem. É no interior dessas relações, e pensando sempre a linguagem numa relação dialógica, que Bakhtin traz a ideia da carnavalização, que teria como ponto fundamental o riso, que tudo dessacraliza e relativiza.[7] Segundo o próprio Bakhtin:

O verdadeiro riso, ambivalente e universal, não recusa o sério, ele purifica-o e completa-o. Purifica-o do dogmatismo, do caráter unilateral, da esclerose, do fanatismo e do espírito categórico, dos elementos do medo ou intimidação, do didatismo, da ingenuidade e das ilusões, de uma nefasta fixação de um plano único, do esgotamento estúpido. O riso impede que o sério se fixe e se isole da integridade inacabada da existência cotidiana. Ele estabelece esta integridade ambivalente.[8]

Para defender tal ponto de vista, o teórico russo estuda profundamente o contexto do carnaval na Idade Média e no Renascimento, escolhendo Rabelais como o mais importante representante da verve paródica e irônica deste período, “porque o menos estudado”[9] em russo. Para Bakhtin, a questão não é o carnaval em si – ou como pensamos o carnaval no Brasil, com suas complexidades de imensa variedade temática, cromática, cultural, etc. – e sim a capacidade de “o carnaval não absolutizar nada, apenas proclamando a relatividade de tudo”.[10] Então, Bakhtin passa a estudar a “literatura carnavalizada, a literatura que, direta ou indiretamente, através de diversos elos mediadores, sofreu influência de diferentes modalidades do folclore carnavalesco (antigo ou medieval)”.[11]

Nesta rica e vasta literatura, nessa imensidão dialógica, Bakhtin percebe que algumas personagens são cômicas, hilárias, satíricas (ele se preocupou com um tipo específico de sátira, a menipeia), paródicas, ou seja, o inverso da seriedade. Ele percebe que os heróis não podem ser cômicos, pois o riso é uma “segunda natureza do homem”[12]. Não obstante, o riso, mesmo que sardônico, imoral, sujo, “das partes baixas”[13], é justamente o componente nessas literaturas que aponta a verdade, o verdadeiro, o real, o correto, seja por oposição, por revelação mística ou ainda pela capacidade de o riso (às vezes aliado ao vinho ou à loucura) simplesmente deixar a consciência livre. A quem caberia este papel: ao louco, ao doido varrido, ao bufão, ao bobo da corte, ao palhaço, etc., ou a qualquer personagem que, mesmo vestida com trajes sérios, como os do juiz ou do soldado, são paródias, são construções carnavalizadas da sociedade.

Do mundo antigo, Bakhtin, elege Petrônio e Apuleio como exemplos desse processo satírico de demonstração da verdade. Em Apuleio, por exemplo, um homem só pode transcender (o romance de Apuleio é uma paródia de textos religiosos ou de um discurso religioso sobre a transcendência mística) após passar por inúmeras aventuras como um burro. Já na Idade Média e na Renascença são inúmeros os casos de carnavalização, de inversão, mas, como já citado, Bakhtin detém-se nas obras de François Rabelais, nas quais não apenas há uma inversão de valores e papeis sociais, mas uma construção grotesca da sociedade em geral:

Costuma-se assinalar a predominância excepcional que tem na obra de Rabelais o princípio da vida material e corporal: imagens do corpo, da bebida, da comida, da satisfação sexual. São imagens exageradas e hipertrofiadas (…) Demais autores do Renascimento (Boccaccio, Shakespeare, Cervantes) revelaram uma propensão análoga, mas menos acentuada (…) No entanto, as imagens referentes ao princípio material e corporal em Rabelais (e nos demais autores do Renascimento) são a herança cultural (um pouco modificada, para dizer a verdade) da cultura cômica popular, de um tipo peculiar de imagens e, mais amplamente, de uma concepção estética da vida prática que caracteriza essa cultura e a diferencia das culturas dos séculos posteriores.[14]

Bakhtin não deixou estudos particulares sobre a literatura moderna ou contemporânea por motivos que aqui não cabe comentar, mas seus estudos possibilitaram inúmeros diálogos com outras literaturas e outras manifestações estéticas, inclusive a possibilidade de extrapolarmos os estudos feitos por ele com base na literatura em particular e nos fenômenos da língua. Caryl Emerson, por exemplo, assinala que em Bakhtin, “o riso é a negação prenhe de afirmação”, lembrando, nas próprias palavras do mestre que Dom Quixote é impotente sem seu servidor e este não tem nenhum valor se está apenas atrás do valente cavaleiro[15]. Há uma relação dialética entre ambos. No riso ambivalente dessas personagens, está a verdade.

