Carmen Miranda: tiquetaque transétnico*

José Gatti possui graduação em Jornalismo (1977) e Editoração (1974) pela Universidade de São Paulo; mestrado em Cinema pela Universidade de São Paulo (1981); mestrado em Cinema Studies (1988) e doutorado em Cinema Studies (1995) pela New York University. Atualmente é professor adjunto IV da Universidade Federal de São Carlos, onde leciona no curso de Imagem e Som, e professor colaborador da Universidade Federal de Santa Catarina, onde pesquisa, leciona e orienta trabalhos no Programa de Pós-Graduação em Inglês e Literaturas Correspondentes. Atua na Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual, tendo sido um de seus fundadores (ver www.socine.org.br). Tem experiência na área de Arte e Comunicação, atuando principalmente no campo das políticas de representação em cinema, televisão, vídeo e outros meios de comunicação.


Em 1942,
três anos depois de seu desembarque nos Estados Unidos, Carmen  Miranda já tinha sido reconhecida internacionalmente e seu salário estava cotado entre os mais altos de Hollywood. Foi uma carreira meteórica para uma artista que apresentava uma imagem absolutamente exótica para o público norte-americano. Naquele ano ela participaria de seu quarto longa-metragem, Minha secretária brasileira (Springtime in the Rockies, Irving Cummings, 1942), filme que reuniu astros da música popular para veicular propaganda da Política de Boa Vizinhança definida pelo governo Roosevelt.

Como ocorreu com os outros filmes hollywoodianos de Carmen, Minha secretária brasileira foi recebido com uma oscilação entre fascínio e repulsa pelo público e pela crítica do Brasil: ao mesmo tempo em que reconhecíamos a conquista da estrela, nos recusávamos a aceitar aquela imagem de nossa própria identidade. Mesmo assim, parece indubitável que a imagem criada por Carmen se fez onipresente em todo o mundo, sendo reconhecida em praticamente todas as latitudes. Carmen foi imitada, parodiada e admirada por muitos; sua persona inspirou filmes em lugares tão díspares como o Egito e as Filipinas; sua baiana tornou-se repertório básico de travestis e drag queens em diversos países; sua imagem virou marca de frutas comercializadas nos Estados Unidos até hoje. Posso arriscar que Carmen Miranda tornou-se uma das imagens-chave do século XX — uma porta de entrada para entendermos a evolução da indústria cultural, do papel da mulher, das diferenças étnicas e mesmo das relações geopolíticas de seu tempo. Carmen foi muito além do papel de embaixadora cultural do Brasil nos Estados Unidos e Minha secretária brasileira — assim como seus outros filmes hollywoodianos, estranhamente esquecidos pela crítica cultural brasileira — pode fornecer elementos para avaliarmos o alcance universal da tradução que ela fez de nós mesmos.[1]

Neste trabalho, quero focalizar particularmente sua interpretação do chorinho Tique-taque do meu coração (de Valfrido Silva e Alcyr Pires Vermelho), em que ela remonta mais uma vez a vestimenta da baiana, numa operação que sugere articulações étnicas e políticas inesperadas no contexto pretendido pelo filme.

A carreira da Carmen, até a véspera de sua morte,[2] foi marcada pelo profissionalismo e, ao mesmo tempo, pela busca constante da inovação. Sua persona no rádio, nos palcos e na tela já vinha de seus dias de cantora no Brasil. Seu repertório podia ser tradicional, romântico ou mesmo provocativo e paródico, com canções cheias de travalínguas.[3] Ela registrou em disco alguns dos mais importantes compositores do período, como Joubert de Carvalho (autor da marchinha Taí, o primeiro grande sucesso de Carmen), Ary Barroso, Vicente Paiva, Assis Valente e muitos outros. Nas palavras de Caetano Veloso, antes de partir para os Estados Unidos Carmen deixou no Brasil

o registro abundante de sua particular reinvenção do samba (…) O repertório deslumbrante recebia um tratamento precioso de seu estilo, feito de destreza e espontaneidade. A agilidade da dicção e o senso de humor jogado no ritmo são a marca de uma mente esperta.[4]

Apesar de manter, durante toda sua vida profissional, a pronúncia de erre vibrante múltiplo, própria do teatro lusitanizado e da canção pré-modernista,[5] Carmen esteve sempre atenta a novas linguagens e novos desdobramentos técnicos do rádio, da gravação e do cinema. Por isso mesmo ela seria nomeada, pela imprensa especializada, de “senhora dos segredos do microfone”.[6] Ela foi, efetivamente, das primeiras artistas brasileiras a dominar a técnica da gravação elétrica, implantada no Brasil ao final dos anos 20 e que era muito diferente das antigas matrizes gravadas em cera.[7] Na história da música popular brasileira, Carmen se coloca entre pioneiros como seu amigo Mário Reis, que tirava partido dos recursos oferecidos pelo microfone como fariam mais tarde os cantores do bebop e da bossa nova.

Além disso, ao embarcar para os Estados Unidos, Carmen já havia participado de vários filmes brasileiros, tendo sido dirigida por Humberto Mauro e Adhemar Gonzaga, entre outros.

