O Não-Limite da Imagem – Entrevista com Rodrigo Novaes

Muitos artistas têm obtido, com a nova concepção de imagem, com as mudanças tecnológicas e com a reformulação do cinema a partir da chegada do digital, novas releituras e possibilidades nas suas formas criativas. Artistas, cineastas, pintores, toda gama de escultores de imagem tende a se adaptar ao digital e suas facilidades. Rodrigo Novaes é um bom exemplo disso. Sua obra sempre voltada para a recriação da imagem tem encontrado nas novas fronteiras uma fortaleza para sua camaleônica faceta tanto como realizador audiovisual quanto artista plástico. Formado em artes plásticas pela University of Gloucestershire e pós-graduado pela University of the Arts na Inglaterra, suas obras, pintura, fotografia e vídeo, já integraram exposições no Brasil, Inglaterra, Espanha e Grécia. Foi assistente curador do 16º Festival de Arte Eletrônica Sesc Videobrasil, ocorrido em 2007, em que pôde ter contato direto com o desenvolvimento de instalações de Peter Greenaway e Marcel Odenbach, sendo também responsável pela curadoria intitulada “Um Punhado de Prazeres Sublimes”, a qual trouxe toda obra de Kenneth Anger, importante pioneiro no cinema experimental americano.

Acompanhar o Festival de perto, de dentro, trouxe à tona em sua obra diversas formas de desdobramentos de pesquisa da imagem, linguagens, questionamentos e opiniões advindas dos mais diversos criadores de imagem contemporânea.

Durante seu trabalho no Videobrasil, em quais âmbitos da imagem você pôde, como realizador e curador, se aprofundar?

Acho que para responder essa pergunta, preciso falar um pouco, antes, do trabalho que o Videobrasil desenvolve desde a década de 80. Hoje o Festival Videobrasil é produzido pela Associação Cultural Videobrasil com Solange Farkas como presidente e curadora, mas nasceu em 1983 patrocinado pela Fotoptica e tinha como foco principal trazer para o Brasil a tecnologia VHS doméstica e semi-profissional, que nos EUA foi introduzida ao mercado em meados da década de 60, quando, através desta, deu-se início à videoarte por Nam June Paik.

Após o período de patrocínio da Fotoptica, o Festival Videobrasil passou para o Museu da Imagem e do Som em São Paulo e na década de 90 foi transferido para o SESC, onde acontece até hoje. Durante todo esse período, o principal foco do festival sempre foi expandir as investigações relacionadas a um gênero emergente nas artes plásticas conhecida como videoarte. Este gênero teve vários desdobramentos ao longo das décadas, mas, para encurtar um pouco a história, hoje a videoarte, assim como o cinema, passa por uma fase de reinvenção ou redefinição devido aos saltos tecnológicos dos últimos anos.

A tecnologia digital está causando uma revolução tanto na videoarte como no cinema, não há duvida disso. Até pouco tempo atrás, era simples diferenciar um cineasta de um videoartista, hoje as fronteiras já são menos claras. Durante a década de 80 e o início da década de 90, a tecnologia VHS e suas variantes eram o território do videoartista e a película do cineasta. O suporte separava os territórios. Os videoartistas experimentavam com a linguagem da fita magnética e os recursos que esta propiciava para a criação de novas linguagens, com uma ligação forte à linguagem televisiva e, ao mesmo tempo, os cineastas continuavam fazendo o que cineastas sempre fizeram.

Mas as tecnologias digitais vieram para mexer com tudo isso, tanto de um lado como do outro. Primeiro do lado da edição de imagens, os programas de edição e pós-edição revolucionaram a maneira como filmes são editados, possibilitando ao editor total controle e flexibilidade para mexer na ordem das seqüências com rapidez e sem grandes esforços. Agora, as câmeras digitais de alta definição são capazes de capturar imagens com qualidade semelhante à película.

Portanto, hoje, tanto os videoartistas como os cineastas usam exatamente as mesmas ferramentas para a captura e edição de seus projetos e, com isso, podemos nos perguntar – então o que diferencia um cineasta de um videoartista? Se quisermos usar o velho argumento do suporte, isso ainda é um pouco possível porque a única área onde a tecnologia digital ainda não dominou o mercado é na distribuição de filmes. Isso ainda é feito em 35mm, mas, de acordo com Peter Greenaway, a película como suporte industrial do cinema morrerá no ano 2013. E até lá é certo que a indústria de distribuição já terá resolvido a questão da distribuição em alta definição, e aí então o argumento do suporte morrerá também.