Para o pesquisador americano, a obra de Bakhtin foi dividida em língua inglesa em três grandes eixos, a prosaica, o diálogo e a inconclusibilidade. Não cabe discutir aqui as duas primeiras (que incluem o texto em si e o discurso), mas no interior na terceira está o carnaval:

Sob condições carnavalescas, um corpo humano é precioso não tanto por sua capacidade de falar quanto por sua capacidade de incorporar outros corpos, de absorver algo de externo ou de transpirar algo de interno – em suma, de servir de conduto entre o organismo humano e o mundo dos processos naturais, cíclicos (…) Para Bakhtin, essas trocas sempre conduzem à fertilização e ao crescimento.[16]

O mundo moderno e o contemporâneo não ficaram infensos a esta carnavalização e prova disso são os inúmeros romances cômicos, o teatro cômico, e demais demonstrações de inversões de papeis e de demonstração da verdade. No cinema em particular, há personagens que ficaram conhecidas justamente pela verve cômica, satírica ou irônica, em variados tons: desde o Carlitos de Chaplin, com sua simplicidade red neck, pobre e verdadeira, até as personagens geralmente escolhidas por Jim Carrey, marcadas pelo tom exagerado e por vezes escatológico. Em franco diálogo com o cinema ou frequentando-o, por vezes, a primeira metade do século XX viu surgir, além de Chaplin, Cantinflas, os irmãos Marx. Tais personagens (mescla de atores, diretores, produtores) traziam para o cinema algumas características comuns ao vaudeville, ao teatro cômico, ao circo, a representações populares de rua, com antiga tradição. Não cabe aqui discutir essa relação com o passado remoto, mas tanto nos EUA quanto no Brasil, as raízes europeias dessa representação cômica mesclam-se com características locais: o terno “moderno”[17] de Chaplin, a roupa “baiana” de Carmen.

No Brasil, Monteiro Lobato cria a personagem Jeca Tatu, que representa o caboclo brasileiro, pobre esquecido pelo poder público. Porém, quando é incorporado por Mazzaropi, mescla a outra personagem da tradição ibérica, Pedro Malasartes e passa, de um coitado e tolo, a ser espertalhão e dono de uma verdade “do interior”, pura de certa forma, porque não conspurcada pela modernidade ou pela vida industrial. Personagens desse tipo são bastiões de uma verdade antiga, ou de uma possibilidade de revelação. São justamente estas personagens que Bakhtin analisa em seus estudos, mostrando como sua carnavalização atua como processo social e estético, tendo como resultado uma relação dialética com outras personagens, ditas sérias.

No mesmo diapasão, encontra-se o fenômeno único de Carmen Miranda. Nenhuma outra personagem terá feito tanto sucesso como baiana, tampouco a baiana culturalmente falando é a vertente masculina do Pedro Malasartes, do Jeca Tatu ou do malando carioca.[18] Mas Carmen fez escolhas felizes: lado a lado de seu sorriso coruscante, ela colocou sabiamente elementos de uma tropicalidade exótica para os americanos, e construiu uma personagem única, que se misturava com sua personalidade, com seu modo de agir fora das telas.

É essa baiana não baiana, é essa mulher brasileira, mas portuguesa de berço, é essa personagem mesclada e carnavalizada (em sentido bakhtiniano) que vemos na cena em questão, adotando uma postura não apenas da verdade da tradição cômica, como mesclando-o ao discurso da verdade dos americanos, do bom-mocismo.  Tal mescla explica em parte as cores que foram definidas para esta cena.

Finalizada esta digressão, voltamos à cena:

Evidentemente Dorita, como mulher, identifica-se com os sentimentos de sua parceira, em especial o sofrimento de Edie, sua colega de trabalho no clube noturno. Nesta fala, vemos um discurso de gêneros, também, dando sequencia ao diálogo (em sentido bakhtiniano, diálogo com outras vozes) quando Dorita assume claramente a defesa do lado feminino do enredo.

SM – You did? Gee, what will I do?

D – I don´t care what you do. I know what I do if girl take my man away from me.

A partir desta fala. Dorita ainda mantém o tom de bronca, mas, ao mudar de assunto, quando deixa de falar do trio Mason, Edie e Vivian, e passa falar sobre como ela própria reagiria em tal situação, Carmen encontra mais espaço para comicidade, mostrando uma abordagem sobre a latinidade, onde podemos vislumbrar, novamente, a passionalidade e a sexualidade.

SM – What do you mean?

D – I break her into little hunks…and them I break him into little hunks…and them I take all the little hunks and… Well, goodbye, I must do some rehearsalings.

