Vôo United 93: Ficção construída na linguagem documental

O Cinema como reprodução da realidade

Nesse artigo, pretendemos analisar um recurso que é utilizado cada vez mais na produção cinematográfica: a apropriação de características documentais pelo cinema ficcional visando manter a ilusão de realidade da obra, através do estudo de caso no filme Vôo United 93 (United 93, 2006).

Cena do filme "Vôo United 93".

A identificação do cinema como reprodução da realidade é responsável pelo fascínio primeiro do público com esse. Já na primeira sessão cinematográfica, realizada no Grand Café, várias pessoas se assustaram com um trem que, na tela, se dirigia ao seu encontro. Esse medo foi provocado exatamente pela impressão de realidade presente no cinema que vem até os dias de hoje.

O cinema teve sua essência fundamentalmente objetiva posta em xeque pelo processo da montagem, por provocar uma descontinuidade no fluxo imagético. Para amenizar o desconforto causado pela montagem, trabalhou-se em maneiras como essa poderia ser sentida mais naturalmente pelo público e, assim, manter a ilusão do real. O jeito encontrado foi buscar relações entre as imagens que seriam justapostas pela montagem, pesquisando-se as motivações de cada imagem.

Desses avanços trabalhados, resultou uma expansão no repertório da linguagem cinematográfica e acabou por se formular uma linguagem própria para o meio. Uma técnica de filmagem, uma certa forma de compor o filme em seus diversos planos, dispostos de maneira que a montagem não fosse abstraída pelo público como construção, resulta na decupagem clássica.

O que caracteriza a decupagem clássica é seu caráter de sistema cuidadosamente elaborado, de repertório lentamente sedimentado na evolução histórica de modo a resultar num aparato de procedimentos precisamente adotados para extrair o máximo rendimento dos efeitos da montagem e ao mesmo tempo torná-la invisível

(XAVIER, 2005: 32)

A decupagem clássica, então, tem como objetivo primordial criar a identificação do público com o filme, pois o sujeito espectador, uma vez vinculado a ele vinculado, sente-se agente, entendendo o olhar do mediador como o seu. Ele se sente como quem faz a imagem e acaba por se confundir com o autor. Uma vez participando da criação do filme, estará também envolvido com a história do filme e a entenderá como real; já que também se sente presente na trama, não conseguirá pensar sobre o dispositivo cinematográfico empregado.

Aspecto importante da decupagem clássica é a utilização de gêneros narrativos nas tramas cinematográficas, gêneros cujas regras são bem conhecidas do público e por isso tem maior aceitação. Na época em que se sistematizava a decupagem clássica, que terá sua consolidação com os filmes de D. W. Griffith, o grande gênero de sucesso (e que continua até hoje) assimilado pelo cinema, foi o melodrama.

A longevidade do gênero melodramático se deve ao fato que suas principais características podem ser mudadas de acordo com o tempo, servindo à moral que se tem como objetivo veicular, pois tem bases em características muito mutáveis: temas cotidianos (com os quais o espectador terá mais facilmente identificação, pois são dramas que ele também vivencia), personagens idealizados (o que também facilita a identificação do público) e um tom maniqueísta (aí o autor pode identificar o bem e o mal de acordo com a sua moral). O melodrama “é a manifestação mais contundente de uma busca de expressividade em que tudo quer se ver estampado na superfície do mundo” (Ibidem, 2003: 45).

Cinema e melodrama têm pontos em comum como: a busca pela expressividade, meio visual, atuação e dramaturgia que buscam provocar emoções, características que facilitam a identificação por parte do espectador, criando a ilusão de realidade e escondendo o próprio discurso. O cinema encontrou no melodrama seu grande gênero, desde Griffith até os dias de hoje, servindo às diferentes ideologias. O cinema clássico acaba por se torna uma “extensão do olhar melodramático” (Idem).