Os relatos biográficos, no entanto, nem sempre deixam entrever a Carmen Miranda ativa e — principalmente — autora de sua própria obra. E é numa perspectiva autoral que quero abordar seu trabalho. A maior parte dos escritos a respeito de Carmen a vitimizam, num martiriológio que culmina com sua morte em 1955, aos 44 anos de idade, e que geralmente obscurece a importância de seu trabalho em Hollywood.[8] É comum lermos relatos sobre Carmen como apologias de um suposto fracasso seu em levar a “cultura brasileira” para Hollywood, e a estilização da vestimenta de baiana esteve entre os alvos favoritos de seus críticos no Brasil, que a consideravam excessiva.[9] As críticas às variações da baiana foram sempre informadas por noções discutíveis, de autenticidade e nacionalismo,[10] e tenderam a ignorar as possibilidades de adaptação, transformação e — principalmente — politização simbólica propostas por Carmen. Abordada no contexto das políticas de representação — entendido aqui como espaço de constante negociação–, a obra de Carmen  terá necessariamente de ser reavaliada.

Assim, ao valorizar a Carmen multiautora — intérprete, coreógrafa, figurinista –, vejo a possibilidade de se entender o espaço de negociação que ela efetivamente conquistou em Hollywood — e não necessariamente aquilo que não pôde realizar. É sabido que os produtores interferiam diretamente em seu trabalho, determinando, entre outras medidas, que ela fosse relegada a personagens coadjuvantes e que mantivesse um sotaque carregado, acentuando seu estrangeirismo (apesar de em pouco tempo dominar muito bem o inglês) — mas, ao que parece, interferiram muito menos no repertório, na coreografia e nos figurinos, áreas em que Carmen detinha maior poder. Seu talento se tornaria matéria-prima para roteiristas, produtores, coreógrafos e diretores de Hollywood. Eles esceveriam inúmeros diálogos com piadas e trocadilhos referentes ao figurino de Carmen; decidiriam movimentos a partir da coreografia proposta por Carmen; comporiam quadros, escolheriam cores e produziriam retroprojeções em função da luz emitida pela face de Carmen.

Sua performance, desde o início da carreira, incluía coreografias como a que pode ser vista em dueto com sua irmã Aurora no filme Alô, alô, Carnaval (Adhemar Gonzaga, 1936), e aquela que estabeleceria um padrão, na interpretação de Que é que a baiana tem? no filme Banana da terra (João de Barro, 1939). Nesse filme ela apresenta seu primeiro figurino de baiana, que celebrizaria internacionalmente, acompanhada por um grupo liderado por Dorival Caymmi, autor da canção. Nas palavras de João Luiz Vieira, nessa cena

as pulseiras, o turbante, os brincos e balangandãs, os tamancos altíssimos e o torso de seda, aliados aos gestos ensaiados por Caymmi, emblematizam em sua persona artística a superposição da música popular brasileira com outros símbolos de nossa cultura tropical.[11]

Em depoimento colhido por Ana Rita Mendonça, Dorival Caymmi conta que durante a produção de Banana da terra acompanhou Carmen até a costureira, que era casada com o compositor Vicente Paiva. “Caymmi lembra do tecido argentino escolhido por Carmen, com listras vermelhas, verdes e amarelas. Depois, foi com ela escolher os balangandãs na Avenida Passos. E no dia da filmagem sugeriu meneios a Carmen”. Quanto a este último dado — dos meneios –, fica difícil separar o que teria sido criado e sugerido por Caymmi ou por Carmen. Trata-se da célebre coreografia da baiana de Carmen, que elevava seus braços e volteava as mãos, sugerindo evocações de danças ibéricas, enquanto dos quadris para baixo os movimentos eram africanos, compondo um quadro francamente sincrético.

O turbante tinha “frutas, que a própria Carmen juntou ao torço da cabeça, evocando as ambulantes baianas, numa escolha que se revelaria premonitória”.[12] Essa roupa, inspirada nas vendedoras de origem africana da Bahia e do Rio de Janeiro e nas mães-de-santo do candomblé, já era usada como fantasia de carnaval no princípio do século XX, como atestam fotos e filmes da época.[13] Carmen, por sua vez, redesenharia a baiana inúmeras vezes, adaptando-a de acordo com as exigências da cena. De fato, Carmen estava capacitada para desenhar seu próprio figurino: antes de iniciar sua carreira da cantora, ela aprendeu corte e costura com sua irmã Olívia e trabalhou como chapeleira e modista no então centro elegante do Rio.[14] João Luiz Vieira afirma que

é muito provavelmente através dessa exposição ao mundo da moda que Carmen desenvolveu uma aguda intuição do papel do vestuário em diálogo com o corpo, uma relação organicamente experimentada com total domínio pela futura cantora.[15]

Assim, o turbante podia se transformar numa cesta de frutas, flores, guizos ou mesmo numa carga de várias toneladas sendo desembarcada de um navio, como ocorre na seqüência de abertura de Entre a loura e a morena (The gang’s all here, Busby Berkeley, 1943). A saia podia aparecer em cores, estampas e comprimentos diferentes; os célebres balangandãs podiam ser de metal, pedraria ou pingentes de pano, como se tivessem sido surrupiados de alguma cortina. E os tamancos de plataforma, que serviam para aumentar sua estatura no palco, deram origem a linhas de calçados vendidos comercialmente e foram objeto de boatos absurdos.[16]

