Telenovelas: um panorama da produção brasileira e a representação do negro

Por Fernanda Costa, Jessica Sayuri, Mariana Merlim, Melina Simardel Dantas, Tarine Camargo e Virgínia Jangrossi*

O surgimento das telenovelas teve como base a literatura de folhetim, a soap-opera americana e as radionovelas latino-americanas.

Dentre as características de folhetim, a de maior destaque é o formato seriado, isto é, a história contada em capítulos, cujo clímax se dá ao final de cada um, mantendo o interesse do público. Quanto às características advindas das soap-operas americanas, destaca-se o enredo destinado ao público feminino, com um caráter que, em geral, visava o entretenimento.  Essa temática tem relação intrínseca com o modelo de rádio comercial que proporcionou o desenvolvimento da soap-opera, pois as rádios eram financiadas pela publicidade, cujos principais anunciantes eram as fábricas de sabão, de onde surgiu o nome do programa.

Para obter lucros, os anunciantes deveriam direcionar a temática de seus programas para atingir grande parcela do público. Devido os anúncios serem mais baratos durante o dia, os programas deveriam atingir a quem ouvia o rádio nesse horário, que em sua maioria eram donas-de-casa, mulheres que eram as principais responsáveis pelas compras de utensílios domésticos.

No Brasil, a radionovela chega em 1941, com características muitos semelhantes às radionovelas de outros países latino-americanas, sendo algumas delas traduções diretas das obras que obtiveram maior sucesso. Os principais temas dessas radionovelas, pautadas no melodrama, como o amor, influenciam as telenovelas brasileiras. No entanto, mesmo com essas características, a inserção da telenovela na década de 1950 não foi bem aceita pelo público. Dentre os fatores que influenciaram essa rejeição, destaca-se o fato de que os artistas que foram para a televisão, em geral, eram atores de rádio e, portanto, não possuíam uma boa postura perante a câmera. Dentre outros fatores, também consta o fato de terem uma locução radiofônica, o que causava estranheza na televisão e que possuíam grande dificuldade em decorar os scripts, havia, também, as dificuldades técnicas por conta de a televisão ser um meio de comunicação recente no país, sem uma estrutura empresarial moderna, sem recursos técnicos e financeiros.

Outra característica das telenovelas da década de 50, herdada da soap-opera, era a presença de um narrador. O narrador era parte da estrutura fundamental, pois as novelas não eram exibidas diariamente, e havia um longo espaço entre a exibição de cada capítulo. Logo, a função do narrador era deixar o telespectador a par da trama principal, para que este pudesse acompanhá-la. O narrador tinha a função instigar a curiosidade do telespectador a ver o próximo capítulo, deixando pistas do que poderia acontecer.  Outro elemento a ser destacado é que os recursos imagéticos não davam conta de representar significativamente toda a história, cabendo a ele comentar as cenas e os personagens. Dessa forma, por conta da precariedade técnica e, na visão do público, uma precariedade temática, as telenovelas acabaram sendo desprezadas, pois eram tidas como uma produção inferior. Além disso, havia uma predileção do público por programas culturais, principalmente pelos teleteatros, como o Grande Teatro Tupi.

Sérgio Britto e Nathália Timberg
Sérgio Britto e Nathália Timberg, casal famoso em o “Grande Teatro Tupi” (Fonte: http://obucaneiroprateado.blogspot.com/2011/12/arte-de-sergio-britto.html).

Os teleteatros eram baseados na literatura, dramaturgia e cinematografia estrangeiras, tinham duração média de 2 horas, enquanto a telenovela tinha duração média de 20 minutos, era ao vivo e não era diária, ia ao ar duas vezes por semana.  Ao fim da década, com a popularização da televisão, o conteúdo cultural passa a perder a predileção, e as telenovelas ganham um maior destaque na década seguinte. A telenovela 2-5499 Ocupado, de 1963, foi a pioneira na apresentação de capítulos diários e um grande sucesso da TV Excelsior.

