Por Thiago Jacot, Fernanda Costa e Estela Andrade*
No dia 9 de abril de 2011, como parte da série “Encontros” promovido pelo Festival Sesc Melhores Filmes 2011 em São Carlos, aconteceu um bate papo com o cineasta e documentarista Rodrigo Siqueira. O diretor de Terra Deu, Terra Come, premiado em 2010, concedeu entrevista à Revista RUA.
Thiago Jacot – Como você começou sua carreira no cinema?
Rodrigo Siqueira – Eu me formei em jornalismo, entrei em 1994 na PUC Minas. No meio do curso em 1996 fui convidado para participar de um projeto de uma emissora de TV só de noticias em Belo Horizonte, como uma CNN “belo-horizontina”, guardadas todas as proporções, mas era um canal só de noticias. Eu entrei pela primeira vez na minha vida em uma ilha de edição e já comecei a trabalhar como editor de imagens em telejornalismo. Fiquei um ano nessa emissora, e foi um aprendizado muito grande porque eu editava de dez a doze VTS por dia em sete horas, era “paulera”. Mas já nessa época eu tinha um desejo de não fazer “padaria”, onde desse para trabalhar mais a edição e ali eu não consegui. Então, fui trabalhar em outra emissora, a “Rede Minas”, como a “TV Cultura” de Belo Horizonte. No programa “Agenda”, trabalhava com matérias de cultura e tinha mais tempo para trabalhar as edições. Fui pegando mais gosto pela edição. Paralelamente, eu militava em uma ONG que se chama “Oficina de Imagens” e tínhamos um projeto de alfabetização de mídia. Trabalhávamos com rádio, fotografia, vídeo e numa dessas eu fiz um trabalho na Rádio Favela de Belo Horizonte. O Helvécio Ratton estava fazendo um filme [Uma Onda no Ar, 2002], começando um projeto sobre a Rádio Favela. Ele me chamou a época para fazer pesquisa para ele, foi assim que eu comecei no cinema, fazendo pesquisa no filme do Ratton, quando não tinha nem roteiro ainda. Entrei como estagiário, depois passei a pesquisador, depois assistente de direção e terminei o filme como segundo assistente de direção. Minha faculdade de cinema foi fazendo longa, acompanhando todas as etapas. No final desse filme eu tinha um material de pesquisa enorme que o Helvécio não usou nem trinta por cento, porque a pesquisa sempre apura muito mais que o roteiro pede. Para usar o excedente dessa pesquisa eu criei um projeto com a Júnia Torres, que dividiu a pesquisa comigo do filme, um projeto de um documentário sobre o movimento hip hop em São Paulo e Belo Horizonte. Ganhamos um prêmio da Fundação Palmares para fazer o filme que se chama: “Aqui Favela – O Rap Representa”. Foi um filme de formação, posso dizer que foi meu TCC que depois de trabalhar no longa, eu fiz esse documentário com a Júnia, dirigido a quatro mãos que foi a minha entrada. Esse filme estreou na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, passou no Festival do Filme Etnográfico no Rio e no Fórum DOC BH, mas circulou muito pouco, aliás, circulou muito pouco em circuito de cinema porque começamos a exibir na TV Cultura em Rede Nacional e fazer um público grande com o filme. Depois disso, eu quis fazer um filme meu, que eu pudesse imprimir uma marca minha, enfim, contar a história do meu jeito e continuar meu aprendizado. Foi quando eu acabei entrando no projeto do “Terra Deu, Terra Come”.
Thiago – Seu filme de 2010, Terra Deu, Terra Come foi o vencedor do Festival “É tudo Verdade” do mesmo ano e da Mostra panorâmica do Festival de Gramado. O filme tem uma inspiração no livro “Grande Sertão: Veredas” de Guimarães Rosa. Como foi a concepção do projeto?