Cássio Emmanuel Barsante, biógrafo de Carmen, adverte no entanto que

É importante salientar que não se deve unicamente ao traje de baiana o sucesso de Carmen Miranda. Nem foi ela a primeira a usá-lo aqui no Brasil nem em Hollywood. Em 1928, a cantora Aracy Cortes já fazia sucesso no teatro de revista com a roupa típica das mulheres do Bonfim e houve um tempo em que as fantasias de marinheiros e baianas simplesmente eram proibidas nos bailes de carnaval do Teatro Municipal, do Rio de Janeiro, por serem consideradas excessivamente vulgares.[17]

Por isso mesmo, pela vulgaridade atribuída à roupa de baiana, que  Carmen hesitou em usá-la. Mas depois de seu sucesso no cinema brasileiro, as baianas seriam revalorizadas socialmente. Em 1939 as baianas invadiram os bailes grã-finos, devido à estilização promovida por Carmen.[18]

Carmen ainda encontraria outros usos para a vestimenta: numa clara estratégia de relações públicas, Carmen presenteou várias celebridades com a roupa. Quando o astro hollywoodiano Tyrone Power passou pelo Rio em 1938, sua noiva Annabella ganhou uma vestimenta de baiana de Carmen. Isso ocorreria com outras visitantes ilustres, como a atriz-patinadora Sonja Heine.[19]

E, anos depois de sua morte, anos em que, segundo Caetano Veloso, a presença de Carmen Miranda em nosso imaginário ia “no sentido inverso ao dos nosso anseios de bom-gosto e de identidade nacional”,[20] Carmen e sua baiana seriam recuperadas pelo Movimento Tropicalista, de forma paródica e, ao mesmo tempo, profundamente afetuosa. A obra de Carmen se mostrava mais uma vez necessária. Caetano escreve que o Tropicalismo

tomou-a como um de seus principais signos, usando o mal-estar que a menção de seu nome e a evocação dos seus gestos podiam suscitar uma provocação revitalizadora das mentes que tinham de atravessar uma época de embriaguês nas utopias políticas e estéticas, num país que buscava seu lugar na modernidade e estava sob uma ditadura militar.[21]

Assim, acredito que para entender essa trajetória infinda, tantas vezes confundida com a busca de nossa própria identidade imaginada, valerá a pena revisitar momentos da carreira de Carmen, no Brasil e nos Estados Unidos.

Minha secretária brasileira traz Carmen no papel da brasileira-de-origem-irlandesa Rosita Murphy, que vem a ser contratada como secretária pelo alcoolizado empresário e cantor Dan Christy (vivido pelo galã John Payne). No filme, ele faz par romântico com a cantora e dançarina Vicky Lane (a estrela Betty Grable, em plena ascensão na época).[22]

Além de Rosita, os outros personagens secundários são Victor Prince, criado pelo grande amigo de Carmen, César Romero[23], um aventureiro que parece disputar Vicky Lane com Christy; Phoebe Gray, a camareira de Vicky Lane, é uma atuação da veterana Greenwood, que demonstra seus dotes de dançarina cômica[24]; e ainda McTavish, o pajem de Christy, vivido pelo consagrado comediante Edward Everett Horton.[25] Harry James, trumpetista, maestro e arranjador de big band, representa a si próprio (e, na vida extra-fílmica, se casaria com a estrela, Betty Grable). É sua orquestra — The Music Makers — que acompanha quase todos os números musicais.[26]

A história, que tem como foco os ires-e-vires do belicoso-porém-amoroso casal principal, se passa num hotel de Lago Louise, um balneário nas Montanhas Rochosas canadenses — cuidadosamente representado em retroprojeções e cenários pintados. O número musical que fecha o filme, do qual participam todos os personagens, é uma clara alegoria panamericana, com ritmos, melodias e coreografias de várias latitudes num esforço de estabelecer um continuum político-cultural do Canadá à Argentina, como se não houvessem hegemonias e subalternidades. As diferenças, no entanto, são evidenciadas pelas presenças de Carmen Miranda e do Bando da Lua, que marcam etnicamente a narrativa de Minha secretária brasileira, num elenco predominantemente branco/norte-americano. Ao lado de César Romero (que vive um personagem anglófono porém moreno, ostenta feições ibéricas e é exímio dançarino de tango), no elenco Carmen e o Bando vivem os não-brancos e de fala estrangeira — eles dificilmente seriam descritos como white (nem mesmo Carmen, com suas origens européias). Eles se destacam dos outros personagens, exclusivamente brancos e dotados de sotaques regionais norte-americanos. Em outros termos, num elenco predominantemente identificado como branco, anglo-saxão e protestante, ou ainda eurocêntrico,[27] esses personagens latino-americanos concentram sobre si o fardo da representação do outro.