Tarcísio Meira e Glória Menezes
Tarcísio Meira e Glória Menezes em 2-5499 Ocupado, da TV Excelsior, em 1963 (Fonte: http://tvbrasil.org.br/novidades/?p=4405).

A partir da década de 60 começam a surgir transformações no perfil da televisão brasileira que vão garantir a consolidação da televisão como uma indústria cultural nos anos seguintes. Algumas transformações, como por exemplo, o aumento do número de aparelhos de TV, a expansão da rede pelo território nacional e o aumento dos investimentos publicitários, fazem com que a televisão comece a se implantar como um veículo de massa vinculado aos interesses de mercado. A TV Excelsior é a primeira emissora que tem uma visão empresarial e se dá conta da necessidade de uma profissionalização e de racionalização do tempo mercadológico obedecendo aos horários de programação e se autopromovendo.

O advento da telenovela diária está diretamente relacionado com esse esquema industrial e alcançam sucesso rápido. Esse sucesso está ligado à influência das empresas de sabão e produtos para higiene bucal, porque essas financiavam as produções, tinham grande poder de decisão dentro delas e suas agências de publicidade demonstraram um favoritismo pelo formato narrativo dos folhetins melodramáticos.

Dentre novelas importadas e radionovelas brasileiras adaptadas do rádio, o período é marcadamente caracterizado pela presença do melodrama. São tramas que abordam basicamente temáticas dramáticas e dicotômicas. Há, porém, distinções entre as novelas brasileiras e as importadas. Muito do sucesso dessas produções vêm do fato do telespectador se identificar com as histórias e com os locais retratados e esta é a grande diferença das telenovelas brasileiras. Assim como ocorreu no rádio, há o processo de abrasileiramento das produções para se formar melhor um público nacional. Evidenciam-se também produções que buscam se aproximar da atmosfera cultural da época, como é o caso da telenovela Beto Rockfeller.

A década seguinte, a de 70, pode ser considerada a época da consolidação da telenovela nas grades das emissoras. Foi durante esse período que a teledramaturgia nacional atingiu o apogeu, principalmente por fazer uso de histórias que se aproximassem do cotidiano e da realidade brasileira.

A TV Globo foi o grande destaque desta década, estabelecendo o “padrão global” de produção e definindo as telenovelas por horário, sendo a parcela das dezoito horas reservada para adaptações literárias e histórias voltadas para os adolescentes; a das dezenove horas, para as comédias de costumes e de situações familiares; e a das vinte horas, para temas mais densos e adultos.

Seguindo a tendência do desenvolvimento tecnológico que a televisão brasileira vinha passando desde a década de 70, os anos 80 são marcados por essa continuidade de modernização, que afeta toda a produção de telenovelas nas emissoras brasileiras. Ainda há a produção de novelas literárias, mas essas perdem cada vez mais o interesse por parte das emissoras. Quem mais se ocupa desse gênero nesse período é a TV Cultura, como se os textos pedagógicos-nacionais ficassem à cargo das televisões exclusivamente educativas.

Novidade nessa década é o surgimento dos temas políticos e a preocupação social que a telenovela ganha, um tipo de missão de “inserir” politicamente o telespectador, um quê de responsabilidade para com a sociedade que até então não havia sido visto. Duas telenovelas de grande repercussão pública são Roque Santeiro (1985/TV Globo) e Roda de Fogo (1986/TV Globo). Além disso, nasce nessas telenovelas uma personagem principal nada convencional das telenovelas tradicionais: protagonistas de ação negativa, anti-heróis, outra novidade na produção brasileira de telenovelas, que até então apenas seguia os moldes dos antigos folhetins melodramáticos.

Percebe-se que a temática muda à medida que a época e os valores mudam também. Por exemplo, nota-se a nítida mudança na representação do papel da mulher na sociedade, com a presença do movimento feminista (muito forte nesse período), o questionamento dos valores morais profissionais, entre outros.

