Festival de Cinema Paulínia 2011

Por Carolina Vilaverde*

O Festival de Cinema de Paulínia, criado em 2008 e já consagrado no circuito nacional como uma das principais premiações do país, teve sua quarta edição entre os dias 7 e 14 de julho de 2011. Localizado no interior de São Paulo, o festival surgiu da necessidade de expor as primeiras produções rodadas no Polo Cinematográfico de Paulínia. O projeto inovador da prefeitura, que tem investido muito para se tornar o grande centro de produção audiovisual nacional, tem gerado importantes frutos, como a criação do próprio festival e a construção do Theatro de Paulínia.

Theatro Municipal - foto de Carolina Vilaverde

Durante o evento, foram exibidas 27 produções, divididas entre Ficção, Documentário, Curtas Nacionais e Regionais, além do filme de abertura e de encerramento. Também ocorreram sessões de debate sobre os filmes, sempre na manhã seguinte à exibição dos mesmos.

A grande novidade do ano foi a ideia de promover, simultaneamente ao Festival de Cinema, o “Paulínia Fest”, festival de música da cidade. Os shows de grandes nomes da MPB e da Tropicália aconteceram em espaço conjugado ao Theatro Municipal de Paulínia, onde ocorriam as exibições dos filmes. Participaram, neste ano, figuras como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Rita Lee, Vanessa da Mata, Seu Jorge e a dupla inglesa Addictive TV – que, em seu trabalho, une cinema e música eletrônica.

Pelo tamanho do festival, não pude assistir a todos os filmes. Comento, abaixo, o evento e apenas algumas das obras exibidas. Gostaria de lembrar que os comentários feitos são pessoais e se baseiam na minha própria interpretação dos filmes.

Sobre o festival

O Festival de Paulínia mostrou ser um evento bem organizado e profissional. Como exemplo, compartilho a experiência do meu primeiro dia no evento. A exibição do filme O Palhaço, de Selton Mello, gerou tanta expectativa que lotou o teatro bem antes do horário previsto. A fila enorme e descontente do lado de fora fez com que os organizadores decidissem rapidamente abrir sessões extras para todos os longas de Ficção, logo após a primeira sessão. A iniciativa se mostrou bem sucedida, pois todas as sessões extraordinárias estavam lotadas de pessoas que prestigiaram as obras do festival.

Apesar de ser uma grande iniciativa para o cinema nacional, pelo menos entre as produções a que assisti, tive a impressão de que faltou um pouco de ousadia na seleção dos filmes, que, em geral, mostravam “mais do mesmo”, sem grandes atrevimentos e bastante comerciais.

Curtas Nacionais

O curta mais comentado e premiado foi Tela, de Carlos Nader, que ganhou o prêmio de Melhor Filme na categoria Curta Nacional, além de ter sido escolhido como o Melhor Curta Nacional pelo júri da crítica. Sem dúvidas, foi o roteiro mais experimental a que assisti. A mescla da experiência do diretor com a autenticidade de sua história, escrita anos antes por um Nader muito mais jovem, produziu uma combinação interessante e que talvez explique a ousadia presente no filme.

"Tela" - dirigido por Carlos Nader

A obra instiga e intriga o espectador, que se vê tentando acompanhar o que se passa na tela. Vemos um homem sentado na plateia de um cinema dormindo. Ele acorda e pergunta para a namorada “O que é isso?”. “Um filme”, ela diz. Será? É a dúvida que vai sendo criada perspicazmente pelo diretor, que conduz o espectador por meio de uma linha tênue entre o riso e a tensão. Destaque para a excelente atuação de Luis Miranda, que faz essa transição entre o suspense e o humor de forma magistral. Um filme irônico e original, principalmente pelas referências que faz ao próprio cinema, às políticas governamentais de incentivo à produção nacional e à própria plateia.

Café Turco, de Thiago Luciano, é outro filme original e que cativou os espectadores, conquistando a premiação de Melhor Curta Nacional na votação do público. Livremente inspirado na peça Terra Santa, de Mohamed Kacimi, a obra retrata a interação entre os dois únicos personagens da trama, um soldado e uma jovem, e mostra as reações humanas diante de um ambiente dominado pela guerra e pelo medo. Uma verdadeira poesia, construída em um único cenário, com dois atores em cena e um excelente texto. Os atores Rodrigo Feldman e Kadi Moreno dominam bem a cena e conseguem manter a tensão necessária o tempo todo.