O 16º Festival Videobrasil (2007), com curadoria de Solange Farkas e que teve o título LIMITE como uma homenagem ao primeiro filme de vanguarda brasileiro de 1930 de autoria de Mário Peixoto, procurou levantar exatamente essas questões e tentou abrir um pouco mais essa discussão, trazendo sobre o mesmo “teto” cineastas, videoartistas, críticos de arte, acadêmicos e o público para debater sobre o assunto. E com isso, de um ponto de vista pessoal, e tentando responder à pergunta, como Curador Assistente do festival fui colocado no cerne deste debate sobre a produção e veiculação da imagem em movimento no mundo digital, e como que realizadores de várias denominações estão se redefinindo dentro destes novos meios.

O seu contato com videoartistas como Marcel Odenbach permitiu a você quais descobertas e reconhecimentos da nova imagem?

Odenbach é um dos pioneiros da videoarte na Alemanha. Desde a década de 70, ele desenvolve um trabalho em vídeo que teve início dentro do gênero performance. Nas décadas de 60 e 70, o vídeo foi primeiramente utilizado como suporte de registro de performance e disso nasceu um dos primeiros gêneros da videoarte, naturalmente referida como vídeo-performance, de onde Odenbach iniciou seu trabalho de vídeo. Ali, não havia necessariamente uma preocupação específica com a qualidade da imagem produzida, o gênero era focado especificamente na ação do artista. Mas Marcel Odenbach não é somente um videoartista, ele também é um pintor e, por isso, eventualmente, começou a desenvolver um interesse na qualidade plástica e poética da imagem em movimento que produzia.

Odenbach tem uma abordagem vertical em relação à imagem, onde ele cria diversas camadas de informação de um ponto de vista cem por cento subjetivo. O trabalho dele é fortemente centrado nos signos culturais como figuras de linguagem visual. Um dos aspectos de sua obra tem um foco documental, mas, mesmo assim, com uma abordagem subjetiva. Sua obra principal que exibimos no festival, intitulada “In Still Waters Crocodiles Lurk” (1994-2005), é um documentário poético sobre a guerra civil e o genocídio de Ruanda.


Esse vídeo tem 30 minutos aproximadamente, mas levou 11 anos para ser feito, com filmagens durante todos esses anos.

A obra é apresentada em dois canais, ou seja, duas projeções lado a lado de aproximadamente três metros de largura cada com som sincronizado. Dentro desta estrutura, o artista usa apenas os recursos de imagem em movimento, som direto ou música e edição para montar uma colagem de seqüências que movimentam uma narrativa não linear entre as duas telas. Apesar de poder ser denominado como documentário, este vídeo não usa em nenhum momento o recurso do texto descritivo ou depoimento. Mas mesmo assim a obra é capaz de passar ao espectador, apenas através da imagem, toda a história e o horror de uma guerra civil sem um apelo ao clichê.

O que é singular nesta obra, para mim, é a maneira como o artista demonstra confiança na inteligência do espectador, e escolhe apenas mostrar e não contar o que acontece. Esse conceito também é central na obra de um documentarista dinamarquês chamado Jurgen Leth que, desde a década de 60, faz filmes que exploram os limites da imagem em movimento ao desconstruir a estrutura de um filme e separar suas partes integrais – imagem em movimento, som e edição. A partir destes elementos básicos da produção de filmes, ele monta seus projetos experimentando com cada elemento separadamente.

Lars Von Trier cita Jurgen Leth como um de suas maiores influências, e é muito clara a importância da obra de Leth no desenvolvimento do manifesto Dogme 95. Para Leth o elemento mais importante na produção de um filme são o que ele chama de “regras”. Leth era poeta antes de fazer filmes e, assim como na poesia existe a métrica, para ele, cada um de seus projetos deve seguir uma série de regras criadas por ele mesmo, que seriam um equivalente à métrica da poesia e que não devem ser quebradas a nenhum custo.