Diferente da TV Globo, que já nas décadas de 70/80 investe em uma produção cada vez mais moderna e realista, o SBT, que começou mais tarde sua produção (foi fundado e começa a produzir apenas em 1981), arrisca no melodrama tradicional e, para isso, conta com diversas adaptações latino-americanas (principalmente mexicanas, como os melodramas da escritora Marisa Garrido), além de importar muitas telenovelas da Televisa.

Em termos de desenvolvimento do processo industrial, na década de 80, as emissoras se tornam ainda mais rigorosas quanto à busca pela qualidade do produto e à produção de alto nível. Para isso, as pesquisas e sondagens de público se mostraram decisivas para a modernização e industrialização da telenovela. À medida que a telenovela se industrializa, os autores começam a ter um conflito contra tal racionalidade industrial, que vai de encontro com a produção criativa, muitas vezes barrando seu poder de criação e autonomia.

Com o fim do regime militar na década de 80, iniciou-se uma redemocratização do país, com a suspensão da censura, que resultou em maior liberdade na discussão de temas políticos e sociais nas telenovelas. Os autores muitas vezes utilizavam a comédia para falar de política, mas de forma a mostrar aos telespectadores a falta de ética e a corrupção presente no Brasil.

A maioria dos assuntos abordados era atual e visava retratar a realidade.  A década de 90 foi o período em que se percebeu o importante papel social da telenovela, e esta se tornou ainda mais preocupada com pesquisas e audiência, uma vez que também era vista como vitrine de consumo pelo telespectador. Uma das principais características da década de 90 foi a guerra pela audiência entre as redes de televisão abertas.

O SBT, apesar de importar a maior parte das telenovelas exibidas de outros países latinos, principalmente do México, realizou algumas produções próprias de qualidade, como Éramos Seis, adaptação do romance de Maria José Dupré, escrita por Silvio de Abreu e Rubens Edwald Filho, que foi ao ar de maio a dezembro de 1994. A Manchete, que já enfrentava uma grave crise econômica, em 1990 surpreendeu com a novela Pantanal, de Benedito Ruy Barbosa, que foi ao ar de março a dezembro desse ano, que foi um grande sucesso de público e faturamento, abalando a TV Globo, até então líder absoluta no horário. Depois de Pantanal, a Rede Manchete tentou manter a audiência com as próximas produções. Algumas telenovelas até atingiram o  sucesso, como A História de Ana Raio e Zé Trovão e Xica da Silva, mas nenhuma alcançou os números da primeira. A TV Globo, com o sucesso da Manchete em 1990, fez algumas modificações em sua programação. As novelas de época praticamente sumiram da grade, passando o horário das dezoito horas a apresentar tramas mais leves ou remakes.

O papel social foi amplamente explorado na década de 90, abordando temas sociais como gravidez na adolescência, doação de órgãos, política, como em O Rei do Gado, que o Movimento Sem-Terra e a reforma agrária eram o tema principal da trama, cuja influência chegou ao senado e ao Congresso Nacional.

A Representação do Negro na Telenovela Brasileira

A tentativa de branqueamento da população brasileira refletiu na representação do negro nas telenovelas nacionais. Os negros e afrodescendentes tiveram poucos personagens presentes no enredo dos folhetins e, os poucos que existiram, em sua maioria eram papéis pequenos, inferiores, estereotipados e exerciam pouca influência na trama. Foram poucos os casos de autores que apresentaram as questões raciais e os problemas enfrentados pelos negros na sociedade brasileira.

Isso reflete a ideia que o povo brasileiro é miscigenado e, por isso, não existe preconceito racial no Brasil, que é o “paraíso racial”. Apesar da metade da população brasileira ser formada por negros e afro-descendentes o elenco das novelas em quase totalidade é formado por atores brancos, destoando da realidade da população brasileira. Há ainda o caso de representações de personagens negros por atores brancos, como Sergio Cardoso em A Cabana do Pai Thomás (1969), novela que apresentou grande elenco negro. O ator se pintava para viver o velho negro Pai Thomás, o que causou polêmica e revolta entre os atores negros. Outro caso que pode ser citado é a representação das mulatas de Jorge Amado, como em Gabriela, obra que teve como protagonista a atriz Sônia Braga.