Aqui Dorita mostra seu lado irracional, de uma irracionalidade passional, típica de quem fala muito, mas na verdade, não é capaz de atos violentos. Do ponto de vista de nosso contexto cultural, podemos dizer que é o Brasil que vemos aqui, um país continental que pode espernear, mas sem grande poder de decisão.

Sob o ponto de vista técnico do filme, sua decupagem, e como decupagem cito Noel Burch, onde ele diz que a decupagem “não se trata mais desta ou daquela fase da concepção prévia do filme, desta ou daquela operação técnica: trata-se, exatamente, da feitura mais íntima da obra acabada[19], o filme segue o cânones do cinema clássico. Nas cenas propriamente analisadas, na primeira delas, teremos apenas três planos seqüência, com movimentação de câmera acompanhando a movimentação dos atores. Não se fez uso do campo/contracampo, com os diálogos acontecendo normalmente dentro do enquadramento Pan´Americano, ou próximo do close, sendo que os cortes, são diretos, sem construção de elipses, com uma continuidade temporal muito próxima da realidade. Entre a saída de cena de Dorita, e o seu retorno, temos uma elipse que pode muito bem ser mensurada pelo espectador, pois trata-se de uma elipse com continuidade temporal. A segunda cena se dá em apenas um plano seqüência, com aproximação de câmera e um único enquadramento com os três atores.

Para pensarmos as cores do figurino propriamente ditas, penso que se faz necessário definir de que tipo de cor estamos pensando. Afora isso, como tratamos recentemente da carnavalização em sentido bakhtiniano, vale lembrar que, para o teórico russo, a análise de um processo de comunicação teria de ser translinguístico, ou seja, levando em conta outros elementos, que vão além das palavras e do texto em si.

Existem três tipos de cores, ou “efeitos luminosos, constituídos por radiações eletromagnéticas, capazes de provocar a sensação que denominamos cor”[20]. São eles: a cor luz, que é visível, mas imaterial, e a cor pigmento, opaca e transparente, que são visíveis e matéricas. Qual seria o caso aqui? Um filme, quando é projetado na tela do cinema, ou reproduzido por meio de dvd ou similares, nos mostra a cor vista a partir da projeção da luz, portanto o que estamos vendo é a cor luz; por outro lado, o que vemos projetado pela luz é a imagem de uma cor que se constituiu num primeiro momento, como objeto, a partir de pigmento, como o tingimento de um tecido, por exemplo, que ocorre por pigmentação. Portanto, optei por pensar a cor, neste caso, da forma que me parece ser a primeira instância desta cor, ou seja, a cor pigmento. Vale lembrar também, que esta película foi filmada na matriz techinicolor, onde vemos mais vermelho.

O branco

O branco é o resultado da soma de todas as cores do espectro solar, ou seja, a cor luz. Já em pigmento, “o que se chama de branco é a superfície capaz de refletir o maior número possível de raios luminosos contidos na luz branca”.[21] Os brancos mais utilizados pelos artistas são os brancos de prata, produzido por carbonato de chumbo puro, o branco de zinco, feito a partir do óxido de zinco, o branco de titânio, e o branco de barita, originado do sulfato de bário. Dentro das diversas escalas de cores desenvolvidas até hoje, o branco é sempre o extremo de qualquer escala, por isso às vezes é representado pelo número 0 ou pelo número 100. Curiosamente, ainda que do ponto de vista físico, o branco seja a soma de todas as cores, o homem a percebe na verdade como a ausência total de cores. No plano simbólico, o sentido é o de uma natureza que faz pensar em dois pontos extremos, como o anoitecer e o amanhecer, dois extremos que se ligam como a vida e a morte. Podemos encontrar em vários rituais místicos, o uso da cor branca como indicativo de mutação e transição do ser. Exemplos muito próximos da nossa realidade são os candomblés da Bahia, nos quais o branco predomina absoluto, e o caso dos cristãos, para os quais o branco simboliza a pureza, por representar uma cor que está por surgir ainda, como algo que ainda vai acontecer. São exemplos os trajes de primeira comunhão e o vestido de noivas, ambos trajes que lembram a pureza e a virgindade, notadamente a partir do século XIX. Para o mundo contemporâneo, entretanto, o branco encontrará sua maior significância na representação da paz. Na história da arte, o questionamento sobre o branco como cor tem como seu momento mais importante, talvez, a criação da tela “Quadrado branco sobre fundo Branco”, pintura Suprematista de Kasimir Malevitch, em 1915.