Por outro lado, o contexto cultural canadense é absolutamente rarefeito na narrativa. As primeiras imagens do hotel de Lago Louise são pontuadas pela performance de Harry James, com seu trumpete em primeríssimo plano, que toca para uma platéia que se espalha pelo enorme salão. A crooner canta em inlgês; seu vestido contem alguns adereços que remetem, vagamente, a elementos “típicos” indígenas. Aqui e ali podemos ver a figura distante de um Polícia Montada canadense, com seu casaco vermelho e chapéu característico, em meio aos turistas. No fundo do salão, dois ou três figurantes vestidos de indígenas, com cocares de penas, decoram o ambiente. Exceto pelos funcionários (brancos) do hotel, não teremos mais referências canadenses explícitas. O hotel de Lago Louise — assim como a paisagem ao fundo — parece se limitar a servir de palco para os encontros e desencontros dos protagonistas estadunidenses.

Mas quando a orquestra termina esse primeiro número, a câmera move seu foco para um remoto canto do salão onde dois homens conversam. O plano é curto, mas a identidade étnica e cultural dos personagens é inconfundível. Pele escura, cabelos longos e trançados, indumentária de garçom, tom levemente alcoolizado. Não há dúvida: são indígenas, desta vez sem cocares. Solitários — eles não são vistos em interação com mais ninguém — são esses dois personagens que representam, em todo o filme, a população local das Montanhas Rochosas dotada de fala. Ouve-se um diálogo:

NUVEM BRANCA

Cervo Veloz, esse Harry James é supimpa, não é?

CERVO VELOZ

Claro que é, Nuvem Branca, mas é a melodia que me toca.

NUVEM BRANCA

Certo.

Caminhando em direções diferentes, eles se cruzam e desaparecem de cena.[28]

De certo modo, o diálogo incapacita esses personagens de produzir mais sentido do que simplesmente corroborar a ação dos protagonistas brancos (no caso, a música de Harry James). A presença desses personagens no filme, tão deslocada na narrativa (pois não acrescenta nada à trama dos protagonistas), pode perfeitamente ter sido resultado de alguma pilhéria interna da produção, mas isso não importa aqui. Nesse plano-interlúdio, os dois índios  (ou nativos-norte-americanos ou nativos-canadenses) servem para corroborar sua própria falta de sentido. Sua alienação do universo humano de Lago Louise fica mais acentuada ainda quando se compara sua subalternidade à de outros personagens. Rosita trabalha como excêntrica secretária mas, assim como a camareira Phoebe, desfruta da intimidade de seus patrões, freqüentando os mesmos ambientes (o Bando da Lua, nessa perspectiva, são hierarquicamente inferiores); McTavish não é propriamente um mordomo, pois os espectadores logo ficam sabendo que se trata de um milionário disfarçado. Os garçons índigenas, por sua vez, não ocupam nenhum posicionamento na trama; eles surgem desnecessários, em nada mais que um rápido plano. Mas voltemos à narrativa de Minha secretária brasileira.

Rosita, a improvável secretária, revela a seu patrão que tinha sido inadvertidamente contratada quando ele estava bêbado, numa escala de seu vôo em Detroit. Ainda não refeito da surpresa de ter diante de si uma secretária particular que dispara frases num sotaque desconhecido, se enrola em panos multicoloridos e usa um turbante de onde pendem dois imensos pingentes de cortina, ela o surpreende ainda mais quando manda entrar seus seis irmãos. Rosita os apresenta ao atônito Christy como seus assistentes e desfia seus nomes, uns portugueses, outros irlandeses. Seus irmãos, para os olhares brasileiros, são os inconfundíveis integrantes do Bando da Lua.

A equipe de roteiristas do filme[29] certamente se inspirou em elementos apresentados pelos próprios artistas. Muitas das falas de Carmen foram escritas especialmente para ela (e claramente por ela  — como as falas em português, por exemplo). Além disso, o fragmento acima descrito figura um evento absolutamente real e, provavelmente de forma involuntária, traz referências biográficas. Quando foi chamada a trabalhar nos Estados Unidos, Carmen impôs como condição a contratação do Bando. Carmen escreveu uma carta ao produtor e empresário Lee Shubert, dizendo que “gostaria de aproveitar esta oportunidade para estabelecer um ponto de grande importância para mim, que são os acordos relacionados aos rapazes”.[30] Quando Lee Shubert se recusou, a cantora recorreu aos apoios de Maxwel Jay Rice, então representante da empresa de aviação PanAmerican, e de Alzira Vargas, filha do presidente da república.[31]

Ao levar o Bando da Lua para os Estados Unidos, o gesto de Carmen pode ser interpretado de muitas maneiras — talvez todas elas prováveis. Em primeiro lugar, sua generosidade ao receber e encaminhar brasileiros nos Estados Unidos se tornaria proverbial. Além disso, a presença do Bando da Lua garantiria a qualidade musical de seu trabalho, que poderia ser comprometido pela ignorância rítmica dos músicos norte-americanos a respeito do samba. Ao mesmo tempo, sua ligação sentimental com um dos integrantes, Aloysio de Oliveira, deve ter proporcionado segurança emocional para ela. Portanto, Carmen não estaria sozinha nos Estados Unidos, assim como Rosita, no diegético Lago Louise, também não estaria.[32]