No filme ficcional, entende-se tratar de atores e não pessoas reais realizando as ações; no documentário, porém, acredita-se que as pessoas retratadas, os atores sociais, agem sem nenhuma manipulação, e o que vê na tela trata de uma ação verdadeira, captada por um intermediário, mas ainda assim algo essencialmente real. Isso confere aos documentários maiores poderes de manipulação, pois o público acha que a manipulação essencial no cinema não passa de um processo técnico. Essas diferentes formas de apreensão das imagens serão fundamentais na linguagem presente em Vôo United 93, como veremos melhor mais a frente.

Cena do filme "Vôo United 93".

Ao assistir a um documentário, o público o assimila de forma diferente da ficção. O jump cut, por exemplo, não se torna tão incômodo, assim como o som, não precisa ser sincrônico e, também, pode-se fazer uso da narração e de entrevistas, esses dois que na ficção são entendidos como um claro elemento de interferência do realizador, no documentário não são entendidos como elementos de manipulação, mas um recurso que ajuda o espectador a entender uma determinada realidade.

A mudança em continuidade, por exemplo, que opera para tornar invisíveis os cortes entre as tomadas numa cena típica de um filme de ficção, tem menos prioridade. Podemos supor que aquilo que a continuidade consegue na ficção é obtido no documentário pela história

(NICHOLS,2005 :56)

No caso de Vôo United 93, a influência melodramática se mescla à linguagem documental. Elementos característicos de cada um dos gêneros podem ser observados em Vôo United 93, representando que o cinema clássico e o melodrama já não são entendidos como realistas tão facilmente pelo público, necessitando dessa apropriação de características de não-ficção.

Cena do filme "Vôo United 93".

Vôo United 93

O filme Vôo United 93 foi dirigido por Paul Greengrass e lançado em 2006. Sua história se desenvolve no interior do avião da United Airlines que foi sequestrado por terroristas e caiu no dia dos ataques de 11 de setembro de 2001. Quatro aviões sequestrados, e o que dá título ao filme foi o único em que os sequestradores não conseguiram realizar seus objetivos, pois acabou sendo derrubado após os passageiros tentarem tomar a cabine.

O episódio dramático que o filme retrata poderia facilmente cair no melodrama raso com toques de patriotismo barato, que seria uma maneira fácil de o diretor atingir os sentimentos de seus espectadores, mas a opção utilizada foi por uma forma mais documental. Realizado esse trabalho com grande sucesso, Paul Greengrass confirma a frase de Jean-Luc Godard de que “todos os grandes filmes de ficção tendem ao documentário” (DA RIN, 2008:17). Agora, pretendemos analisar, separadamente, as características de documental e melodrama em Vôo United 93 e por que elas são usadas dessa maneira.

Cena do filme "Vôo United 93".

A presença do documental

A linguagem documental é um dos pilares em que se apoia a narrativa de Vôo United 93[1]. Ela se torna mais evidente nas sequências em que são mostrados os sistemas responsáveis pelo controle aéreo dos Estados Unidos, onde há a presença de muitos elementos não-ficcionais, como não-atores, câmera na mão, e um som cheio de ruídos, em contraponto às cenas que se passam no interior da aeronave, em que o filme, apesar de também possuir grande influencia dos documentários, guarda mais semelhanças com o drama tradicional de Hollywood. O uso da linguagem documental, apesar de fora dos padrões clássicos da indústria cinematográfica norte-americana, não abandona o objetivo primordial da decupagem clássica: despertar identificação.

O diretor tenta criar a identificação não relacionando o espectador especificamente com determinado personagem, ele não identifica claramente um indivíduo como herói da história, mas busca relacionar o espectador com a cidade como se ela fosse um organismo vivo, e também tenta criar identificação relembrando-o dos acontecimentos daquele dia. Enquanto os personagens americanos são apresentados como se fossem cada um de nós em uma multidão ocidental, o tratamento despedido para a apresentação dos personagens mulçumanos os particulariza desde o início do filme, como veremos em breve.

