O Silêncio dos Inocentes: aplicação de um método de análise

Gustavo Aguiar*

O artigo em questão tem como objetivo apresentar um método de análise que pode ser empregado no processo de compreensão e interpretação do discurso fílmico. A partir de uma análise detalhada dos princípios narrativos do filme “O Silêncio dos Inocentes” (1991), este processo aprofunda-se para fatores bastante específicos.

Primeiramente, é estabelecida uma segmentação do filme em atos – existem sete atos, sendo que o primeiro pode ser considerado um prólogo, e o sétimo, um epílogo; os cinco atos restantes cumprem a função de desenvolver a narrativa do filme. Então, uma sequência é selecionada para análise e ela será localizada dentro do ato a que pertence; esse ato (6º ato) será descrito e fragmentado em sequências. A etapa conclusiva será recriar a decupagem da 3ª sequência do 6º ato, contabilizando seus planos e descrevendo elementos relativos à imagem e ao som; nesta etapa, devido à impossibilidade de analisar todos os planos existentes, houve uma separação de planos em conformidade com certas semelhanças – tendo como base a separação em conjuntos de planos ou set-ups, proposta por Nick Browne no texto O espectador-no-texto: a retórica de “No tempo das diligências”. Dessa forma, o leitor deve se atentar à análise do 6º ato, pois nele estão contidas informações importantes para a compreensão da decupagem da sequência analisada.

Resumo

O Silêncio dos Inocentes é um filme de suspense, baseado no livro homônimo de Thomas Harris. A história é sobre um serial killer, chamado Buffalo Bill, que sequestra suas vítimas, mantém-nas em cativeiro por cerca de três dias e, posteriormente, mata-as, esfola seus corpos e os joga em diferentes rios no território dos Estados Unidos. O porquê de ele fazer isso e a real natureza desse serial killer tentará ser descoberta pela agente do FBI Clarice Starling, juntamente com um psiquiatra antropófago que está preso, o Dr. Hannibal Lecter.

Segmentação do filme em atos

1º ATO:

a) 0min – 8min14s. O primeiro ato, assim como os posteriores, ocorre em um tempo atual, isto é, a estrutura do filme é bastante linear, com poucos flashbacks durante a trama.

b) Centro de treinamento do FBI e arredores.

c) Clarice Starling, recruta do FBI e personagem principal, está treinando em uma floresta, quando um agente a chama e diz que ela deve ir a um encontro no escritório do diretor, Jack Crawford. Starling passa pelas dependências do FBI até o Departamento de Ciência do Comportamento, entra na sala e espera Crawford chegar. Nesse ínterim, depara-se com notícias recortadas de jornais e fotos dos crimes do serial killer Buffalo Bill. Crawford tem um rápido diálogo introdutório com Clarice, até que lhe diz o real motivo de ela ter sido chamada: ela deve interrogar o psiquiatra Hannibal Lecter, um assassino com uma psicose que o leva a ter hábitos alimentares antropófagos.

d) O filme tem início em um Bosque perto de Quantico, VA. Esse escrito em itálico aparece como uma legenda que apresenta onde a cena inicial se passa. A legenda aparece na tela com uma fonte que lembra aquela usada em arquivos policiais; este elemento já faz com que o filme se aproxime de sua natureza policial, podendo-se considerá-lo como um arquivo policial e essa primeira cena como a primeira pasta desse arquivo.

Durante o diálogo entre Starling e Crawford, há o uso do recurso da câmera subjetiva, como que representando o olhar de Clarice. Crawford olha diretamente à câmera, como se estivesse olhando nos olhos de sua recruta. Não há o uso de campo/contra-campo nesse diálogo, recurso esse que seria mais usual, se consideradas as regras do cinema clássico.

Há um gancho sonoro que liga o primeiro e o segundo ato: no final do primeiro ato, Crawford alerta Clarice sobre a periculosidade de Lecter e diz para que ela nunca se esqueça do que ele é; ela lhe pergunta, então, o que ele realmente é; há um brusco corte para umestablishing shot de uma clínica – início do segundo ato –, no qual é possível ouvir a voz off do diretor da instituição dizendo que Lecter é um monstro.

