Era Uma Vez Eu, Verônica (Marcelo Gomes, 2012)

A profissão, o sexo e a vida

Por Ivan Amaral*


Marcelo Gomes, diretor de Cinema, Aspirinas e Urubus e Viajo porque preciso, volto porque te amo (este último dirigido em parceria com Karim Ainouz), volta às telas com uma personagem à procura da maturidade. Hermila Guedes interpreta Verônica, uma médica em formação que começa a clinicar ao mesmo tempo em que cuida do pai, doente do coração, que mora com ela. A vida da personagem começa e termina sempre no presente, no momento em que Verônica decide ser ela mesma. Em busca de uma verdade interior, a personagem de Marcelo Gomes, que também assina o roteiro, observa o mundo à sua volta e se pergunta como é ser feliz. Esta premissa, que parece simples, desenreda um caminho complexo que permite um diálogo com o fluxo de consciência da protagonista. Verônica caminha em um terreno dividido, onde a maturidade ora está na profissão e no relacionamento amoroso com compromisso (a moral de seu pai), ora no sexo sem compromisso e na dúvida quanto à carreira médica.

A primeira cena do filme nos mostra Verônica transando com quatro amigos, mulheres e homens, na praia. Um deles é Gustavo, interpretado por João Miguel, com quem ela também assume um relacionamento a dois. Esta relação é uma questão entre eles e o pai de Verônica, que não sabe das aventuras sexuais da filha. Verônica chega a dizer ao pai que quer se casar com Gustavo, mas desmente depois. O pai, no entanto, não gostaria de ter Gustavo como genro, ele quer apenas que a filha tenha uma profissão e que seja feliz.

A autoridade, como a representada no campo familiar, é experimentada pela primeira vez por Verônica quando começa a clinicar. Ela se depara com os mais diversos pacientes, mas não consegue, em um primeiro momento, se comportar como médica. A ausência de autoridade a leva a ser condescendente com a vontade de seus pacientes, o que faz com que Verônica tenha a simpatia deles, mas não a da direção do hospital. Mesmo após uma conversa na qual sua autoridade é demandada, ela continua a satisfazê-los.

Após uma festa à noite e a tentativa de uma transa com um rapaz desconhecido após embebedar-se, Verônica é mostrada no hospital, onde recebe um paciente que não quer se sentar e que exige um exame do coração. Após tentativas frustradas de ordenar que ele se sentasse, ela começa a cantar a canção que havia escutado na festa da noite anterior: “está tudo padronizado em nosso coração”. O homem então se senta e a consulta começa. Essa cena torna-se essencial para compreender Verônica e a intenção do diretor. Mais do que assumir a autoridade como médica a protagonista quer ser ela mesma em todos os momentos, a autora de sua própria vida, extravasando uma sinceridade que, ao enfrentar os desafios da profissão, busca uma relação mais rica e humana.

A procura de Verônica, portanto, está além da profissão e do sexo. Estes, os dois pilares de sua vida, se organizam e se desorganizam em uma quase melancólica saída para o projeto do próprio mundo que está criando. A autoridade é apresentada como uma instância que paira sobre nós e que não é percebida de imediato, pois é preciso um fluxo de acasos para se perceber a liberdade de Verônica. Ela, no entanto, não se contradiz quando nos fala em voz over que está mais inclinada para o sexo do que para o relacionamento amoroso, a sua liberação sexual já aconteceu. Este parece ser o marco essencial de sua vida.

A voz over de Verônica, presente do início ao fim do filme, assume o papel de um narrador presente como um protagonista observador do mundo. Os comentários de Verônica traduzem sempre a sua experiência de vida do momento presente, apresentando um movimento no qual o espectador se relaciona com o olhar crítico que ela tem sobre si mesma em relação ao ambiente que a circunda. Essa instância narrativa, elaborada, portanto, não apenas como um simples diário íntimo, acaba por determinar a protagonista como “cúmplice” de si mesma e, principalmente, de sua vida sexual. Quando o filme termina, a última cena repete a primeira, Verônica transa com vários amigos e amigas na praia, e boia na superfície da água do mar. Neste momento não há voz over, apenas a trilha sonora que compreende uma espécie de “silêncio”, em busca da identidade de Verônica, o espectador pode reconhecer, com ou sem julgamento, que suas ações conformam uma expectativa de liberação, tanto a do indivíduo quanto a da própria sociedade. Ao final, a única certeza que podemos ter sobre Verônica é que ela, assim como todos nós, precisa se perguntar: “quem sou eu”?

*Ivan Amaral é graduado em Audiovisual no Senac.

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