O azul

O azul é cor primária encontrada nas três tríades de cores primárias (cores-luz e cores pigmento-opaco e transparente), sendo sempre a mais escura das três, criando uma analogia com o preto. É uma cor fria e indecomponível, tanto na cor-luz como na cor-pigmento. Em cor pigmento, sua complementar é o laranja, que, quando disposta ao lado do azul, cria uma sensação de vibração. O azul, se misturado ao vermelho, gera o violeta, e, se misturado ao amarelo, gera o verde. Seu estado característico de cromacidade é o azul ultramarino, sendo o tom mais escuro o azul-da-prússia. É uma cor utilizada há mais de 5.500 anos, pelos egípcios, que obtinham o azul através da azurita moída, ou lápis-lazúli, os quais a consideravam como a cor da verdade. A partir da década de 10 do século XX, passa-se a produzir o azul-ultramar de forma sintética. No plano simbólico ou de representação, por ser a mais profunda das cores, onde o olhar penetra a mais imaterial das cores, surgida sempre em corpos transparentes como o céu ou o vidro, é a cor do infinito e dos mistérios humanos. Para Pedrosa, “diante do azul a lógica do pensamento consciente cede lugar à fantasia e aos sonhos que emergem dos abismos mais profundos de nosso mundo interior, abrindo as portas do inconsciente e pré-consciente”.[22] Para os budistas tibetanos, o azul é a cor de Vairocana, que representa a sabedoria transcedental. É a cor do manto de Nossa Senhora, mãe de Jesus, bem como a cor do vestido de Iemanjá, orixá que representa o mar, no Brasil. Foi também a cor dos “Campos Elísios, superfície onde surge a luz dourada que exprime a vontade dos Deuses”.[23] Talvez por isso, por essa idéia de superioridade sugerida pelo azul, se comparado com outras cores, a nobreza o tenha escolhido como sua cor, surgindo daí a expressão “sangue azul”, que o qualificaria nobre e superior. Simboliza ainda a justiça, lealdade, beleza, boa reputação, nobreza e fidelidade. No campo das artes visuais, o artista que provavelmente mais se identificou com esta cor foi Yves Klein. Não por acaso, um determinado tom de azul, leva seu nome, o azul Yves Klein.

O vermelho

Cor quente e primária nas tríades de cores-luz (vermelho, verde e azul-violetado), e nas cores-pigmento opacas (vermelho, amarelo e azul). É cor fundamental por ser uma das sete cores do espectro solar, sendo ela também indecomponível tanto em cor-luz como em cor-pigmento. É a cor mais saturada cromaticamente e, portanto, a cor mais percebida pelo olho humano. No plano simbólico, o vermelho será muito importante para muitos povos:

As contraditórias características físicas do vermelho deram origem à bivalência de imagens inspiradas por elas, surgindo entre os alquimistas a idéia simbólica de dois vermelhos, um noturno, fêmea, possuindo um poder de atração centrípeta, e outro diurno, macho, centrífugo.[24]

Este vermelho noturno, centrípeto, foi visto como a chama da vida que anima o gênero humano e a terra: cor da libido e do coração, da ciência e do conhecimento esotérico, cor da alma. Já o vermelho diurno, centrífugo, será, tanto para o profano, como para o sagrado, a representação da juventude, saúde, riqueza e amor.

Para os cristãos, representa o amor divino. No Japão, símbolo da felicidade e sinceridade. No oriente, é a cor dos rajás. No mundo contemporâneo, assinala Pedrosa, desde “a Comuna de Paris, o vermelho passou a simbolizar a revolução proletária e é atualmente identificado como símbolo ideológico. Em todos os países do mundo, o vermelho significa perigo e sinal fechado para o trânsito. Por sua capacidade de penetrar mais profundamente a neblina e a escuridão do que outras cores, ele é usado como luz de alarme em torres elevadas, cimo de edifícios, proas de embarcações etc.”[25] Na arte, o vermelho ganha sua autonomia como cor, somente a partir da obra de Matisse.