Este primeiro ato cumpre a função de um prólogo. As personagens são apresentadas em cenas bem cotidianas, de normalidade, até que essa situação é revertida pelo recrutamento de Clarice para a missão de interrogar o Dr. Hannibal Lecter; o fato de a agente aceitar a missão que lhe foi proposta finaliza esse ato e dá início ao próximo, no qual ela começará a agir, a fim de completar sua tarefa.

2º ATO:

a) 8min15s – 31min37s. Os fatos continuam a se encadear de forma linear.

b) Instituição em que Lecter está internado / FBI / galpão em Baltimore / cela de Lecter.

c) Inicia-se na instituição mental – cena esta mostrada de maneira clássica, já que há um plano geral da instituição seguido pela cena de diálogo entre Clarice e o diretor do hospital; é uma forma clássica de apresentação de um local por haver antes uma ambientação (estabilishing shot), para que depois o espaço pontual da ação seja especificado – comandada pelo Dr. Chilton, primeiramente na sala dele, e depois seguindo seu percurso e de Clarice; a agente é apresentada aos enfermeiros e vai até o local específico da cela de Lecter, onde têm uma conversa, na qual ele cita fugazmente o serial killer Buffalo Bill.


O primeiro encontro entre Clarice Starling e o Dr. Hanibal Lecter.

Enquanto Clarice vai embora, após ter falhado ao entrevistar Hannibal, outro prisioneiro joga esperma no rosto da agente. Lecter chama desesperadamente Starling de volta e diz que ficou indignado com a falta de educação do outro prisioneiro; dá a ela uma pista com uma espécie de enigma embutido e Clarice vai embora correndo. Enquanto ela sai da instituição em direção ao seu carro,  há umflashback sobre sua infância feliz com seu pai; após essa lembrança, ela é mostrada chorando, encostada no capô de seu veículo.

Há um corte que introduz o treinamento de Clarice no FBI. Posteriormente, ela procura informações sobre o Dr. Hannibal “Canibal” Lecter – como os jornais o denominam. Crawford liga para Starling, afirmando que o prisioneiro que havia lhe jogado esperma se suicidara após Lecter ficar sussurrando certas coisas durante a noite; a agente conta sobre a pista que ele lhe deu e afirma que deve ir para Baltimore, a fim de esclarecê-la.

A próxima sequência tem início com Clarice abrindo a porta de um galpão em Baltimore. Há várias tralhas nesse local e, dentro de um carro, ela acaba encontrando uma cabeça humana dentro de um pote. Ela resolve ir ao manicômio novamente falar com o Dr. Lecter sobre sua descoberta, o qual afirma que a cabeça era de um ex-paciente seu. Após algum tempo de diálogo, Hannibal oferece um perfil psicológico de Buffalo Bill – baseado nas pastas do caso – e diz que ajudará Clarice a pegar o serial killer. Ao final deste segundo ato, o psiquiatra afirma que não há tempo a perder, pois o assassino já pode estar procurando sua próxima vítima; esse é o gancho narrativo para o próximo ato, que começa, através de um corte seco, na cena em que Buffalo Bill observa uma vítima.

a) Novamente, há um uso de câmera subjetiva – referente à personagem de Starling –, quando de seu diálogo com o Dr. Chilton. Esse recurso tenta de certa forma inserir o espectador na trama; Dr. Chilton – assim como Crawford, no primeiro diálogo com Clarice – dá avisos sobre a periculosidade de Lecter, e seu olhar direto para a câmera, além de “materializar” a visão da agente, também faz com que o espectador fique mais alerta, enquanto ouve o que está sendo dito.

Quando Dr. Chilton e Clarice chegam à porta que dá acesso ao local onde Lecter está, o doutor mostra à agente uma foto de um dos assassinatos cometidos pelo psiquiatra  antropófago, a fim de alertá-la novamente; há uma pesada iluminação vermelha em seus rostos, o que acentua a morbidez da fala de Chilton.

No momento em que Clarice chega em frente à cela de Lecter, há uma subjetiva de seu olhar, que mostra como ela analisa a cela, antes de direcionar seu olhar a Lecter. Pela primeira vez no filme, (manter vírgula) há uma subjetiva de outra personagem, que não a agente: Starling olha para a câmera, como que olhando os olhos de Hannibal.

b) No primeiro diálogo entre Clarice e Lecter, há uma pista inicial sobre acontecimentos finais da trama. Ela se aproxima da cela do psiquiatra e lhe pergunta se aqueles desenhos foram feitos por ele; ele afirma que sim, e que são da cidade de Florença, “com o Duomo, visto do Belvedere”. Futuramente, será descoberto que Belvedere é cidade da primeira vítima de Buffalo Bill.