O que aproxima as cenas gravadas da realidade é o modo como todos os elementos foram captados, de maneiras muito próximas à estética dos documentários, fazendo com que todas as sequências aparentassem ocorrer naturalmente e coincidentemente houvesse câmeras no local, prontas para retratar todos os acontecimentos. Outro elemento fundamental nessa sensação de realidade é a atuação. Os atores são rostos desconhecidos, e não se tratam de gente que chama a atenção por algum atributo físico, são pessoas comuns que passam a sensação de poderem ser conhecidas de qualquer um dos espectadores. Existe a preocupação em transmitir a sensação de realismo ao fato, como se estivesse ocorrendo no momento da gravação, sem ensaios e encenação.

Paul Greengrass, para conseguir atuações tão realistas, gravou as cenas como se elas estivessem realmente acontecendo na hora. Ele separava uma determinada sequência e fazia com que os atores a interpretassem, gravando com duas câmeras, cada uma buscando um aspecto da cena, tornando possível a improvisação dos atores e fazendo com que os não-atores, que no dia dos ataques estavam trabalhando como aparecem no filme, revivessem os sentimentos daquele momento, na definição do diretor, que buscava dessa maneira “reviver o dia” [2].

Muitos dos atores, tanto entre os controladores de vôo como entre os militares, são não-atores que trabalham na mesma profissão que interpretam no filme. O caso mais evidente é o de Ben Sliney, único personagem ocidental que é apresentado de maneira individual assim que aparece. Ele interpreta a si mesmo, assim como o intérprete do piloto do United 93 é piloto, e o ator que representa o co-piloto já trabalhou em tal função. Os atores que fazem os passageiros e comissários de bordo receberam informações biográficas das pessoas que iriam interpretar a partir de um perfil psicológico traçado pelos familiares das vítimas, que chegaram a informar a produção do filme as roupas que eles haviam levado em suas malas para que a direção de arte selecionasse figurinos parecidos. Esses fatos tornam os atores uma mistura de atores profissionais, dos filmes ficcionais, com os atores sociais, dos filmes documentais, em que não é uma personagem que aparece na tela, mas a própria pessoa retratada.

A montagem, pela própria maneira com que a imagem foi obtida, é mais rápida do que a clássica, buscando assimilar as diferentes informações obtidas nos diferentes planos. Com cortes a mais do que a decupagem clássica, o filme corre o risco de chamar a atenção para a descontinuidade elementar, que de fato acontece, pelo menos em seu começo, quando a identificação ainda não foi obtida. Tal efeito não se torna prejudicial, mas orgânico ao todo do filme porque se relaciona com a movimentação de câmera empregada, gerando maior sensação de movimento, como se sempre procurasse uma ação não planejada, portanto buscando se assemelhar com a não-ficção, reproduzindo a sensação de tempo real com que o espectador acompanhou os acontecimentos a partir de variadas fontes. A câmera, apesar de contar com algum suporte para estabilizá-la, nunca tem um quadro fixo e, normalmente, se movimenta acompanhando o falante na ação. Muitas mudanças de lente são feitas dentro do plano, começando numa lente mais objetiva e indo para uma grande-angular, ou o contrário.

A presença do melodrama

Cena do filme "Vôo United 93".

A narrativa de Vôo United 93, apesar de contar com a linguagem documental, não rompe com a decupagem clássica e com o melodrama. Para a construção fílmica é usada uma decupagem que foge dos padrões do cinema clássico, muito mais próximo do documentário observacional, porém a construção dos vilões guarda grandes características melodramáticas. A escolha de começar o filme com eles já demonstra essa opção mais convencional. A edição em paralelo da cidade com os terroristas no hotel e depois com eles indo para o aeroporto é o contraponto que o filme visa construir. Ele busca pôr em conflito a modernidade da cidade ao fervor religioso dos árabes, nas palavras do diretor, contrapor “as duas forças que interagiram aquele dia, a modernidade e a barbárie, a modernidade e o fundamentalismo”[3].

Mesmo conhecendo os eventos que deram origem ao filme o suspense se mantém porque o espectador cria empatia com os passageiros do avião e assiste, impotente, aos sequestradores se aproximarem, na medida em que o filme se desenrola, dos seus objetivos. A construção do suspense é clássica no cinema e atinge o espectador porque ele se sente impossibilitado de fazer algo com relação ao perigo retratado na tela. Além do suspense, o filme bebe da fonte dos melodramas do filme de ação, que surge da mesma fonte do melodrama tradicional, apenas sendo adaptado para os novos tempos.