Além disso, o episódio demonstra o interesse do Estado Novo na promoção de Carmen Miranda como representante do Brasil no exterior. Há um tempo talentosa e popular, Carmen reunia em sua persona a sambista de raiz e a comediante sofisticada. Além disso, para uma certa elite brasileira, era conveniente que fosse de origem européia, compondo um retrato embranquecido do Brasil.[33]

Assim é possível detectar, na obra de Carmen, uma constelação multicultural que suas origens não negam. Nos trágicos relatos biográficos pode-se identificar o sentimento do fado (ou destino), gênero musical hegemônico de Portugal (país de nascimento de Carmen), cheio de narrativas tristes de submissão ao inevitável e performatizado de modo solene (esse gênero exerceria forte influência no lirismo do chorinho e seria, ao lado do bolero hispano-americano, uma das raízes do samba-canção dos anos 40 e 50). Por outro lado, em sua carreira pode-se também identificar o sentimento do samba (ou umbigada[34]) como vazão extrovertida do desejo, dos desfiles carnavalescos do Rio (nos quais a marcha de origem militar seria totalmente carnavalizada). Essas duas vertentes expressivas, é bom lembrar, povoavam os ares musicais do Rio de Janeiro de Carmen, cidade de enorme presença portuguesa e africana.[35]

Depois de serem apresentados a Christy em seu quarto de hotel, Carmen e o Bando apresentam ali mesmo uma versão brasileira de Chattanooga choo choo (canção de Mark Gordon e Harry Warren). A interpretação dos brasileiros levanta questões étnicas específicas. Como a própria letra em português expõe, trata-se de uma peça que alterna ritmos de samba e boogie-woogie. Para as platéias brasileiras, a letra é uma mensagem que se enquadra na Política de Boa Vizinhança que prevalecia nas relações dos EUA com a América Latina. Para o público norte-americano, a performance era a prova de que o jazz ultrapassava fronteiras. Ao mesmo tempo, vale lembrar que em Minha secretária brasileira, como em muitos filmes musicais da época, a maior parte dos números de jazz eram interpretados exclusivamente por artistas brancos. E a significativa ausência de personagens ou atores afro-americanos no filme pode se evidenciar quando o jazz surge revisto pelo miscigenado Bando brasileiro, tornando evidente uma conexão negra do jazz e do samba, que emerge de um subterrâneo epistemológico, para usar o termo cunhado por Clyde Taylor.[36] Desse modo se reafirma, em Minha secretária brasileira, a raiz negra dessas formas musicais, pois para o público norte-americano os personagens latino-americanos portam a carga da representação étnica não-branca. Para o público brasileiro, entretanto, que pode considerar os integrantes do Bando (assim como a própria Carmen) como brancos (no espectro cor/raça vigente na sociedade brasileira), a ausência afro-americana (assim como a própria ausência afro-brasileira) pode não se tornar tão evidente. Além disso, pelo que se pode apreender dos registros da época, o elemento mais notório e discutido dos filmes de Carmen junto ao público brasileiro foi mesmo a representação do nacional, e não a questão das relações raciais.

A personagem da secretária cresce, no filme, à medida que se sucedem os encontros e desencontros do casal protagonista. Ela é, a princípio, usada por Christy para provocar ciúme em Vicky Lane. Mas isso se esclarece num diálogo entre as duas mulheres, um diálogo repleto de non-sense, em que as falas e o sotaque de Carmen criam as situações cômicas. Vicky a princípio se confunde com os tropeços lingüísticos de Rosita, mas aos poucos os espectadores se dão conta do lado engenhoso e sempre-alerta da secretária. Os personagens nunca têm certeza se os malentendidos de Rosita são propositais ou involuntários.

Elas se encontram no toalete feminino, cada uma diante de um espelho, conferindo a maquiagem. O diálogo se refere explicitamente às diferenças étnicas entre as duas.

ROSITA

Acho que vou gostar de vocês. São tão gentis!

VICKY

É totalmente sem intenção, eu garanto.

ROSITA

Obrigada… Queria ser loura. Fica bem em você. Acho que vou pintar meu cabelo!

VICKY

Que espirituosa! (com raiva) Mas meu cabelo é louro natural!

ROSITA

Pois não diga nada e ninguém saberá a diferença!

Rosita se apresenta, portanto, como dotada de ampla mobilidade étnica e nacional. Meio irlandesa (Ulster? Eire?), meio brasileira (Luso-? Ítalo-? Afro-? Cabocla?), Rosita (nome hispano?) admite a possibilidade de passar ainda por outras identidades étnicas, quem sabe tingindo seus cabelos de louro. Os cabelos servem, assim, de marcadores étnicos mutáveis e a Rosita de Carmen se apresenta com identidade móvel e fluida, fazendo de sua própria miscigenação um instrumento de adaptação, de um modo que antecipa posições relevadas por críticos contemporâneos.[37] Quanto à outra personagem em cena, Vicky Lane, tem sua própria identidade étnica desafiada por Rosita, que questiona a autencidade da cor de seus cabelos. (Isso pode parecer irônico, já que a loura Betty Grable efetivamente tinha seus cabelos tingidos.) Mas a mobilidade étnica e social de Rosita será posta a uma prova radical mais adiante no filme.