Este segundo ato reitera o prosseguimento do filme conforme os moldes de divisão recorrente no cinema clássico. O ato se inicia com a apresentação de Clarice a Lecter, seguindo-se pela pista que o doutor dá à agente; durante esse ato, então, Starling procurará desvendar esta pista. Finalmente, ela encontra a solução e o Dr. Hannibal Lecter lhe oferece ajuda para encontrar o assassino.

3º ATO:

a) 31min37s – 48min43s. O decorrer do tempo ainda se dá de forma linear.

b) Memphis – TN, nos arredores da casa de uma vítima de Buffalo Bill / FBI / Virginia Ocidental, onde um corpo de outra vítima foi encontrado.

c) A vítima do serial killer é apresentada dirigindo e cantando, enquanto ele a observa com um binóculo noturno. Buffalo Bill se passa por inválido – com um braço incapaz –, e consegue chamar a atenção de sua vítima; ela lhe oferece ajuda. A vítima se chama Catharine e entra no furgão para ajudá-lo a carregar seus móveis; com uma pancada, ele a deixa inconsciente e corta sua blusa, a qual joga no chão como prova, para que a polícia saiba que ela fora sequestrada.

Há um corte para o treinamento de Clarice, no FBI. Ela é chamada por um agente e é enviada para Virginia Ocidental, onde um novo corpo foi encontrado. Lá, o corpo está sendo examinado em um local onde, concomitantemente, está havendo um velório. Certo momento, Starling fica sozinha e anda pelo velório; nesse momento, tem outro flashback e agora se lembra do velório de seu próprio pai. Ela é, então, chamada por alguém, o que finaliza o flashback e a faz ir para outra sala, a fim de que examine o corpo. Durante o exame, a agente alerta a todos que a vítima tem algo dentro da boca, o que se descobre ser um casulo.

Starling vai atrás da ajuda de estudiosos – provavelmente biólogos –, a fim de desvendar a procedência daquele casulo na garganta da vítima. Descobre que o casulo é de uma espécie muito rara nos EUA e que apenas poderia ser cultivada lá, (manter vírgula) caso alguém tivesse dado um tratamento especial. Nesse momento, há um corte seco que mostra mariposas voando na casa de Buffalo Bill, tendo início o terceiro ato.

d) As subjetivas ainda são bastante utilizadas neste ato, começando pela do binóculo noturno de Buffalo Bill: a tela fica com uma tonalidade toda verde, o que simula a visão do assassino através do binóculo. Na cena do velório, (manter vírgula) há mais uma subjetiva de Clarice, na qual um policial local e Crawford olham direto para a câmera, como que olhando para a agente. O outroflashback mostra novamente uma lembrança de seu pai, o que reitera a importância da figura paterna para ela.

e) Mais uma vez, a localização de duas cenas (Memphis, TN e Condado de Clay – Virginia Ocidental) aparece com letras de arquivo policial; a primeira localização está relacionada ao local de captura de uma vítima e a segunda, ao lugar em que um corpo foi encontrado. Esse recurso reafirma que o filme representa, de certa forma, um arquivo policial, e que certas cenas saíram de diferentes pastas deste arquivo.

O problema apresentado neste terceiro ato é o do novo corpo encontrado. Clarice e Crawford examinam o corpo e encontram um casulo dentro da garganta da vítima, o que cria um mistério a ser desvendado pela agente. Starling, então, descobre qual a natureza do casulo, solucionando o que havia sido anteriormente proposto como situação-problema.

4º ATO:

a) 48min44s – 1h04min45s. A narrativa continua seguindo um tempo real e de forma linear.

b) Casa de Buffalo Bill / FBI / instituição onde está internado o Dr. Hannibal Lecter / Aeroporto de Memphis.

c) A casa de Buffalo Bill é mostrada e o espectador fica sabendo que sua última vítima ainda está viva. Há um corte para a agência do FBI, onde os recrutas e policiais ouvem um jornal, que noticia que a mulher sequestrada pelo serial killer se chama Catherine Martin e é filha de Ruth Martin, importante senadora dos EUA; a senadora faz um pronunciamento, pedindo a liberação de sua filha.