Enquanto o melodrama vitoriano havia enfatizado o patético e a oratória moralizante de vítimas inocentes e seus heróis, seu congênere de fim-de-século tornou-se virtualmente sinônimo de ação violenta, acrobacias e espetáculos de catástrofe e risco físico. (…) E enquanto os primeiros melodramas talvez tivessem apenas um clímax espetacular, o melodrama da virada do século passou a acumular emoção em cima de emoção.

(SINGER, 2006: 162)

Cena do filme "Vôo United 93".

Vôo United 93 é um exemplo desse melodrama dos novos tempos, que tenta disfarçar o seu aspecto melodramático utilizando-se da tática de assemelhá-lo com um documentário, mas em muitos aspectos ele continua muito próximo do tradicional. A construção do suspense e do vilão é acompanhada por uma variação na música, característica presente no melodrama clássico, que evidencia a sua presença fora dos padrões do resto da cidade. A utilização da música dá um significado especifico a imagem apresentada, pois ela é carregada de tensão em momentos como quando a comissária de bordo fecha a porta do avião, evidenciando que a partir daquele momento o United 93 está caminhando para a catástrofe. O mesmo recurso é repetido quando o avião, depois de um atraso, finalmente decola. A música também é muito importante na cena da colisão do avião com o WTC, o som ambiente, cheio de conversas paralelas, som de telefones, toda a confusão que imperava nos órgãos responsáveis pelo controle do espaço aéreo norte-americano vai sumindo e entra uma música forte, que pontua com grande força o momento exato da colisão, como se naquele momento fosse o instante em que a situação com que eles estavam lidando se tornava evidente.

Conclusão

A utilização desse tipo de linguagem fragmentada que busca mimetizar a sensação do cotidiano conturbado do mundo contemporâneo é muito útil aos interesses de Vôo United 93, porque com ela o espectador relembra aquele dia, driblando a sensação de falsidade que poderia provocar se a encenação fosse mais clássica, como pode-se verificar pela crítica escrita por Ricardo Feltrin:

O grande apelo de “Vôo 93” é o fato de usar o tempo real dos atentados de 11/9. O espectador tem assim a chance de acompanhar minuto a minuto tudo o que ocorreu no fatídico dia: o momento em que ocorre o primeiro sequestro de avião, o primeiro impacto contra o WTC, o segundo, o pânico que se espalha pelo departamento de controle aéreo dos EUA, a paralisação dos militares – que só tinham a CNN como fonte de informação –, e finalmente a arriscadíssima decisão de pousar milhares de aviões pelos EUA, quando ficou comprovado que se tratava, sim, de uma onda de terror. Está tudo ali, como se fosse um documentário.

Outro fato relevante é que a maioria dos atores de “Vôo 93” é desconhecida do grande público. Ótima estratégia, que faz com que a atenção não se fixe em nenhum personagem. Como se todos fossem principais. Como se não existissem coadjuvantes.

(FELTRIN, 2008)

O objetivo de Greengrass de atingir os sentimentos do espectador e não a razão é cumprido com tanta precisão que os críticos por vezes acabam interpretando o filme como retrato da realidade, como no trecho acima em que Ricardo Feltrin, mesmo depois de reconhecer que “ninguém sobreviveu para contar a história e os registros da caixa-preta pouco podem acrescentar” (Idem), acaba por conceber o filme como um mosaico que constitui os eventos daquele dia, reproduzindo de maneira realista tais fatos.

Cena do filme "Vôo United 93".

O diretor evidencia que tinha desde o início da produção a intenção era retratar os diversos sistemas que existem para manter a sociedade, para isso ele procurou construir um filme hiper-realista, buscando “capturar o cotidiano” (FELTRIM, 2008). Apesar desse hiper-realismo que assemelha o filme a imagens obtidas em tempo real, ele sempre se baseou em uma premissa, a teoria de que a sociedade moderna necessita dos sistemas para “manter essa modernidade” [4], e retratar como esses sistemas podem se tornar falhos quando colocados diante de uma situação limítrofe. Essa situação será mostrada contrapondo no filme o que o diretor denomina de “modernidade” e de “medievalismo” [5], o primeiro sendo a sociedade ocidental com seus sistemas, os heróis da trama, e o segundo os islâmicos com seu fundamentalismo religioso, os vilões.