Rosita se aproxima de McTavish, o mordomo de Christy. Ele a toma por ingênua, mas o diálogo é rapidamente dominado pelas falas da brasileira, que driblam o parceiro. Em muitos diálogos de Minha secretária brasileira Rosita consegue, numa operação carnavalizante, inverter as intenções dos outros personagens, fazendo prevalecer seu desejo ao longo da ação. Assim, Christy  não quer contratá-la mas o faz; Vicky não confia em Rosita mas se torna sua cúmplice. O desconfiado McTavish, por sua vez, confidencia para Rosita que está em busca existencial, para aprender “o que faz bater o coração” (“what makes the heart tick”, ou “o que faz o coração bater”). E Rosita vai logo disparando:

ROSITA

Mas isso é maravilhoso!

MC TAVISH

O quê? (perplexo)

ROSITA

Quer dizer que nos damos bem!

MC TAVISH

É mesmo?

ROSITA

Sim!

E aqui os diálogos em inglês guardam (mais um) um trocadilho rimado, em que “Quer dizer que nos damos bem” é dito como “It means we click!”, que rima com “heart tick”. Desse modo, nesse diálogo absolutamente conduzido por Rosita, McTavish parece se convencer de que realmente gosta de Rosita. É o típico par romântico reservado aos personagens de Carmen em Hollywood: feio, desajeitado, não-sexual.[38] Até os beijos de Rosita em McTavish são cômicos, ruidosos e a portas fechadas — fora do alcance visual, tanto dos outros personagens quanto da platéia.

Mais tarde, quando se prepara para o primeiro jantar com seu patrão e alguns milionários, Rosita se encontra com McTavish no corredor do hotel. Ela exibe um conjunto de saia, blusa e turbantes imaculadamente brancos, e diz:

ROSITA

Gostou do vestido o patrão me deu?

MC TAVISH

É bonito, é sim.

ROSITA

Tem razão. Ele precisa de contas, flores, frutas, bolhas, bossa. Tenho uma idéia!

MC TAVISH

(surpreso) …É?

ROSITA

Dê-me dez pratas!

MC TAVISH

Dez pratas?

ROSITA

(rápida) Sim, dez dólares — eu preciso — eu pago depois.

Claudicante, ele tira as notas do bolso enquanto as mãos ágeis de Rosita as agarram num gesto acelerado. Ela sai, dizendo que vai até a loja do hotel, deixando McTavish atônito.

Quando retorna à cena, Rosita está vestida de modo muito diferente. Ela surge com o mesmo conjunto — que já era uma estilização minimalista e branca de turbante, torso e saia — mas agora coberto com vistosas franjas bordadas de miçangas coloridas, adereços de lápis-lázuli e fivelas ornamentadas de prata. Desse modo Rosita traz, no conjunto básico da baiana, o universo cultural dos dois indígenas desaparecidos da narrativa. Ela empresta, temporariamente, nosso signo de identidade (nacional, cultural, étnica) para reconhecer uma identidade maior (transnacional, transcultural, transétnica). Nesse momento de Minha secretária brasileira, luso-africanos e indígenas se encontram em posições semelhantes de subalternidade e seu encontro produz um sincretismo, um inusitado diálogo entre o mundo indígena das montanhas canadenses e o mundo africano da Bahia.[39]

É com essa roupa que Rosita enfrenta Vicky no toalete das damas; é vestida assim que leva os convivas às gargalhadas com seus trocadilhos ambíguos durante o jantar. E é assim que ela entra em cena no salão de festas, acompanhada do Bando da Lua, para cantar Tique-taque do meu coração: vestindo uma baiana que se refere ao mundo extra-muros do hotel de Lago Louise, ao mundo dos garçons indígenas. E, para acentuar ainda mais sua posicionalidade estrangeira, ela canta mais uma vez em português. Sem legendas explicativas em inglês,[40] a exofonia do chorinho brejeiro deve ter sido acentuada para o público norte-americano, que jamais entenderia o que faz bater o coração brasileiro. Além disso, ela canta a letra melancólica com gestos graciosos e quase paródicos, trazendo em sua performance a tristeza do fado e a vivacidade do samba — sutilezas que espectadores não-lusófonos dificilmente captariam. Mas a graça dos gestos e do ritmo estão ali; o figurino sincrético está ali. Certamente exótico para a platéia branca; talvez algo familiar para uma hipotética platéia indígena.

Nesta leitura de Minha secretária brasileira, a Rosita de Carmen Miranda parece deixar claro que o mundo eurocêntrico não reserva um lugar honroso nem para sua presença, nem para a dos indígenas das Montanhas Rochosas. Jamais protagonista em seus filmes, ela assume aqui a subalternidade de sua posicionalidade étnica, cultural e social, se alinha politicamente e faz de Tique-taque no meu coração uma performance de resistência.