Starling vai novamente à instituição falar com Lecter, apresentando-lhe uma proposta, para que ele possa ajudar na solução do caso Buffalo Bill oficialmente; o psiquiatra a faz falar sobre suas lembranças, especialmente as de seu pai. Clarice descobre que a mariposa é colocada na garganta das vítimas para representar mudança: Buffalo Bill deseja fazer uma operação de mudança de sexo. Há um corte e o espectador percebe que o Dr. Chilton, diretor do hospital, está ouvindo toda a conversa entre ambos; um corte conseguinte mostra o assassino conversando com sua vítima.

Dr. Chilton revela a Lecter que a proposta da agente Starling era falsa e lhe faz uma nova proposta; Hannibal aceita e é enviado para Memphis ao encontro com a senadora. No aeroporto, Dr. Chilton percebe que perdeu sua caneta – e fica subentendido, por causa de uma cena anterior, que o psiquiatra conseguiu pegá-la; Lecter fala com a senadora Ruth Martin, faz provocações, mas acaba dando pistas que parecem ser concretas sobre o serial killer.

d) Um pequeno plano sequência – que na verdade não se trata exatamente desse tipo de plano, mas é apenas um plano mais longo –, no início do ato, mostra a casa do assassino, desde a sua criação de mariposas até o local macabro – um poço profundo –, onde esconde suas vítimas.

Há um plano detalhe de uma caneta, que gradativamente de aproxima, em zoom in, do objeto em questão; isto evidencia que tal caneta terá, futuramente, importância para a história.

e) A fonte parecida com a usada em arquivos policiais é também utilizada nesse ato, para mostrar mais uma pasta do caso.

A apresentação deste ato se dá com a ambientação interna da casa onde mora Buffalo Bill. No desenvolvimento, Clarice busca pistas sobre o assassino com Lecter e lhe faz uma falsa proposta de mudança de instituição. Posteriormente, o Dr. Chilton desmente a proposta apresentada por Starling e oferece ao psiquiatra um novo acordo. Hannibal é, portanto, transferido para Memphis, onde dá algumas pistas sobre o caso. Clarice acaba falhando em sua tentativa, mas Lecter aceita outra proposta verdadeira, o que finaliza este ato.

5º ATO:

a) 1h04min46s – 1h27min10s. O tempo continua transcorrendo linearmente.

b) Tribunal do Condado de Shelby, onde Lecter está temporariamente preso / casa do assassino.

c) Clarice vai escondida visitar o Dr. Lecter em sua nova prisão, a fim de interrogá-lo pela última vez. O psiquiatra deseja saber mais sobre seu passado e ela lhe conta sobre o cordeiro que tentou salvar de um abate, mas que não conseguiu; ela diz que, às vezes, acorda e ouve os gritos dos cordeiros. Agentes do FBI descobrem que Starling está interrogando Lecter sem autorização e a retiram da sala, mas, antes, Hannibal entrega a ela a pasta do caso, com algumas anotações feitas por ele.

Posteriormente, os dois policiais que vigiam Lecter vão lhe servir o jantar; nesse momento, o espectador percebe a utilidade da caneta roubada do Dr. Chilton e que já havia sido mostrada em plano detalhe, em uma sequência anterior: o psiquiatra usa uma parte dela, para conseguir se desprender de suas algemas. Após se soltar, mata os dois policiais. O restante dos policiais que fazia guarda em andares abaixo escuta tiros vindos do local onde Lecter estava preso e descobre que um policial está morto e que o outro está gravemente ferido – só não sabem exatamente o paradeiro de Hannibal. Descobrem que o psiquiatra cortou todo o rosto e o couro cabeludo de um dos policiais e cobriu seu rosto com isso, além de usar as vestimentas dele, a fim de conseguir se passar por policial e conseguir fugir.