Evidentemente que todas as possibilidades de significados e interpretações possíveis sobre as cores que foram apresentadas até aqui, não esgotam, nem de longe, o levantamento de outras infinitas interpretações e significações para cada cor. Mas dentro do que foi apurado até o momento, será que podemos encontrar alguma relação, ou mesmo eco, entre os possíveis significados da cor e o figurino de Dorita, visto aqui como objeto comunicacional? Será que o branco está ali para significar e comunicar que Dorita representa o limiar entre o começo e o fim de algo, ou ainda, algo em estado de pureza e que está por vir? E quanto ao azul: estaria ali para nos dizer que Dorita é nobre, leal e justa? Ou ainda o vermelho, a nos dizer que ela significa a chama que anima a vida, ou o Amor Divino? Talvez sim, mas penso que a chave de compreensão dessas cores, e a imagem, ou as imagens que elas possam comunicar não estejam na observância delas individualmente, mas sim em seu conjunto. E o conjunto nos diz bastante. A coisa mais imediata que observei sobre as cores deste figurino é que são as mesmas cores da bandeira norte americana, como já citado. Este dado, que só pode ser percebido no conjunto das partes, vai se fortalecendo a medida que se começa a estabelecer as relações do figurino com a cena, o texto, os próprios personagens, e o contexto em que isto acontece na trama. Vejamos: Carmen Miranda é Dorita, grande estrela “brasileira”, The Brazilyam BombShell, personagem cômico, engraçado, divertido, sagaz, e às vezes, um pouco ingênuo e até tolo. Mas nesta cena Dorita não veste as cores do Brasil; ela veste as cores dos Estados Unidos. Penso na necessidade de se usar, em uma cena séria, cores que não representam o personagem que as usa, mas sim, o país que recebe e adota tal personagem. Valeria lembrar as já mencionadas “orelhas de Mickey” que compõem este visual. Não se pode descartar a possibilidade de esta imagem americana por excelência contribuir para uma vestimenta “americana”, como um traje de super-herói, seja o Capitão América ou a Mulher Maravilha[26], que usam as mesmas cores e ainda as estrelas da bandeira americana. Sabe-se bem que Dorita tem quase a mesma história da própria Carmen; para Carmen, era quase como se representasse a ela mesma, afinal ambas são grandes estrelas brasileiras do show biz, com enorme sucesso na América do Norte. Mas bem de acordo com o texto, o que temos aqui é um figurino cuja palheta de cores não se propõe a revelar o personagem, mas sim redimensioná-lo, colocando este personagem a serviço de uma outra voz, que não a sua própria. Se comparado com os outros figurinos usados por Carmen no filme, vê-se que este é o menos espalhafatoso, menos erotizado (pois não vemos nem a menor fatia do ventre de Carmen, por exemplo), e se não fosse pelo turbante, este sim um típico adereço Carmen Miranda, sua roupa poderia ser usada por qualquer outra personagem feminina, por tratar-se de roupa elegante, mas muito simples, totalmente dentro dos padrões de normalidade do vestir da época. A palheta diz a mesma coisa, a combinação azul, vermelho e branco, justamente por ser a palheta de um dos maiores símbolos dos americanos, já faz parte do seu inconsciente coletivo, e, portanto, plenamente aceito por eles. Para os americanos, público alvo das produtoras, essa combinação era também exemplo de normalidade e segurança. A mim me parece que, justamente no momento em que Dorita tem de mostrar o seu lado mais correto, sério e justo, ela precisa necessariamente estar vestindo as cores dos Estados Unidos, como a nos dizer que tais qualidades não possam ser encontradas no povo brasileiro, afora o fato de que as cores oficiais de outros países não fazerem parte do imaginário dos americanos – esse era o risco. Talvez por isso, Entre a Loira e a Morena tenha sido, a exemplo de outros filmes de Carmen, “recebido com muita oscilação entre o fascínio e repulsa pelo público e pela crítica do Brasil”[27], porque aqui, também, “ao mesmo tempo em que reconhecemos a conquista da estrela, nos recusamos a aceitar esta imagem de nossa própria identidade”[28].

Já para a Gestalt[29], teoria a qual passarei a expor agora, e seu principal conceito sobre a percepção visual, a pregnância da forma é sua lei básica, e pode assim ser explicada:

As forças de organização da forma tendem a se dirigir tanto quanto o permitam as condições dadas, no sentido da harmonia e do equilíbrio visual. Qualquer padrão de estímulo tende a ser visto de modo tal que a estrutura resultante é tão simples quanto o permitam as condições dadas.[30]

Em outras palavras, diz-se que um objeto tem alta pregnância, quando tal objeto tende a ter naturalmente uma estrutura mais simples, equilibrada, homogênea e regular. Apresentando um máximo de harmonia e unificação, clareza formal com um mínimo de complicação visual na organização de suas partes ou unidades compositivas, teremos uma comunicação, independentemente de valores de juízo, mais rápida e direta e mais eficaz, portanto, com maior grau de pregnância. Evidentemente, a conclusão sobre maior ou menor grau de pregnância de uma forma, e suas unidades, está diretamente associada à avaliação de diversos aspectos, que não cabe explicar aqui, um a um. O que farei agora será investigar qual o grau de pregnância de nosso objeto de análise, o figurino de Dorita. Farei isso seguindo a metodologia proposta por João Gomes Filho.