Café Turco (Zero Grau Filmes)

Apesar das dificuldades óbvias em reconstruir uma outra cultura, o filme consegue com sucesso fugir do estereótipo dos filmes brasileiros, com um trabalho muito bem feito de construção dos cenários, objetos de cena e figurino. Além disso, a fotografia e o tratamento dado às imagens se destacam por serem essenciais na criação da atmosfera da obra.

foto de Sissi Venturin

O formato fácil de entender e recheado de clichês de Trocam-se Bolinhos por Histórias de Vida, de Denise Marchi, fez sucesso entre o público, que aplaudiu bastante o curta. Muito bem executado, o filme conta a história de uma jovem que está triste por ter sido dispensada pelo noivo pouco antes do casamento. Dona de uma confeitaria, a moça decide trocar os ‘cupcakes’ feitos para o casamento por histórias de vida de seus clientes.

As histórias que a protagonista ouve em troca dos bolinhos são fortes, e funcionam como uma fuga estratégica da narrativa central, mostrando outros pontos dos relacionamentos humanos. Com um final feliz, o filme garante o desfecho mais do que esperado pelos espectadores românticos. É um filme leve, engraçado, bem juvenil, mas que cumpre muito bem a função de comédia romântica.

Embora seja bastante ingênuo no conteúdo da história, a realização do curta não tem nada de infantil. Atores, arte, fotografia, direção, trilha sonora e montagem se encaixam e criam uma atmosfera fofa e sensível, que tem tudo a ver com a narrativa que está sendo contada. Em minha opinião, porém, o filme não lidou bem com o formato de curta metragem, dando a impressão de que a história foi encurtada para caber no tempo desejado.

Documentário

Entre os documentários, o destaque foi Rock Brasília – Era de Ouro, de Vladimir Carvalho, que narra o surgimento e o crescimento do cenário musical voltado ao rock em Brasília. Utilizando imagens de arquivo, filmadas por Vladimir desde o fim dos anos 70, e entrevistas com os principais personagens desse momento o diretor consegue compor um rico mosaico.

A obra, que conta a trajetória das bandas Legião Urbana, Capital Inicial e Plebe Rude, compostas pela primeira geração de filhos de políticos, diplomatas e outros intelectuais que viviam na capital do país, foi escolhida como o Melhor Documentário do festival. Sua montagem difícil de acompanhar, por ter tantos personagens e tantos enredos sendo contados ao mesmo tempo, é justamente o que destaca o filme. No clímax de uma narrativa ou bem quando o espectador está cativado pela história de umas das bandas, há um corte para outro enredo. Assim, o filme não chega mastigado ao público, o que, apesar de frustrante, parece fazer parte da intenção do documentário.

Dinho Ouro Preto, vocalista da banda Capital Inicial (foto de Gabriela Brasil)

O principal alicerce da obra está na força da história que está sendo contada. Os meninos revoltosos de Brasília querem mudar o ‘status quo’, lutar contra a hegemonia do eixo Rio-São Paulo na música e conquistar seu espaço no cenário musical do rock. São jovens, percorrendo a jornada do herói, sendo construídos ao longo do documentário, para, no fim, alcançar tudo que desejam. A presença das famílias das bandas na história dá força à narrativa, por apresentar sempre um ponto de vista, ao mesmo tempo, íntimo e de fora. A visão de todos aqueles jovens que viviam um turbilhão de emoções é complementada pelo que os pais sentiam sobre tudo isso, o que acaba quebrando o glamour de muitas histórias.

De tudo um pouco, o documentário faz rir e chorar, tem seus altos e baixos e histórias que cativam mais que as outras. Poderia ser um pouco mais equilibrado na sua edição, evitando tantos contrastes. Mas a impressão que fica é que essa é justamente a intenção do autor: mostrar os depoimentos crus para o espectador, para que ele vá balanceando e montando as próprias amarrações entre as histórias.