Há um corte e a ação agora ocorre entre Clarice e uma amiga, as quais tentam descobrir algo das anotações feitas por Lecter na pasta do caso Buffalo Bill. Starling se lembra de algo que o psiquiatra falara de forma bem enfática e as duas descobrem que o serial killerconhecia e, possivelmente, convivia com sua primeira vítima, Fredrica Bimmel, de Belvedere.

d) Os rostos de Clarice e Lecter são mostrados em primeiros planos, por entre barras de ferro, durante grande parte do diálogo entre ambos. No decorrer da conversa, quando os assuntos ficam gradativamente mais pessoais, há um zoom in nos rostos deles, configurando primeiríssimos planos; nesse momento, as grades da cela já não estão mais visíveis – o desaparecimento das grades de quadro pode ser visto como uma aproximação dos personagens, criando um clima mais intimista, muito ligado ao conteúdo da conversa.

O Silêncio dos Inocentes

e) A fonte parecida com aquela usada em arquivos policiais ainda é utilizada, para mostrar a localização em que Lecter está preso –Tribunal do Condado de Shelby.

Neste ato, a sutil pista deixada por Lecter, quando de sua primeira conversa com Clarice, torna-se evidente: o psiquiatra diz, no início, que em um de seus desenhos estava “o Duomo, visto do Belvedere”, e neste ato, Clarice vai atrás de pistas da primeira vítima de Buffalo Bill, que é da cidade de Belvedere, Ohio.

Toda esta parte se configura como um ato, pois há uma apresentação, que se refere ao encontro entre Clarice e Hannibal; um desenvolvimento, no qual Lecter dá pistas, a fim de ajudar a agente a encontrar o assassino; e uma solução, quando a agente e uma amiga conseguem desvendar as pistas deixadas pelo psiquiatra.

6º ATO:

a) 1h27min11s – 1h50min19s. O tempo ainda transcorre linearmente.

b) Belvedere, Ohio, na casa da primeira vítima / Quartel General da Guarda Aérea Nacional, em Chicago, IL.

c) Clarice vai a Belvedere, à casa da primeira vítima de Buffalo Bill e em outros locais, a fim de desvendar o caso. Observando o quarto de Fredrica Bimmel, Starling descobre fotos dela com roupas íntimas e seminua; posteriormente, ela encontra uma roupa com cortes em forma de losango, muito parecidos com aqueles feitos por Buffalo Bill no corpo desta sua primeira vítima – Clarice percebe, nesse instante, que o serial killer conhecia intimamente sua primeira vítima e que o seu objetivo, ao matar todas aquelas mulheres e cortar pedaços de suas peles, é fazer para si próprio uma roupa feita com pele humana. Starling liga para Crawford, animada com o progresso de suas investigações, mas ele afirma que já achou a localização de Buffalo Bill – que na verdade se chama Jame Gumb –, em uma cidade que se chama Calumet City, em Chicago. A agente fica desapontada, mas diz que ainda continuará as investigações em Belvedere.

Há um corte para a casa do assassino, onde Catherine Martin, no poço, tenta arquitetar um plano, para capturar a cachorrinha doserial killer e, então, poder chantageá-lo. Enquanto isso, em outro cômodo, ele dança e se exibe nu para a câmera, em frente a um espelho. Concomitantemente, Clarice conversa com uma amiga de Fredrica Bimmel e consegue o endereço de uma costureira, para a qual a primeira vítima de Buffalo Bill trabalhava.

Outro corte leva a Calumet City, onde é mostrada a parte externa de uma casa, na frente da qual o FBI começa a se reunir paulatinamente, a fim de infligir um ataque à suposta casa do assassino; Jame Gumb é mostrado paralelamente em sua casa. Um agente à paisana do FBI toca a campainha da casa em Calumet City; o serial killer ouve a campainha de sua casa tocar. O espectador entende, por meio dessa montagem paralela, que o FBI está chegando realmente à casa do assassino. No entanto, quando o Buffalo Bill abre a porta de sua casa, há uma total quebra de expectativa, e quem aparece é Clarice, e não os agentes do FBI; o FBI descobre, então, que errou, e Crawford percebe que talvez Starling esteja, no mesmo momento, próxima de capturar Buffalo Bill. Ele a convida para entrar e a agente, após observar os cômodos, depara-se com uma mariposa voando, o que a faz perceber que está frente ao assassino; ela lhe aponta a arma e tenta rendê-lo, mas ele, furtivamente, consegue correr para o porão sombrio de sua casa. Clarice corre atrás dele e chega ao porão onde Catherine está; no entanto, ainda não pode ajudá-la e vai à procura de Jame Gumb. O serial killer apaga todas as luzes de sua casa, deixando Starling às cegas, enquanto ele a observa com seus binóculos noturnos: o suspense do filme chega ao ápice, sendo este o clímax da narrativa. A perseguição termina, quando Buffalo Bill engatilha seu revólver e Clarice percebe rapidamente, virando-se para ele e lhe direcionando uma série de tiros. Após a morte do assassino, o FBI chega e finalmente resgata Catherine.