Unidades/segregação

O figurino se segrega em quatro partes: plataforma azul claro[31], saia azul cobalto, chemisier listrado branco e vermelho e turbante branco vermelho e azul.

O conjunto é harmônico e bem proporcionado para o físico de Carmen. Existe uma ordem e uma regularidade que possibilitam uma leitura simples e clara, com uma perfeita articulação visual. Vejo também que esta harmonia se dá com ordem, pois encontramos concordâncias e uniformidades entre as unidades que compõe as partes do objeto, como, por exemplo, a repetição da cor da saia, do padrão do chemisier e do broche, no turbante. Esta harmonia é reforçada ainda mais pela regularidade das unidades do figurino, com uma simetria quebrada por poucos elementos (os broches, que ficam todos do lado direito e o laço da saia, amarado do lado esquerdo), onde as unidades de maior destaque, a chemisier e o turbante, mostram-se absolutamente simétricos. Talvez a quebra da simetria deva-se ao risco que se corre ao optar por uma simetria total, uma organização que tende a ser percebida mais rapidamente, mas que pode resultar em algo enfadonho. O contraste, “força que torna visível as estratégias da composição visual”[32], pode ser visto tanto na forma da unidade, saia = plano e chemisier = padrão, como na cor, na utilização principalmente de duas cores primárias e indivisíveis, o azul e o vermelho, que apresentadas em opacidade[33] criam um campo cromático de equilíbrio, temos também o contraste horizontal e vertical nas listras da chemisier, horizontal nos ombros, e vertical no corpo e mangas, estas linhas horizontais e verticais justapostas acabam por criar um dinamismo, e a leveza do tecido, com suas mangas bufantes, cria ritmo. Na cabeça vemos quatro elementos arredondados, os dois pompons e os dois coques, que juntos criam uma característica marcante de suavidade, delicadeza e maciez, características das formas orgânicas. São outros fatores que conduzem e favorecem a leitura visual, principalmente porque reconhecemos tais formas na natureza. A sequencialidade é outro fator pertinente a este figurino, visto claramente na chemisier, na sequência de suas linhas. Os pompons do turbante, não sei se propositadamente ou não, não estão simetricamente dispostos, embora sejam do mesmo tamanho, o pompom do lado direito está levemente inclinado para frente, e o pompom da esquerda, situado bem ao lado; este pequeno desvio, para meu olhar, acaba por criar um pequeno ruído visual, como uma interferência inesperada ou extemporânea[34]; já o padrão de listras usado no turbante, embora seja do mesmo tecido da chemiserie, não está disposto nem da forma horizontal, nem vertical. Vemos estas linhas dispostas de forma inclinada, as quais, se comparadas com a simetria da chemiserie, acabam por criar certa instabilidade, certa quebra da harmonia do conjunto.

Interpretação conclusiva Pregnância da forma

A imagem deste figurino de Dorita, como um todo, apresentou na maioria dos itens analisados, um posicionamento fortemente voltado para uma boa organização visual. Excetuando dois pequenos ruídos comunicacionais, os fatores que percebo mais fortemente são harmonia, proporcionalidade, ordem, regularidade, simetria, equilíbrio cromático, dinamismo e ritmo. São todos fatores altamente positivos, que fazem com que tal traje, tenha altíssimo grau de pregnância, com uma leitura rápida e fácil, ao mesmo tempo que rica e instigante visualmente, e que se  inserem na diegese, no momento da personagem, em seu papel no filme.

* Glauco Menta é graduado em Artes Cênicas pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (1990). Tem especialização em História da Arte no Speculo XX pela EMPAB — Escola de Música e Belas Artes do Paraná. Atualmente, ministra as disciplinas Artes Gráficas, História da Arte e História do Design Gráfico para os cursos de Design e Comunicação no Unicuritba — Centro Universitário Curitiba. Seus trabalhos nas artes plásticas já foram expostos em diversas mostras, salões, galerias, em coletâneas ou individuais. O artista já foi premiado em salões, sendo alguns exemplos o Prêmio Aquisição na VII Mostra de Gravura Cidade de Curitiba, PR, em 1986, o 1º Prêmio Varig de Viagem para Bangkok, Curitiba Arte 9, Salão Alci Ramalho Filho, em 1993, o Prêmio Aquisição no 52º Salão Paranaense, Museu de Arte Contemporânea, Curitiba, PR, em 1995 e o Prêmio Secretaria de Estado da Cultura no 2° Salão Nacional de Cerâmica, Curitiba, PR, em 2009.