Outro documentário com temática musical é A Cidade Imã, de Ronaldo German, que além de dirigir, também assina a produção, o roteiro, a fotografia e a montagem. O filme mostra quatro músicos, de diferentes países e gêneros musicais diversos, que escolheram o Rio de Janeiro para viver. Ao contrário de Rock Brasília, é um documentário pouco ousado na montagem, bem linear e que vai apresentando as quatro histórias paralelamente, sem nenhum tipo de quebra ou tensão. Assim como sua edição, o documentário é simples e se destaca pela boa escolha das personagens. Sem grandes inovações, é o carisma dos músicos que prende o espectador, com momentos descontraídos e depoimentos espontâneos.

A Cidade Imã - David, Idriss, Mako, Bruce Henri - (Daron Cine Vídeo)

O filme se concentra em mostrar suas trajetórias e vidas pessoais para tentar compreender o porquê dessa escolha pela cidade maravilhosa. O que a cidade tem de especial? Tentando responder a essa pergunta, o documentário torna o próprio Rio de Janeiro uma das personagens do filme. O nome do filme parece ser a resposta encontrada pelo diretor: o Rio tem um algo a mais, um imã que atrai pessoas de todos os lados do mundo e as encanta com sua vida cultural agitada e beleza natural.

A música, obviamente, tem papel central no documentário, que mostra trechos longos das personagens tocando seus instrumentos, e isso funciona muito bem para caracterizá-las. Um momento singular do filme é o encontro entre os quatro para uma improvisação musical, que fecha a narrativa de forma especial.

Ficção

Na categoria Ficção, o grande ganhador foi o filme Febre do Rato, de Cláudio Assis, que levou para casa, entre outros, os prêmios de Melhor Filme Ficção, Melhor Fotografia, Melhor Montagem, Melhor Direção de Arte e Melhor Longa Ficção pelo júri da crítica.

O vencedor de Melhor Longa Ficção pelos votos do júri popular foi Onde Está a Felicidade?, de Carlos Alberto Riccelli, que, além de levar o público às gargalhadas o tempo todo, foi aplaudido mais de uma vez durante a sessão. O filme mostra a história da chef de cozinha Teodora, vivida por Bruna Lombardi, que, após entrar em crise no casamento e no trabalho, decide percorrer o Caminho de Santiago de Compostela numa jornada espiritual em busca da própria felicidade.

Onde Está a Felicidade (Fox Films)

As personagens, tanto as principais quanto as coadjuvantes, são o ponto forte do filme. A atriz Maria Pujalte, que interpreta a amiga e maquiadora de Teodora, é um dos destaques do longa e foi, inclusive, premiada como a Melhor Atriz Coadjuvante do festival.

Com um roteiro repleto de situações bizarras, personagens caricatos, diálogos impagáveis e ainda uma atuação excelente do casal principal, Bruna Lombardi e Bruno Garcia, o filme aposta num humor leve e sem compromisso. O enredo garante bons momentos de diversão e mostra que a intenção da produção não era somente narrar uma história, mas também proporcionar um pouco de felicidade para o público.

O longa Meu País, de André Ristum, apesar de contar com estrelas globais como Rodrigo Santoro, Cauã Reymond e Débora Falabella, não faturou nenhum prêmio. O filme conta a história de Marcos (Rodrigo Santoro), que vive na Itália e, após a morte do pai, deve voltar ao Brasil. Aqui, ele reencontra o irmão irresponsável e descobre a existência de uma meia irmã que possui deficiências intelectuais.

Meu País (foto de Felipe Gonçalves)

O enredo batido do homem que se afasta de sua família para ir em busca de sucesso, deixando para trás alguns de seus valores, e que, contra a sua vontade, deve voltar a encarar o passado e recuperar o que perdeu, não surpreende e nem cativa. Com uma história lenta e que demora para embalar – o que só ocorre quase no fim da trama -, o filme tem enredos mal explorados e personagens rasas. O próprio nome, Meu País, é questionável. Seria esse o melhor nome para representar o que se passa no filme? Em minha opinião, essa expressão tem uma conotação muito mais profunda do que simplesmente voltar para o seu país de origem.

Entre os atores, os destaques ficam para a ótima interpretação de Débora Falabella, que chega a ser assustadora no papel da adulta com idade mental de criança, e para Paulo José, que rouba a cena nos dois momentos em que aparece.

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