Leth substitui o roteiro pelas regras, essas são a estrutura a ser seguida e, com isso, ele cria filmes da mesma maneira que escreve poesia. A partir do momento que ele tem a estrutura padrão, dá-se início ao projeto, mas sem saber qual será o resultado. O final nunca está claro no ponto de partida. E esta é também a maneira como Marcel Odenbach trabalha. Para ele, também é importante este elemento de espontaneidade. Outro elemento semelhante na maneira como os dois trabalham é a estrutura de filmagem, com uma equipe de sempre, no máximo, três pessoas – artista, cameraman e técnico de som, sendo que o artista também pode operar uma segunda câmera e poucos atores, ou nenhum ator.

Essa estrutura foi utilizada no último projeto que Odenbach fez na Índia e que teve premier no festival. Duas câmeras digitais de alta definição (artista e cameraman), um técnico de som e um ator. Essas estruturas simples permitem que a equipe movimente-se com mais facilidade e maleabilidade e, com isso, permite-se ao projeto que o acaso tenha um papel na produção da obra. No cinema, o método tradicional é exatamente o oposto – remover toda e qualquer possibilidade do acaso agir, porque o acaso, quando se trata de grandes produções que envolvem vários tipos de profissionais, significa custos adicionais, e a meta do produtor no cinema é a de minimizar custos. Portanto, aqui poderíamos citar uma das diferenças entre a videoarte e o cinema: escala de produções e orçamentos.

Mas o que já podemos observar também é que alguns cineastas vêm, ao longo dos anos, adotando práticas e conceitos já utilizados pela videoarte, por exemplo, o Dogme 95 já mencionado que, ao determinar que uma de suas regras era o uso apenas de som direto e luz existente, procura reintroduzir no cinema o uso do acaso e da espontaneidade. Este movimento gerou, ao longo da última década, projetos de diferentes resultados e graus de sucesso criativo. Mas um projeto recente que é notável por utilizar técnicas da videoarte e do documentário experimental é o último filme de David Lynch, Império dos Sonhos. Neste filme, Lynch usa o recurso do acaso como principal fonte criativa ao filmar em plataforma digital e escrever o filme durante sua produção. Com equipes reduzidas, diferente dos padrões normais do cinema, Lynch pôde ter mais liberdade com a maneira que se faz cinema.


O resultado é um filme que deve muito aos experimentos e estruturas da videoarte, e com isso, mais uma vez, vemos a proximidade desses dois mundos. O que este filme de Lynch demonstra, mesmo antes de entrar na discussão do conteúdo, é que com a flexibilidade do suporte digital é possível diminuir os custos de produção e, com isso, permitir que novos experimentos na linguagem cinematográfica sejam feitos. O que, sem nenhuma dúvida, abrirá novos caminhos ao cinema.

Uma das grandes diferenças entre o cinema industrial e a videoarte é a questão de sucesso de bilheteria. Na videoarte não existe bilheteria, portanto, a responsabilidade de produção é quase sempre do artista, o que pode ser bom ou ruim, mas sempre significa que o autor tem total liberdade de criação dentro de seu projeto, o que nunca é o caso com o cinema industrial, porque a pressão do sucesso nas bilheterias sempre é um peso sobre o projeto. Agora, com a diminuição de custos de produção por causa da tecnologia digital, não só significa que fazer um filme será eventualmente mais acessível a autores, mas também significa que talvez vejamos um movimento maior na experimentação de linguagem no cinema.

Acredito que o verdadeiro cinema novo ainda está por vir.

Qual a importância em se trazer para o 16º Festival Videobrasil o nome de Kenneth Anger sob sua curadoria?

Dentro do festival, como Curador Assistente, fui responsável pelo núcleo expositivo, instalativo que abrangia o trabalho do alemão Marcel Odenbach e o trabalho do inglês Peter Greenaway, mas, além disso, também fiz a curadoria de um programa de filmes em película que foi exibida no Cinesesc. Com este programa procurei reunir obras de cineastas independentes que na maior parte tiveram suas obras marginalizadas pela indústria, mas que eventualmente foram reconhecidos por seu trabalho inovador.