Referências Bibliográficas

BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e o no Renascimento – o contexto de François Rabelais. Tradução de Yara Frateschi. 2 ed. Brasília: Edunb, 1993.

BAKHTIN, Mikhail. Problemas na poética de Dostoiévski. Tradução de Paulo Bezerra. Rio de Janeiro: Forense, 1997.

FARACO, Carlos Alberto. Linguagem e diálogo – as ideias linguísticas do círculo de Bakhtin. Curitiba: Criar, 2003.

CASTRO, Ruy. Carmen: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

EMERSON, Caryl. Os 100 primeiros anos de Mikhail Bakhtin. Tradução de Pedro Jorgensen Jr. Rio de Janeiro: Difel, 2003.

GATTI, José. “O vestido branco de Carmen – etnicidade, sincretismo e sexualidades subalternas”, Imagem e diversidade sexual. São Paulo: Nojosa Edições, 2004.

GOMES FILHO, João. Gestalt do Objeto: sistema de leitura visual da forma. São Paulo: Escrituras Editora, 2008.

PEDROSA, Israel. Da cor à cor inexistente. Rio de Janeiro: Senac Nacional, 2009.

PEDROSA, Israel. O universo da cor. Rio de Janeiro: Senac nacional, 2008.

ANEXO

Versão da legenda

E – Dorita, oque fez com a foto do Sargento Mason?

D – Que sargento?

E – Sargento Mason. Estava neste porta-retrato. E a foto de Casey. Sumiu também. O que você fez? Dorita! Dorita, o que está tramando?

D – Está bem, acabou a brincadeira. Chegou a hora da verdade.  A foto que você e Vivian têm é a mesma.

E – O que está dizendo?

D – O Sargento Mason é o Sargento Maluco. Você e Vivian dividem o mesmo homem.

E – Dorita. Acho que está meio…

D – Não estou, nada. Dê-me a foto aqui. Não acredita? Pois vai ver. Veja. Este é o seu Sargento Maluco. E lavo as mãos deste assunto.

M – Dorita? Onde está a Edie?

D – Ah, é você. Que vergonha, seu monstro, duas caras!

M – Então a Edie Sabe. E a Vivian?

D – Acabei de contar.

M – Mesmo? O que vou fazer?

D – Não quero nem saber. Sei o que faria se roubassem meu homem.

M – Como assim?

D – Acabaria com quem o roubou… e depois acabaria com ele…juntaria os pedacinhos e…

Bom, adeus. Vou ensaiar.


[1] José Gatti destaca que “em 1942, três anos depois de seu desembarque nos Estados Unidos, Carmen Miranda já tinha sido reconhecida internacionalmente e seu salário estava cotado entre os mais altos de Hollywood. In: “O vestido branco de Carmen – etnicidade, sincretismo e sexualidades subalternas”, Imagem e diversidade sexual. São Paulo: Nojosa Edições, 2004.

[2] O personagem Mickey Mouse foi criado em 1928 por Walt Disney e o desenhista Ub Iwerks, e dublado por Walt Disney. Como o filme foi produzido em 1943, a criação de Disney poderia muito bem ter servido de referência para a criação do adereço de cabeça usado por Carmen, neste traje. Não encontrei, porém, nenhuma informação técnica ou história sobre esta possível relação. Desta forma, o nome fica como escolha arbitrária porém consciente. Mais além, tal hipótese guanhará mais peso quando da discussão sobre cores.

[3] Optou-se pelo nome em francês, porque a palavra “camisa” em português não define certo traje feminino, com ou sem botões. Já a palavra “blusa”, neste caso, comum em certas partes do Brasil, não traduziria a peça utilizada pela atriz.

[4] Certamente uma criação em conjunto com o diretor cênico. Valeria lembrar também a fantástica habilidade da atriz que, mesmo quando incrivelmente solicitada nos sets de filmagem, nos shows, nas entrevistas, entre gente da indústria da moda e do mercado fonográfico, Carmem mantinha certa postura profissional muito elogiada. Ruy Castro disserta sobre isso in: Castro, Ruy. Carmen: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. p. 222 e seguintes.

[5] A versão em português foi copiada das legendas do filme e está em anexo.

[6] FARACO, Carlos Alberto. Linguagem e diálogo – as ideias linguísticas do círculo de Bakhtin. Curitiba: Criar, 2003. p. 91.

[7] Idem, p. 79.

[8] BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e o no Renascimento – o contexto de François Rabelais. Tradução de Yara Frateschi. 2 ed. Brasília: Edunb, 1993. p. 105.

[9] Idem, p. 1.

[10] BAKHTIN, Mikhail. Problemas na poética de Dostoiévski. Tradução de Paulo Bezerra. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 107.