[1] Na tentativa de superar esse esquecimento, está sendo organizada no momento uma antologia de textos de autores do Brasil e outros países a respeito da obra cinematográfica de Carmen, organizada por este autor, Luíz Felipe Soares e João Luiz Vieira.

[2]Esgotada pelo trabalho intenso, ela tropeçou diante das câmeras de TV, no popularíssimo show de Jimmy Durante. Era um sinal do ataque cardíaco que sofreu na madrugada seguinte, vindo a falecer no dia seguinte, em 5 de agosto de 1955.

[3] Além de sambas, choros e marchinhas, ela gravou tangos, cateretês, lundus, rumbas e muitos outros gêneros musicais.

[4] “Carmen Miranda Da Da”, Folha de S. Paulo, 22 de outubro de 1991, e “Pride and shame”, The New York Times, Oct. 10, 1991.

[5] Essa pronúncia, tradicional da geração de Vicente Celestino e outros intérpretes de empostação mais ou menos operística, seria mantida por cantores como Francisco Alves, as irmãs Batista e outros, mas não por Mário Reis, que gravava sambas em baixo volume de voz, quase falando as palavras,  e que incorporaria o erre fricativo, do falar cotidiano carioca, no fraseado musical. Sobre a fonética do erre, agradeço a contribuição do prof. Ronald…, da Universidade de São Paulo.

[6] Em 1931, o balanço da revista Phonoarte dizia que “Carmen Miranda é no mundo feminino dos discos o que é Francisco Alves, isto é, sem competidora. Como seu colega dos discos Odeon, Carmen Miranda brilha inconfundivelmente na constelação popular da Victor. Artista inteligente, soube se adaptar excelentemente ao microfone e hoje em dia ninguém ‘pode com ela’,  ninguém canta marcha ou marchinha. choro ou mesmo certos gêneros de canções e toadas como ela é capaz de o fazer. Carmen é senhora, atualmente, dos segredos do microfone e a Victor tem nela um dos maiores fatores para o sucesso de seus discos populares”. Ana Rita Mendonça, Carmen Miranda foi a Washington (Rio: Record, 1999), p. 28

[7] A fragilidade das matrizes em cera levava cantores como Vicente Celestino a gravarem de costas para a aparelhagem, evitando assim que a matriz se danificasse e, ao mesmo tempo, conferindo um caráter mítico à potência vocal desses artistas.

[8] Surge a tentação, neste momento, de repetir aqui que sua morte foi devida à pressão profissional, ao casamento infeliz e às drogas que consumia — um rosário de penas que alimentou por muitos anos o imaginário nacional.

[9] O livro já citado de Ana Rita Mendonça se dedica extensivamente a essa questão.

[10] A preocupação com a imagem do Brasil no exterior (e em particular nos Estados Unidos) foi constante entre os fãs e os críticos durante toda a carreira de Carmen em Hollywood. Em 1943, um espectador revoltado escreveu para a revista A Cena Muda que o trabalho de Carmen era “em todos os filmes, a mesma coisa… baianas e mais baianas, a ponto de os norte-americanos perguntarem se nós aqui só vestimos aquela indumentária apalhaçada…”. In Ana Rita Mendonça, p. 138.

[11] Enciclopédia do Cinema Brasileiro, orgs. Fernão Ramos e Luiz Felipe Miranda (São Paulo: Senac, 2000), p. 378.

[12] Op. cit., p. 18.

[13] Há,  na Cinemateca Brasileira, filmes do início do século XX mostrando inúmeras “baianas de carnaval” em desfiles carnavalescos no centro do Rio, vestidas inclusive por crianças. Nas palavras de Ana Rita Mendonça,  havia “baianas de candomblé, repletas de simbolismos religiosos,  baianas de tabuleiro, vendendo frutas e quitutes nas ruas do Rio e de Salvador, baianas de escola de samba, evocando as tias baianas, a partir de cujas casas o samba ganhou as ruas cariocas”. Op. cit., p. 18.

[14] Idem,  pp. 24 e 41.

[15] Enciclopédia do Cinema Brasileiro, p. 378.

[16] Ver anúncio de calçados em Ana Rita Mendonça, p. 92g. Segundo Cássio Emmanuel Barsante, “a loja Sacks Fifth Avenue faturou milhões lançando com exclusividade os seus turbantes e balangandãs”. In “Alô, alô, Carmen Miranda: do samba rasgado ao tique-taque do meu coração”, Revista do Brasil, ca. 1985, p. 105. Circula o rumor, até hoje, de que Carmen esconderia cocaína nas plataformas de seus sapatos. Vide www.bombshells.com

[17] Barsante lembra ainda que quando Carmen iniciava sua carreira no rádio brasileiro, Dolores del Rio apareceu vestida de baiana em Voando para o Rio (Flying down to Rio, Thornton Freeland, 1933), “uma produção da RKO para promover os serviços telegráficos da RCA Communications e a linha aérea recém-inaugurada da Pan Am para o Rio de Janeiro. Op. cit., p.100.

[18] Ana Rita Mendonça, p. 19. O traje ficou tão identificado com a estilização promovida por Carmen que, ainda hoje no Brasil, é comumente designado por “fantasia de Carmen Miranda”.