d) A montagem paralela começa a ser bastante utilizada neste ato, mostrando as ações do FBI chegando a Chicago, de Starling continuando suas investigações em Belvedere e de Buffalo Bill em sua casa.

A câmera subjetiva é usada mais uma vez, quando Clarice conversa com uma amiga de Fredrica Bimmel; tal amiga olha diretamente para a câmera que faz o papel da visão da agente.

e) Belvedere, Ohio, e QG da Guarda Aérea Nacional (Chicago, IL) aparecem em fonte de arquivo policial, como se mais duas pastas do caso Buffalo Bill estivessem sendo abertas.

Na sequência em que o serial killer apaga todas as luzes de sua casa, há uma clara referência a Psicose (1950), de Alfred Hitchcock: uma lâmpada pendurada no teto por um extenso fio balança de um lado para o outro, como quando de uma das sequências finais do filme de Hitchcock.

Como se sabe o filme é baseado no livro homônimo de Thomas Harris. Na cena da montagem paralela, em que os agentes do FBI chegam à Calumet City, é mostrado um establishing shot de uma casa de apenas um andar. No livro de Harris, Clarice percebe que Buffalo Bill só poderia morar em um sobrado – pois precisaria de muito espaço para realizar seus crimes –, o que desde a primeira parte do livro já fica claro nas investigações. O establishing shot da casa em Calumet City já serviria de aviso para os espectadores que já tivessem lido a obra literária; no entanto, posteriormente, quando Starling é mostrada entrando na casa do serial killer, há uma panorâmica que mostra o sobrado, confirmando a informação do livro – o que fica claro logo na primeira parte do livro, no filme apenas fica evidente neste momento.

Este ato pode ser considerado como tal, pois Clarice inicia investigando pistas em Belvedere, até que, no desenvolvimento de sua busca, percebe que está muito próxima do assassino; uma ligação de Jack Crawford quase faz com que ela termine sua investigação. Mas Starling ainda investiga fatos em Belvedere, até que se depara com o assassino na própria casa dele. O desfecho deste ato ocorre quando a agente consegue matá-lo.

7º ATO:

a) 1h50min20s – 1h58min17s. O tempo ainda segue um fluxo linear.

b) Departamento de Justiça – Bureau de Investigações.

c) Formatura dos recrutas do FBI, seguida por uma festa de confraternização. Uma amiga de Starling a informa que há um telefonema para ela. Ela vai atender e, quando ouve a voz, percebe que é do Dr. Hannibal Lecter, que está foragido. Após uma pequena conversa, percebe-se que o psiquiatra está em algum país tropical, seguindo o Dr. Chilton – que é o diretor da instituição em que primeiramente Lecter estava internado –; ele afirma para Clarice que mais tarde jantará com um velho amigo, o que faz com que fique subentendido que ele praticará seus hábitos canibais com Chilton.

d) Ao final, há um movimento de tilt (panorâmica vertical), que antes mostra Lecter bem próximo e depois vai se levantando e mostrando uma comprida rua, até que a câmera permaneça estática; os créditos finais vão rolando por cima desse plano estático.

e) O local do último ato, que é o Departamento de Justiça – Bureau Federal de Investigações já não aparece mais com a fonte que lembra as letras de um arquivo policial – para mostrar esta ambientação, o primeiro plano deste ato começa em uma placa pregada a um palanque, com as inscrições que demarcam o local, para posteriormente subir e mostrar a ação que está ocorrendo atrás do palanque –, pois o caso já está encerrado e Buffalo Bill já está morto; não há mais pastas (cenas, sequências) a serem abertas, por isso, as letras que remetem a um arquivo policial não são usadas.