Toda essa construção está no filme, porém ela não se torna didática pela maneira com que é apresentada[6], tendo sucesso na transmissão de seu ponto de vista e passando despercebida a construção feita para sustentar essa visão. Dois exemplos de como as ideias do filme são entendidas pelo público podem ser visto nas críticas de Boskov e Araujo:

Se há ocasiões em que o cinema pode servir a um propósito maior, é no caso de filmes como esse. Como ficou claro nos cinco anos que se passaram desde o 11 de Setembro, a mensagem da Al Qaeda não é apenas de destruição. É, principalmente, de impotência perante a destruição – e essa foi a mensagem que as pessoas a bordo do United 93 frustraram. Há algo de tremendamente existencial nesse percurso, e é isso que torna o filme do diretor inglês Paul Greengrass tão admirável: a maneira como ele honra não o heroísmo desses passageiros, mas a complexidade da condição humana, capaz de despedir-se da vida ao mesmo tempo em que planeja furiosamente a sua continuidade.

(BOSKOV, 2008)

Fazer alguma coisa diante disso, agir, não era uma questão apenas de defender a pátria de um ataque infame, mas de defender a própria vida. Não necessariamente a sua vida, mas a vida em si, a dignidade da existência.

(ARAUJO, 2008)

Não queremos entrar no mérito dessa questão do heroísmo dos passageiros daquele avião, porém os dois críticos assentem em exaltá-lo, o que se mostra um equívoco uma vez que não discutem os passageiros reais, mas os personagens de um filme ficcional. O que torna paradoxal a discussão feita pelos críticos é que eles impõem adjetivos e juízos de valores a fatos e pessoas reais baseado nos conhecimentos que eles adquiriram através de uma construção fílmica.

Vôo United 93 é uma construção, assim como todo filme, apesar de buscar ser uma reprodução daquele dia[7]. A última cena, o clímax do filme, evidencia toda a construção por trás daquele discurso que busca se passar por inocente. Nela os passageiros se revoltam e avançam sobre os terroristas. Depois de derrotarem os que estavam no corredor da aeronave eles se lançam contra a porta da cabine, conseguem arrebentá-la, invadem e tentam tomar o manche do avião, mas o terrorista o segura e o arremessa contra o solo.

Greengrass reconhece que, nessa última cena, buscou criar “uma verdade plausível” [8] do “que deve ter acontecido” [9], já que com a caixa preta e as informações disponíveis não é possível saber ao certo o que se passou naqueles derradeiros instantes do avião, se os passageiros conseguiram entrar na cabine ou se não passaram da porta. O fato de a cena final ter o conflito entre os passageiros e os terroristas pelo manche serve, segundo ele, como uma “metáfora para o pós 11/09”[10], ou seja, ocidentais e orientais brigando pelo controle, e a ação dos passageiros representa uma opção: partir para o ataque para preservar a sua “modernidade”, podendo morrer, mas morrer com “dignidade”, como Inácio Araujo sustenta em sua crítica (Araujo, 2008).

O aumento das imagens produzidas e consumidas na virada do século XX para o XIX alterou a forma com que o espectador entende os filmes baseados numa decupagem clássica. Os filmes continuam a ser assimilados, porém são entendidos como construções, e acabam por gerar no espectador um maior distanciamento, já que vê o cinema como uma ilusão de realidade, mas interiorizando que não passa de ilusão. Isso por muitas vezes não estraga o jogo porque o espectador, quando vai assistir a um filme está aceitando as regras, mas não entende mais esse cinema como reprodução fiel do real.