Sônia Braga
A atriz Sônia Braga interpreta Gabriela, na novela homônima exibida pela TV Globo, em 1975.

No início da produção das telenovelas, na década de 60, a representação do negro sofreu a influência dos estereótipos norte-americanos como a mammie (mulher gorda e negra, orgulhosa e dominadora) e o tom (velho negro, serviçal bom e fiel). Entre as formas de representar o negro nas novelas, podem-se destacar ainda: a empregada doméstica, o jagunço, o guarda-costas fiel, a mulata sedutora, o malandro carioca, o escravo e o ladrão.

Jacira Sampaio
A atriz Jacira Sampaio interpreta Tia Nástacia, personagem com estereótipo mammie, em Sítio do Pica Pau Amarelo, na TV Globo.

Nos anos 70, poucos autores se preocuparam em apresentar a ascensão do negro na sociedade. Janete Clair foi a pioneira e inseriu vários personagens negros de classe média em suas novelas como o psiquiatra Percival Garcia vivido por Milton Gonçalves e Pecado Capital (1975). Além de Janete, Jorge Andrade também criou personagens negros de classe média como o engenheiro Otávio, interpretado por Gésio Amadeu, em Gaivotas (1979), da TV Tupi. O autor também representou o preconceito enfrentado pelo personagem.

Nos anos 80, pode-se destacar a representação de escravos que fugiam do conformismo e lutavam pela abolição, em novelas como Sinhá Moça (1985) e Pacto de Sangue (1988). Nos anos 90, novelas como Pátria Minha (1994), Anjo Mau (1997) e Por Amor (1997) rompem com a ideia de “paraíso racial” e apresentam o racismo de diferentes formas. A partir dos anos 2000 os atores negros começaram a ganhar papéis de maior destaque nas telenovelas, inclusive protagonizando-as. Na novela Da Cor do Pecado (2004) a atriz negra Taís Araújo interpretou a protagonista Preta. Apesar disso, a quantidade de atores negros no elenco das novelas ainda é pequena, os estereótipos dos negros continuam presentes em várias tramas e poucas são as obras que apresentam os problemas sociais enfrentados pelos negros na sociedade brasileira. Isso reflete o preconceito das emissoras de TV, das agências de publicidades e empresas anunciantes e também do público que muitas vezes se revoltou com alguns tipos de representação do negro na telenovela.

*Graduandas do curso de Imagem e Som da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

Referências Bibliográficas:

ARAÚJO, Joel Zito.  “A negação do Brasil: o negro na telenovela”

FERNANDES, Ismail. Memória da telenovela brasileira. São Paulo. Braziliense. 1997.

JACONI, Sônia Maria Ribeiro; MÜLLER, Karin. As telenovelas da Rede Globo de televisão: 45 anos de trajetória. Disponível em <http://www2.metodista.br/unesco/1_Celacom%202010/arquivos/Trabalhos/74-As%20telenovelas%20da%20Rede%20Globo_S%C3%B4niaJaconi_KarinMuller.pdf>

LOPES, Maria Immacolata Vassallo de. Telenovela Brasileira: Uma Narrativa Sobre A Nação. Comunicação & Educação – Revista do Departamento de Comunicações e Artes da ECA-USP, São Paulo, 17 a 34, jan./abr. 2003. Disponível em <http://www.revistas.univerciencia.org/index.php/comeduc/article/viewFile/4195/3934>

ORTIZ, Renato; BORELLI, Silvia Helena Simões; RAMOS, José Mario Ortiz, 1950-. Telenovela: história e produção. 2 ed. São Paulo: Brasiliense, 1991.

TAVOLA, Artur da. A telenovela brasileira: história, análise e conteúdo. São Paulo. Globo. 1992.

ZAHAR, Jorge. Guia ilustrado TV Globo: novelas e minisséries/Projeto Memória Globo – Rio de Janeiro. Ed., 2010.

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