O ato final se configura por uma volta à normalidade, fechando o ciclo que bem caracteriza o cinema clássico. O filme em questão pode não seguir estritamente todas as normas do cinema clássico, mas possui esta característica circular, mostrando personagens inicialmente em ambientes de normalidade, vivendo sua vida cotidiana, até o surgimento de alguma missão a ser cumprida. Durante todo o filme, Clarice Starling tentará cumprir sua missão, que é capturar o serial killer Buffalo Bill, o que finalmente ocorre no sexto ato do filme. O sétimo ato mostra a volta à normalidade, com a agente do FBI recebendo seu título oficialmente e participando de uma festa de confraternização.

Descrição das sequências do 6º ato (1:27:11 – 1:50:19)

1ª) 1:27:11 até 1:33:11 (6 min.) – Essa sequência mostra Clarice chegando a Belvedere, OH, cidade da primeira vítima de Buffalo Bill, Fredrica Bimmel; passa-se quase que inteiramente na casa dela. A agente Starling conversa com o pai de Fredrica, que a leva ao quarto da filha; Clarice olha o quarto e encontra, dentro de uma caixinha de música, fotos da vítima com roupas íntimas e seminua – no momento em que a agente abre a caixinha de música, começa a tocar uma música bastante delicada, que se contrapõe ao tom de suspense que marca essa etapa quase final das investigações. Clarice deixa as fotos e vai para outro cômodo, no qual há um papel de parede de mariposas; abre a porta de um guarda-roupa e encontra, pendurado na porta, um vestido, no qual há dois cortes em forma de losango nas costas. Esses cortes remetem ao tipo de corte que Buffalo Bill fez nas costas de Fredrica, fazendo Clarice instantaneamente descobrir os reais motivos do serial killer: fazer para si próprio uma roupa com peles de mulheres. Ela liga para Jack Crawford para lhe contar sua descoberta, mas ele diz que já encontrou o nome – Jame Gumb – e a localização do assassino, em Calumet City, Illinois; Starling afirma que irá para lá, mas ele diz para que ela continue suas investigações em Belvedere.

Nas cenas desta sequência, a câmera se move, como que seguindo o olhar de Clarice. As panorâmicas – muito recorrentes não apenas para simular o olhar da agente, mas também para mostrar toda a ambientação – no quarto e os zooms in – que mostram planos detalhes de certos objetos – direcionam a visão do espectador, a partir do que supostamente a agente estaria olhando. As tomadas em plongée também são bastante usuais; com exceção de uma tomada em contra-plongée, que mostra Clarice de costas entrando no quarto, no resto dos planos é usado o plongée, às vezes com primeiros planos da agente, revelando o seu olhar de dúvida sobre todo o ambiente.

2ª) 1:33:12 até 1:36:20 (3min08s) – Passa-se na casa do assassino Jame Gumb. A prisioneira Catherine Martin tenta elaborar um plano para capturar Precious, a cachorrinha do serial killer; paralelamente, ele é mostrado se maquiando e se arrumando – nesse momento, há primeiríssimos planos dos olhos e da boca do assassino – e, posteriormente, exibindo-se para uma câmera – esse plano é concebido como se fosse uma subjetiva da câmera Buffalo Bill no universo diegético, pois ele se mostra e olha, simultaneamente, para a câmera diegética/câmera não-diegética. Há um gancho sonoro que leva à próxima sequência: quando do corte do plano em que Jame Gumb se exibe para a câmera para a chegada do FBI em Calumet City, há um barulho de turbina de avião que aumenta (encavalamento de som), marcando a transição entre as sequências.

3ª) 1:36:21 até 1:41:15 (4min54s) – Há vários acontecimentos e locais presentes nesta sequência, que muito utiliza dos recursos da montagem paralela. Primeiramente, o FBI é mostrado chegando a Calumet City, Chicago; depois, Clarice conversa com uma amiga de Fredrica e pergunta se ela conhecia Jamie Gumb. A amiga afirma que não, mas lhe passa o endereço da Sra. Lippman, a costureira para a qual Fredrica trabalhava – a partir daqui, é ocultado do espectador o progresso de Clarice.