Todos os artistas desta mostra intitulada “Um Punhado de Prazeres Sublimes” experimentavam com o filme como obra de arte. Alguns ainda são chamados de cineastas experimentais, mas tenho a tendência de evitar este termo devido à imagem que automaticamente se gera. Todos estes autores têm uma linguagem e um estilo próprios, o que erroneamente é confundido com “experimental”, um termo que é normalmente dado a tudo o que não se enquadra dentro dos gêneros industriais, termos que servem apenas para facilitar a distribuição e divulgação de uma obra e que, por outro lado, também influenciam na concepção de filmes ainda a serem rodados. As obras desta mostra não se enquadram facilmente dentro de nenhum gênero específico do cinema porque vão além, vão ao limiar da linguagem e, em alguns momentos, acabam estabelecendo novos gêneros. Um dos pioneiros desta maneira de se pensar e fazer cinema é Kenneth Anger – ainda está vivo e produzindo aos 81 anos de idade. Entre a década de 40 e a década de 70, Anger produziu nove curtas-metragens que serviram de enorme influência na maneira como a imagem em movimento é pensada, produzida e editada. Ele foi o primeiro cineasta a usar música popular em seus filmes como trilha sonora e o primeiro a comprimir um filme com começo, meio e fim dentro do tempo de duração de uma música de três minutos. O que muitos historiadores citam como o filme originador do gênero videoclipe.

A obra de Anger serviu como conceito norteador para a seleção dos outros filmes dentro do programa, que seguiu uma ordem cronológica de 1947 com o filme do próprio Anger Frieworks, produzido em um fim de semana na casa de seus pais quando ele tinha 20 anos de idade, até o ano 2000 com o filme do português João Pedro Rodrigues Fantasma, muito próximo do pensamento e conceitos de Anger, mas que hoje pode desfrutar de distribuição internacional, apesar de sua temática fortemente sexual e difícil.


Anger foi um pioneiro em diversos aspectos, mas a única maneira que encontrou para manter total controle de seus projetos foi manter-se cem por cento independente. Essa independência declarada não foi tranqüila, Anger nunca conseguiu completar um projeto de longa metragem exatamente por não abrir mão de controle total sobre o que criava. Mas, por outro lado, aprendeu a concentrar e focar suas idéias e conceitos, e, com isso, o que poderia ser considerado um fator limitador em seu trabalho tornou-se seu maior desafio. E ao superar essas dificuldades, Anger emerge com uma linguagem própria em sua obra, o que lhe rendeu hoje reconhecimento como um dos cineastas mais importantes do século 20, apesar de ter completado apenas um total de aproximadamente três horas de filme em três décadas.

Em que sentido vê-se na filmografia de Anger uma relação com o presente?

Anger foi reconhecido aos 20 anos com a produção de seu filme Fireworks (1947), que ganhou o prêmio de Filme Poético no Festival do Filme Maldito, de curadoria de Jean Cocteau em 1949. Neste mesmo festival, concorria outro filme, também maldito, intitulado Un Chant d’Amour do escritor e poeta Jean Genet, também presente na mostra em São Paulo. Apesar de lidar com um tema diretamente sexual, não são filmes pornográficos de acordo com os padrões de hoje, e, com isso, hoje podemos apreciar a poesia destas obras sem o elemento do choque que causaram em suas épocas de lançamento.

Todos os filmes dentro da mostra, com apenas algumas exceções, causaram algum tipo de problema com as leis da pornografia vigentes em suas épocas de lançamento. Rendendo diversas brigas com autoridades e períodos de cadeia para exibidores e autores. Mas com o passar do tempo e o relaxamento das leis e da opinião pública, estas obras finalmente receberam o reconhecimento merecido por serem inovadoras.

Uma das mais importantes inovações de vários dos filmes de Anger é o uso da narrativa não linear e vertical. Em suas próprias palavras ele se refere a sua obra como um conjunto de filmes poéticos, o que não deve ser confundido com um outro gênero do cinema de vanguarda da década de 30, o poema visual. Este segundo foi certamente uma fonte inspiradora para Anger, mas sua obra vai além e pode ser, inclusive, considerada como documental. Outra grande inovação de Anger, nascida a partir da necessidade, foi o uso de tecnologia doméstica para a criação de seus filmes, o 16mm. A falta de verbas nunca o limitou, onde faltavam recursos ele inventava para solucionar problemas. Essa atitude de não ser detido, de produzir a qualquer custo, é a energia fundamental que deu início ao cinema independente, experimental e marginal. Mas, mesmo assim, esses autores não comprometeram sua integridade artística em relação à qualidade de seus projetos. Anger, especialmente, por fazer absolutamente tudo em seus projetos, desde a criação do figurino à edição ou edições finais, sempre garantiu tudo exatamente como deseja. Mesmo hoje durante a exibição, o zelo pela qualidade da imagem projetada não se ausenta.

