Por Thiago Jacot*
A Mostra Liebe und Lust – Sobre o Amor e o Desejo no Cinema Alemão aconteceu entre os dias 28/02 e 01/03 na cidade de São Carlos com curadoria de Paulo Ortega e realização da Escola de Idiomas Zwei e a Coordenadoria de Artes e Cultura da Prefeitura da cidade, contando com o apoio do Instituto Goethe de São Paulo, Universidade de São Paulo(USP campus São Carlos) e da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos).
Um dos objetivos deste evento foi fazer com que o público freqüentasse diferentes espaços da cidade, afim de uma integração maior entre a população e seus lugares de fomento cultural, no caso, com a ajuda do controverso cinema alemão. Os locais de exibição foram: o Anfiteatro da Escola de Engenharia da USP EESC- USP, Teatro de Bolso do DAC – UFSCar ( Departamento de Artes e Comunicação) e o Cine São Carlos. Embora, dois dos locais fossem dentro das universidades, não houve impedimentos para um sucesso de público não universitário.
O amor e o desejo são temas paradoxais. Universais ao mesmo tempo em que são tão pessoais e culturais. Podem se relacionar ou não. Com a chamada sopa da pós-modernidade, inclusive, suas definições se diluem em sentimentos complexos e personagens mais complexos ainda que tentam entender seu lugar na vida e no mundo. Claro que o amor e o desejo permeiam esse questionamento. Como senti-los e expressa-los? Deixemos essa resposta com a cinematografia alemã e a seleção de filmes feitas para a Mostra. Esse pulso no cinema, carnal e forte, resulta no saborear de representações de distintos autores consagrados, com visões muito particulares do que afinal é amar e desejar. A seleção das obras foi excelente para começar.
A primeira sessão contou com a exibição de dois filmes: O Casamento de Maria Braun (Die Ehe der Maria Braun, 1979, Rainer Werner Fassbinder) e Wolke 9( idem, 2008, Andreas Dresen) . O Primeiro do grande cineasta Fassbinder, famoso pelas mulheres em seus filmes, conta a história de Maria Braun, brilhantemente interpretada por Hanna Schygulla, uma mulher complexa, inconstante que objetiva nas suas escolhas em plena 2ª Guerra Mundial a dialética entre o amor e a fidelidade e os homens da sua vida com a sua carreira profissional. Um filme intenso e intensificado pela personagem título. Maria Braun é apaixonante, mas consegue romper qualquer indício romântico em relacionamentos.
O segundo filme, Wolke 9, porém, caminha por outra via. Quem decide quando o amor e o sexo não são mais possíveis? Da recente filmografia alemã, um filme onde, apesar do roteiro escrito por Dresen, todos os diálogos foram improvisados pelos atores. Os protagonistas Inge, 65 e Karl, 76 anos, emocionaram Cannes em cenas de sexo real em uma inusitada história de amor. Premiado com Un Certain Regard no festival de Cannes em 2008. Filme inédito no Brasil.
No segundo dia de exibição, contamos com Morte em Veneza do mestre italiano Luchino Visconti ( Death in Venice, 1971, Luchino Visconti). O filme é uma co-produção entre vários países, mas é baseado no livro homônimo do escritor alemão Thomas Mann. O compositor alemão Gustav Aschenbach (protagonizado por Dirk Bogarde) vive uma crise existencial sobre o papel da arte e da beleza. Para descansar do seu estresse, ele viaja para passar o verão em Veneza. No entanto, ele conhece um belo rapaz chamado Tadzio. Um adolescente em plena puberdade e juventude. Esse encontro pela perfeição e pela beleza gera uma paixão obsessiva por Tadzio, que acaba levando-o a destruição. A cena final se revela um gozo da oportunidade de encontrar o verdadeiro belo, algo muito grego por sinal. Plasticamente impecável. O segundo filme exibido em seguida veio das mãos do híbrido cineasta turco-alemão Fatih Akim. O filme Contra a Parede (Gegen die Wand, Fatih Akin, 2004) foi o vencedor do Festival de Berlim em 2004. Da nova safra de cineastas alemães, Fatih Akim prova sua habilidade em arranjar os encontros e desencontros que a vida nos proporciona. O filme conta a história de um casal problemático que vai se unir em um matrimônio falso, para apenas tentar viver sem amarras familiares e morais. Porém, a convivência irá gerar uma história de amor de dois desajustados com conseqüências inusitadas. Akim costuma misturar culturalmente a Alemanha e a Turquia em seus filmes, resultando em obras extremamente criativas e ricas de referências culturais que os expectadores ocidentais não estão acostumados a ver. O Amor e o Desejo nunca doeram tanto. Vale a pena conferir Do Outro Lado, filme de 2007, outro grande filme do diretor.
Por fim, para terminar essa seleção e fechar com chaves de ouro, foi exibido o magnífico Paris, Texas (idem, Wim Wenders, 1984). O filme foi o vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes. Wim Wenders figura icônica do Novo Cinema Alemão conta a história de Travis, um homem que, depois de estar desaparecido por mais de quatro anos, é reencontrado pelo seu irmão num hospital na região desértica do Texas. Maltrapilho e com amnésia, é levado pelo seu irmão para reencontrar seu filho de sete anos que foi abandonado pela mãe, sua ex-esposa. Inicialmente estranhos Travis e seu filho iniciam uma reaproximação que culmina numa grande amizade e também no desejo de reencontrar a mãe. O filme possui paisagens fantásticas e enquadramentos do horizonte de tirar o fôlego. Sem falar também dos longuíssimos planos seqüência durante os diálogos que maximizam os sentimentos da cena. Paris, Texas fecha a Mostra com a sensibilidade que pode resultar do amor e o desejo.
De fato, o público morre de vontade de conferir filmes diferentes, no sentido de cinematografias que fogem do lugar comum. Essa seleção provou a eficácia disso e trouxe o deleite de ver obras tão distintas, de cineastas com estilos próprios e distintos entre si, que mostram em diferentes ângulos, o que o amor e o desejo podem ser, se tornar a ser ou simplesmente não ser. Os organizadores da Mostra estão de Parabéns pelo excelente evento organizado.
Para maiores informações sobre a organização da Mostra, acesse: http://www.zwei.net.br/mostra/
*Thiago Jacot é graduando do curso de Imagem e Som da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e Editor Geral da Revista RUA.