Logo depois, há uma cena de Jame Gumb no interior de sua casa e, paralelamente, do FBI se posicionando em frente à suposta casa do assassino em Calumet City – o espectador acredita, devido a essa montagem paralela, que aquela é realmente a casa do assassino. O serial killer ouve um grito de sua cachorrinha e vai checar o que aconteceu, quando percebe que sua prisioneira capturou Precious, a fim de chantageá-lo.  Ele fica bastante nervoso, pega um revólver, mas acaba voltando sua atenção ao toque da campainha – acreditamos que o FBI esteja realmente tocando a campainha da casa do assassino. Como ele demora a atender, o FBI decide entrar à força. No entanto, quando Jame Gumb abre a porta, deparamo-nos com Clarice, o que ocasiona uma grande quebra de expectativa, já que, desde a conversa com a amiga de Fredrica, o espectador não era informado do progresso da agente e nem que Buffalo Bill estava na casa da Sra. Lippman. Além disso, o espectador acreditava, devido à montagem paralela entre a ação externa do FBI e da ação interna do serial killer em sua casa, que o assassino realmente morava na casa em Calumet City. O FBI invade a casa errada e Jack Crawford percebe, então, que Clarice estava seguindo a pista certa. Há um plano final em panorâmica, que mostra um trilho de trem, até chegar a um sobrado, que se subentende como a verdadeira casa de Buffalo Bill – há um encavalamento sonoro nesta sequência com a voz over de Jame Gumb perguntando sobre os progressos do FBI.

4ª) 1:41:16 até 1:50:19 (9min03s) – Esta sequência tem início com um diálogo entre Clarice e Jame Gumb. Enquanto ele fala, a agente vai observando o cômodo, até que vê uma mariposa pousar em um rolo de linha de costura (a mariposa e a linha de costura são dois símbolos visuais estritamente ligados ao assassino); ela então percebe que está frente a Buffalo Bill. Tira sua arma da cintura e tenta rendê-lo, sem sucesso; ele corre para o porão sombrio de sua casa e Clarice o segue. Quando chega ao porão, encontra Catherine Martin e diz que ela está salva, mas que ainda tem que procurar o assassino. Starling, então, vai em busca do serial killer; o aspecto macabro da casa de Buffalo Bill é fartamente mostrado, até que ela entra em um banheiro e encontra um corpo deteriorado dentro de uma banheira; nesse momento, todas as luzes se apagam, e a tela fica esverdeada, como que simulando a visão que o assassino tem através de seu binóculo noturno.

O Silêncio dos Inocentes

Clarice fica desnorteada com as luzes apagadas e podemos ouvir com bastante clareza sua respiração ofegante; o assassino direciona sua arma para a agente e, ao engatilhá-la, Starling a ouve e rapidamente se vira em direção a ele, disparando vários tiros. Um dos tiros atinge uma janela, quebrando-a e fazendo entrar luz no ambiente. A sequência termina com um plano de Jack Crawford indo em direção à Clarice e lhe dando apoio.

Decupagem da 3ª sequência do 6º ato

A sequência escolhida para análise tem 65 planos, dentro de seus 4 minutos e 54 segundos de duração (cada plano dura, em média, 4,5s, o que imprime à sequência a característica de uma montagem bastante ágil). Como a quantidade de planos é inexaurível para uma análise mais minuciosa, os planos mais parecidos serão agrupados e analisados em conjunto.

Clique aqui para visualizar a tabela.

* Gustavo Aguiar é graduando em Imagem e Som, na UFSCar, participa colaborativamente como editor da seção Panorama, da Revista Universitária do Audiovisual (RUA), e é bolsista de iniciação científica FAPESP com o projeto “Macbeth recriado: visões de Welles, Kurosawa, Polanski e Henríquez”.

Referências bibliográficas

  • BROWNE, Nick. O espectador-no-texto: a retórica de “No tempo das diligências”. In: RAMOS, Fernão P. (org.). Teoria contemporânea do cinema, vol. 2. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2005.
  • MARTIN, Marcel. A linguagem cinematográfica. São Paulo: Brasiliense, 2003.
  • VANOYE, Francis e GOLIOT-LÉTÉ, Anne. Ensaio sobre a análise fílmica. Campinas, SP: Papirus, 1994.
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