Sua obra ainda é contemporânea, não é uma obra cansada. Ainda é inspirador assistir a seus filmes e ver que ainda podemos apreender tanto do pensamento dele; isso é o que considero um dos principais elementos no que pode ser chamado de obra de arte. Os filmes de Kenneth não são apenas entretenimento, não servem um pensamento industrial e, com isso, é muito próximo ao pensamento da videoarte contemporânea. Acho que se Anger estivesse começando sua carreira hoje, usaria uma câmera digital – aliás, aos 81 anos, e ainda produzindo filmes de curta metragem, ele usa uma câmera digital. Mas hoje em dia não é mais o operador do equipamento.

Acho que hoje todo autor iniciante que produz, opera sua câmera e edita seus projetos em ambiente digital, carrega na essência o mesmo espírito independente do jovem Kenneth Anger. E o que essa essência demonstra é a inovação criativa interligada à energia e às boas idéias, e não apenas a grandes recursos financeiros e tecnológicos.

E o nome de Peter Greenaway? Qual a atual importância desse cineasta para a investigação da imagem e reformulação do cinema?

O terceiro artista internacional convidado do festival foi o inglês Peter Greenaway, que produz filmes desde a década de 60. Greenaway iniciou sua carreira como pintor na faculdade e, após um período de treinamento como editor de filmes para o Central Office of Information da Inglaterra, ele emergiu como cineasta produzindo uma série de curtas e, eventualmente, longas-metragens na década de 80.

Os filmes de Greenaway são todos fortemente centrados na imagem e como esta é construída, usando técnicas de composição sempre inspiradas na pintura clássica européia.

Hoje, ele trabalha com o cinema digital e se apresenta como um dos primeiros cineastas a assumirem estas novas tecnologias e tudo o que elas podem oferecer em termos de produção e edição de imagens.

Seu maior projeto em ambiente digital de alta definição é o Tulse Luper Suitcases; de início, é uma serie de três filmes, mas que se desdobram em websites, instalações como a que foi exibida no festival e agora, também, uma apresentação de VJ na qual ele edita o filme ao vivo utilizando várias telas distribuídas no espaço.

Sua máxima provocadora é “O cinema está morto. Longa vida ao cinema!”, um conceito apresentado em suas palestras e que lida com o que ele chama de a morte do cinema industrial e o nascimento do verdadeiro cinema novo, como obra de arte expressiva. Em sua teoria, a tecnologia digital veio para libertar o cinema de seus processos complicados de produção e possibilitar a exploração de uma nova linguagem visual. Ele acredita também que o cinema de sala de exibição vai eventualmente desaparecer, ou diminuir consideravelmente, assim como aconteceu com o teatro e a ópera, que em outras épocas foram os principais meios de entretenimento.

Peter Greenaway, do site Videobrasil: http://www.videobrasil.org.br/16/menu.html


Com a proliferação da internet e de outras maneiras de veicular a imagem em movimento, Greenaway acredita que a indústria cinematográfica terá que seguir esses meios para sobreviver e, com isso, a imagem projetada na grande tela passará a ser algo somente do meio artístico e museológico, mas que a produção de filmes de entretenimento comercial será feita puramente para esses novos meios. E ainda cita sempre a morte eminente da produção de película, em breve deixará de ser o suporte de produção do cinema industrial.

Greenaway é na essência um agent provocateur, mas que consegue atingir sua principal meta: a de fazer com que as pessoas discutam esses temas e passem a pensar o que seria essa nova indústria cinematográfica, o que serão esses novos filmes? Mas como já mencionei aqui, outros cineastas também estão pensando em linhas semelhantes às de Greenaway, notavelmente Lynch: a tecnologia digital como o caminho do futuro do cinema.

Mas retornando à questão inicial, videoartistas já são muito bem conciliados com esta tecnologia e, com isso, retornamos à mesma pergunta: qual então a diferença entre cineasta e videoartista? Acho que, eventualmente, todos serão apenas considerados como autores, trabalhadores da imagem em movimento, mas que executam cada um de seus projetos com diferentes objetivos, alguns para distribuição em um mercado comercial e outros produzidos para mostras de arte, que abordam conceitos mais intelectualmente complexos. Mas, essencialmente, o mercado de filmes nunca morrerá, apenas será redefinido, o que já está acontecendo.