Porém, não é toda a produção audiovisual que é entendida como construção pelo grande público. Ao se deparar com uma notícia veiculada em um telejornal, o espectador médio a assimila como uma reprodução da realidade, na grande maioria dos casos sem nenhuma reflexão sobre se aquele evento foi manipulado, e acaba por aceitar o ponto de vista imposto pelo intermediador. Isso advém da crença, ingênua da maioria dos espectadores, de que ele tem na objetividade da notícia, que o jornalismo é algo imparcial, que apenas transmite um fato a ele, enquanto a arte se trata de uma construção subjetiva. Vôo United 93 paradoxalmente ao mimetizar uma linguagem documentária e evidenciar a existência de um olhar intermediário, acaba ratificando a sensação de realidade do filme.

Os cortes rápidos, câmera tremendo, presença de vários ruídos cotidianos no som, ao invés de serem percebidos como uma construção são assimilados como evidências de que a imagem não passou por manipulação consciente, pois se assemelha à linguagem que o espectador absorve como retrato da realidade e, acabam sendo entendidos, ingenuamente, como ruídos que não ocorreriam se a ação tivesse sido construída. Sem enfrentar contra argumentações, o discurso do filme é aceito como verdadeiro e as críticas acabam por corroborar o pensamento do diretor sobre os eventos, sem analisar a construção fílmica produzida.

Referências

a) Bibliografia

DA RIN, Silvio. Espelho Partido. Rio de Janeiro: Azougue, 2006.

NICHOLS, Bill. Introdução ao documentário. Campinas: Papirus, 2005.

SINGER, Ben. Modernidade, Hiperestímulo e o Início do Sensacionalismo Popular. IN: CHARNEY, Leo (ORG.); SCHWARTZ, Vanessa (ORG.). Cinema e a Invenção da Vida Moderna. São Paulo: Cosac & Naify, 2004.

THOMASSEAU, Jean-Marie, O Melodrama. São Paulo: Perspectiva, 2005.

XAVIER, Ismail, O Discurso Cinematográfico. São Paulo: Paz e Terra, 2005.

XAVIER, Ismail. O Olhar e a cena, São Paulo. Cosac & Naify: 2003.

b) Filmografia

VÔO UNITED 93. Direção: Paul Greengrass. Roteiro: Paul Greengrass. Intérpretes: Trish Gates, Polly Adams, Opal Alladin e outros. Estados Unidos, França e Inglaterra. 2006. DVD (111 min), sonoro, colorido.

c) Sites

BOSCOV, Isabela. Na rota da tragédia. http://veja.abril.com.br/300806/p_126.html. Acessado em 11/12/ 2008.

FELTRIN, Ricardo. Vôo 93 conta tragédia de 11/9 como um quase documentário. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u63926.shtml. Acessado em 11/12/ 2008.

ARAUJO, Inácio. Vôo United 93 dribla demagogia. http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq0909200725.htm. Acesso em 11/12/ 2008.

Thales Figueiredo da Silva é Formado em Rádio e TV pela Faculdade Cásper Líbero


[1] Existem diversas estilos de documentários, em Vôo United 93, e nos diversos filmes que se assemelham a ele em linguagem, há influência de diversos gêneros dado que a ligação deles com o gênero não-ficcional ocorre na intenção que o público os assimile como não-ficção e, para isso, se utilizam de diversos mecanismos que o espectador entende como documentais. A maior influência está nos documentários do cinema direto americano, que contam com uma câmera na mão que busca sempre a ação que acontece a sua frente, elementos que o público atual entende como de linguagem não-ficcional.

[2] Todos os comentários do diretor Paul Greengrass apresentados no artigo podem ser vistos no DVD do filme na opção de áudio comentada por ele.

[3] Comentário do diretor Paul Greengrass presente no DVD.

[4] Comentário do diretor Paul Greengrass presente no DVD.

[5] Idem

[6] A linguagem documental presente em Vôo United 93 contribui com a transmissão dessa ideologia, porém isso é uma característica presente já no cinema clássico melodramático, gênero que o cinema vem a adotar como gênero cinematográfico essencial por perceber a força que ele tem.

[7] O diretor fala em “reviver o dia” nos comentários presentes no DVD

[8] Comentário do diretor Paul Greengrass presente no DVD.

[9] Idem

[10] Idem

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