[11] Idem, p. 107. Grifo do autor.

[12] BAKHTIN, CPIMR, p. 65.

[13] BAKHTIN, CPIMR, p. 107 e seguintes.

[14] BAKHTIN, CPIMR, p. 16.

[15] EMERSON, Caryl. Os 100 primeiros anos de Mikhail Bakhtin. Tradução de Pedro Jorgensen Jr. Rio de Janeiro: Difel, 2003. p. 128.

[16] Idem, p. 58.

[17] O paletó, no século XVIII foi criado para trabalhos braçais. Com o tempo, foi galgando seu espaço na sociedade até tornar-se uma das peças mais importantes do guarda-roupa masculino. Chaplin usa um terno – ou um costume, de duas peças – tradicional, mas roto, bem de acordo com a personagem Charlie.

[18] O século XIX foi particularmente pródigo na criação de personagens bufas ou histriônicas, naturalmente engraçadas, hilárias, justamente porque paródicas ou recriação de personagem da tradição ibérica. Vale lembrar o teatro brasileiro da época e personagens literárias como as do romance Memórias de um sargento de milícias, de Manuel Antonio de Almeida. talvez o exemplo mais notório dessa presença satírica no Brasil.  Esta presença no Brasil parece ser influência do romance espanhol pícaro. Comungam deste pensamento: Alfredo Bosi, Antônio Cândido e Afrânio O século XX também teve suas criações, no cinema, no teatro e na televisão.

[19] In: Burch, Noel. Práxis do Cinema. Editora: Perspectiva, 2006.

[20] In: Pedrosa, Israel. O universo da cor. Rio de Janeiro: Senac nacional, 2008. p 25

[21] In: Pedrosa, Israel. Da cor à cor inexistente. Rio de Janeiro: Senac Nacional, 2009. p 130

[22] In: Pedrosa, Israel. Da cor à cor inexistente. Rio de Janeiro: Senac Nacional, 2009. p. 126

[23] Idem. p. 127

[24] Pedrosa, Israel. Da cor à cor inexistente. Rio de Janeiro: Senac Nacional, 2009. p. 120

[25] Pedrosa, Israel. Da cor à cor inexistente. Rio de Janeiro: Senac Nacional, 2009. p. 121

[26] O Capitão América (Capitain America) foi criado em 1941, por Joe Simon e Jack Kirby, e a Mulher Maravilha, (Wonder Woman) foi criada igualmente em 1941, por William Moulton Marston. Ambos não apenas utilizam as cores da bandeira americana; podem-nas usar porque são bastiões da verdade, da força, da autenticidade. A Mulher Maravilha, por exemplo, tem ascendência divina. Ambos fazem parte de um complexo discurso patriótico americano da época da segunda grande guerra mundial.

[27] In: Gatti, José. “O vestido branco de Carmen – etnicidade, sincretismo e sexualidades subalternas”, Imagem e diversidade sexual. São Paulo: Nojosa Edições, 2004.

[28] Idem, p. 10.

[29] A Gestalt é uma escola de psicologia experimental. Considera-se que Christian Von Ehrenfels, filósofo austríaco de fins do século XIX, foi o precursor da psicologia da gestalt. Mais tarde, por volta de 1910, teve seu início mais efetivo por meio de três nomes principais: Max Wertheimer (1880-1943), Wolfgang Kohler (1887-1967), e Kurt Koffka (1886-1941). O movimento gestaltista atuou principalmente no campo da teoria da forma, com contribuição relevante aos estudos da percepção, linguagem, inteligência, aprendizagem,  memória, motivação, conduta exploratória e dinâmica de grupos sociais. A teoria da gestalt, extraída de uma rigorosa experimentação, vai sugerir uma resposta ao porque de umas formas agradarem mais, e outra menos.

[30] Gomes Filho, João. Gestalt do Objeto: sistema de leitura visual da forma. São Paulo: Escrituras Editora, 2008. p. 36.

[31] A plataforma aparece de modo muito rápido, apenas uma vez. Por esta razão, embora citada aqui a título de informação, ela não será analisada como uma parte em si.

[32]Gomes Filho,João.Gestalt do Objeto: sistema de leitura visual da forma.São Paulo:Escrituras Editora, 2008. p. 62

[33] Opacidade, no sentido de opor-se à transparência, e que se aplica a todas as unidades analisadas, posto que possuem uma mesma característica opaca, criando assim, um equilíbrio físico visual.

[34] Como é o caso das orelhas do Mickey, pois na maior parte de suas representações, ele é visto de lado e não de frente.

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