Estar em contato com pensadores da imagem influi de que maneira em sua obra imagética?

Bom, como artista e, no meu caso, pintor, ter trabalhado com estes autores teve um resultado intenso na maneira como penso sobre a construção da imagem sobre a tela. Uma das grandes diferenças entre a imagem bidimensional pintada sobre tela, ou qualquer outro suporte, e a imagem bidimensional em movimento é a linha do tempo. Com a imagem em movimento, a linha do tempo é horizontal e o que vemos é uma seqüência de fotogramas sendo exibidos em uma velocidade específica, dependendo de como as imagens foram capturadas. Com a imagem pintada, a linha do tempo é vertical. Ao olhar um quadro, temos todas as camadas do tempo sobre a mesma superfície, o tempo ali está compactado em diversas camadas. Se a imagem demorou três dias, três semanas ou três meses para ser pintada, todo este tempo está ali, compactado na mesma superfície, assim como um sítio arqueológico, onde se esconde em suas diversas camadas de terra todo o passar do tempo.

Aprendi com todos os três artistas a apreciar esse elemento fundamental na arte, o tempo, e como que ele influencia na criação de uma obra. Tanto Odenbach, Anger e Greenaway têm um aspecto muito parecido em suas obras: a acumulação do tempo sobre a superfície da tela. Todos utilizam uma verticalidade na edição de suas imagens, compactando diversas camadas de informação, cada uma referente a um momento diferente no tempo.

Mas acredito que o elemento mais importante, também é presente na obra dos três, é a crença em suas idéias e conceitos individuais. O que une esses três autores, de trajetórias completamente divergentes e de idéias mais divergentes ainda, é a energia de suas idéias originais e o fato de que eles não abrem mão de sua originalidade, custe o que custar. Para mim, essa é a marca de um verdadeiro autor, acreditar em suas idéias mesmo que o mundo discorde, porque eventualmente essas idéias encontrarão terra fértil.

Ser contemporâneo às renovações tecnológicas, sobretudo nos âmbitos artísticos, é ser arremessado às discussões quanto à imagem e ao futuro do cinema, tendo diretamente reflexo na própria obra do artista. Rodrigo Novaes, assim como outros artistas, tem feito da imagem um objeto flexível capaz de se tornar o cerne da discussão da arte. Nuno Ramos, Carlos Adriano, Arthur Omar são exemplos disso. O segundo, em seu ensaio “o específico Brasil”, publicado no caderno SESC_Videobrasil nº 03, 2007, diz da especificidade brasileira no caso do cinema experimental e das novas revoluções imagéticas. Aqui, diferente do caso europeu ou norte-americano, o experimental deu-se de forma “acidentada e episódica” à medida que não se instaura um “lastro de permanência”, mas sim momentos e lacunas. A diferenciação também se dá até no campo de produção, em que o experimental nacional, com algumas exceções, era feito em película de 35mm, com divisão do trabalho, enquanto lá fora se usava 16mm e o forte controle autoral do cineasta-fotógrafo-montador.

A não-permanência experimental no Brasil e sua ligação ao comercial criaram poucas condições para sua contínua formatação e seus desbravamentos, estando às vezes até ligado à idéia pejorativa de um cinema “inacabado”. O que faz o Festival Videobrasil de Arte Eletrônica é possibilitar cercear toda a discussão e levantamento de pensadores e criadores audiovisuais, dinossauros que já faziam da imagem meio de pesquisa, meio de busca e de experimento, trazendo-os para as discussões atuais, e, principalmente, construindo as bases no Brasil para a experimentação e para o contato com a imagem: a imagem-labirinto, a imagem-busca, a imagem-indagação, de forma contundente, crucial e inovadora.

Matheus Chiaratti é graduando em Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)

LINKS DE VÍDEOS DO ARTISTA:
“ORPHÉON” – http://www.youtube.com/watch?v=xJUzz8mSiTo
“YDILL” – http://www.youtube.com/watch?v=5qrZKFxn71A
“DYONISIAC (London)” – http://www.youtube.com/watch?v=fSx1FFSvBpM
“DYONISIAC (São Paulo)” – http://www.youtube.com/watch?v=331ZeRNxWWg
“DYONISIAC (Salvador)” – http://www.youtube.com/watch?v=T4zu3CNuGLc

Obras fotográficas: desde desenhos sobre polaroids a trabalho com câmeras do tipo Holga.

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