[19] Ana Rita Mendonça, p. 15ss. Depois de ter visto a performance de Carmen no Cassino da Urca, a norueguesa Sonja Heine ameaçou contratá-la por conta própria, caso o empresário Lee Shubert não tomasse a iniciativa. Heine era, naquela ocasião, uma das grandes estrelas de Hollywood, mas sua carreira seria bastante prejudicada por não se opor com veemência à invasão da Noruega pelos nazistas. O mesmo não ocorreria com Carmen, aliada de primeira hora, que faria filmes e shows para soldados no front

[20] Op. cit.

[21] Idem.

[22] Betty Grable se tornaria a mais emblemática das pin ups dos soldados norte-americanos durante a II Guerra Mundial. Seu famoso retrato de costas, em que vestia um maiô, e sapatos de salto alto, era onipresente nas barracas do front.

[23] César Romero era novaiorquino de origem cubana,  neto de José Martí. Ele teria uma longa carreira,  atuando com Marlene Dietrich (em The devil is a woman,  1936, por Josef von Sternberg) e inclusive na TV — é dele o papel do Coringa, no seriado Batman dos anos 60.

[24] Na época, o apelido de Greenwood era Rubber Leg Lady, ou Dama das Pernas de Borracha.

[25] Horton tinha muito prestígio como ator de teatro e cinema desde os anos 20, além de se tornar respeitado produtor em Hollywood. Ao participar de Minha secretária brasileira Horton já estava estabelecido financeiramente, não dependendo do cinema para sobreviver.

[26] Nos créditos do filme é Alfred Newman que aparece responsável pela direção musical, assim como Hermes Pan pela coreografia, ainda que sua presença praticamente não tenha sido necessária durante as performances da orquestra de James, de Carmen e do Bando da Lua.

[27] Tomo aqui emprestado o termo cunhado por Ella Shohat e Robert Stam, em Eurocentrism.

[28] Diálogos citados aqui conforme as legendas em português da edição de Minha secretária brasileira, para a rede Telecine, 2002.

[29] Formada por Walter Bullock, Ken Englund, Jacques Théry e Philip Wylie.

[30] Ana Rita Mendonça, p. 54.

[31] Como na produção de Voando para o Rio, mais uma vez a empresa Pan Am contribuiu para trazer a baiana para o foco da camera.

[32] Aloysio de Oliveira presta um comovente depoimento de sua relação com a estrela no filme Carmen Miranda: Banans is my business (Helena Solberg, 1995). His bodiless head can be seen in the opening number of The Gang’s all here, singing the hit song Brazil against a black backdrop.

[33]Sobre a política de embranquecimento, ver Mendonça, Scwarcz e outros.

[34]A origem de samba estaria no termo quimbundo semba, ou  umbigada. Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, Novo dicionário da língua portuguesa (Rio: Nova Fronteira, 1975),  p. 1265.

[35]Duas canções emblemáticas podem pefeitamente evocar essas vertentes. O fado Nem às paredes confesso (Artur Ribeiro e Ferrer Trindade), celebrizado por Amália Rodrigues, emblematiza com exatidão a melancólica introversão do gênero (“De quem eu gosto,  nem às paredes confesso”); já a marchinha carnavalesca Mamãe eu quero (Jararaca e Vicente Paiva), cantada por Carmen, não deixa dúvidas sobre a expressão extrovertida do desejo.

[36]Clyde Taylor, “Black Cinema in the Post-aesthetic Era”, in Jim Pines and Paul Willemen (orgs.), Questions of Third Cinema (London: BFI Publishing, 1989)

[37] Para uma revisão dessas posições, vide Stuart Hall, A identidade cultural na pós-modernidade (Rio: DP e A,  1999).

[38] E mesmo gay, como é o caso da persona cômica cultivada por Horton em sua carreira, especialmente no período que antecedeu a promulgação do Código Hays. Vide William J. Mann, Nos bastidores de Hollywood (São Paulo: Landscape, 2002), pp. 165-170.

[39] Pode-se ver, aqui, mais uma manifestação do subterrâneo epistemológico descrito por Clyde Taylor. E neste caso específico, o alinhamento sincrético pode ser testemunhado no Brasil atual, em que os terreiros de candomblé mais fiéis às raízes africanas não deixam de cultuar a figura do Caboclo, entidade espiritual de origem indígena. Indagado sobre a aparente incongruência de cultuar uma entidade não-africana, o pai-de-santo de candomblé nagô Godofredo Daltro declarou, em depoimento ao autor, que o culto do Caboclo é necessário para se prestar homenagem àqueles que habitaram esta terra antes dos africanos chegarem. Sobre a “baiana” de Carmen, seu biógrafo Cássio Emmanuel Barsante diz que “Ela levou sem medo para o seu guarda-roupa as nossas frutas típicas, as borboletas do campo e o costume indígena de colocar plumas na cabeça.” In “Alô, alô, Carmen Miranda: do samba rasgado ao tique-taque do meu coração”, Revista do Brasil, ca. 1985, p. 100.

[40]Conforme a versão veiculada pela rede Telecine. Resta saber se as legendas teriam constado da versão original, exibida na época, nos Estados Unidos.

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