Rodrigo – Em 2004 no segundo semestre, não me lembro, se era setembro, outubro ou novembro, eu estava lendo o “Grande Sertão: Veredas” e estava apaixonado pelo livro, um livro intrigante e envolvente, estava muito absorvido pela leitura, e cismei que queria conhecer o sertão de minas, a região que o Guimarães Rosa narra as suas histórias em torno dos livros dele. Eu lembrava que algumas dessas histórias eram próximas de mim, que eu ouvi da minha infância. Eu sabia que tinha alguma coisa viva ali no sertão, que muitas das histórias de Guimarães Rosa estavam vivas no sertão de Minas. Eu fui passar umas férias na viagem pelo sertão, levei uma câmera com o intuito de fazer uma pesquisa para um possível filme. A minha ideia era que eu conseguisse voltar com a receita de um pacto com o diabo, que é o eixo do Grande Sertão: Vereda, que é o pacto do Riobaldo com o Diabo. Voltei não só com isso, mas com várias entrevistas, conheci muitas pessoas interessantes, mas não como o seu Pedro, que é o personagem principal, uma figura brilhante, ele é um ator, um contador de histórias, não um ator institucionalizado, um ator nato, vamos dizer assim, uma pessoa que tem uma performance própria, um jeito de contar às histórias que é muito envolvente. Quando eu conheci o seu Pedro, de cara eu vi que o filme era ele. Depois fui saber que ele era um dos últimos cantadores de vissungo, que são as cantigas cantadas no dialeto banguela, que na região é conhecida como banguela. Fui descobrindo que ele tinha um monte de riquezas, um monte de coisas para contar e ele era um personagem interessantíssimo. No mesmo dia que eu o conheci eu decidi fazer o filme com ele, propus a ele o filme, selamos um pacto, de cara, de fazer o filme juntos no dia primeiro de janeiro de 2005. Voltei dois anos depois em abril de 2007 para filmar com a equipe. Nesse intervalo fui lá mais de dez vezes para falar com ele. Passamos trinta dias filmando e depois do processo de edição continuei com as minhas leituras de Guimarães Rosa, com a fortuna crítica da obra dele, textos a respeito dos trabalhos deles, como é a narrativa Roseana, como ele construía as histórias. Eu fiquei muito interessado em fazer um filme que tivesse inspiração na narrativa Roseana. Deu-me um grande trabalho, porque o Rosa é um gênio e a literatura é uma ferramenta de linguagem muito mais poderosa do que o cinema para contar histórias, isso é indiscutível e quando você se propõe para fazer algo inspirado em uma forma literária, você tem que pastar, e, eu pastei muito para fazer o filme.
Thiago – Aconteceram várias exibições do seu filme em cineclubes. Qual o papel do cineclube para a discussão de cinema, especialmente do cinema brasileiro? O espaço ainda exerce um papel importante para o público?
Rodrigo – O papel é fundamental hoje no Brasil, já tinha desde os anos setenta. O movimento cineclubista brasileiro é forte. Só que nos anos setenta havia quatro mil salas de cinema, salas grandes, de cinema de rua. Hoje temos duas mil e trezentas salas, salas pequenas, de shopping. O cinema foi se distanciando do brasileiro. O acesso aos filmes brasileiros vai ficando cada vez mais difícil. De maneira que os cineclubes tiveram importância ainda maior para a difusão da cinematografia brasileira. Eu tinha desde o começo a ideia de fazer um circuito alternativo com o filme, não queria que o filme se restringisse só ao circuito de cinemas de arte para uma faixa de público que é super segmentada e já conhecida. Os espectadores de documentários no circuito de arte são os leitores dos segundos cadernos dos grandes jornais, universitários, enfim, é um público, um segmento muito definido. Eu queria ampliar o público. Tem um projeto do governo federal ligado ao CTAV [Centro Técnico do Audiovisual – Secretaria do Audiovisual/Ministério da Cultura] chamado Cine Mais Cultura. Eu procurei essas pessoas que montam estruturas de cineclubes espalhados pelo Brasil. Eles dão equipamento, e fazem uma capacitação de cineclubismo, quer dizer, como formar público, como debater os filmes, como discutir os filmes, conversei muito e eles toparam em me ajudar nessa empreitada. Eu imprimi mil dvds e distribui oitocentos. Na época eles tinham oitocentos. Uns oitocentos e vinte e um no total entre os que já estavam funcionando e os que estavam em implantação. Hoje já são mil cento e cinquenta. Eu mandei os dvds com kit de cartaz de cinema, um kit de panfletos, filipetas e um questionário, que era minha única contrapartida, pois eu pedia que após o filme houvesse um debate e que as pessoas me dissessem o que achassem do filme e da experiência em distribuir em cineclube, também era uma forma que quantificaria esse público. Dos oitocentos que eu distribui, cento e sessenta e um, aderiram ao lançamento do filme nacionalmente, exibindo o filme na mesma época que eu estava lançando no cinema. Estamos fechando o relatório final essa semana, mas o filme teve acima de onze mil e quinhentos espectadores só em cineclubes, em cinemas de arte uns dois mil trezentos e oitenta, algo por ai. Se eu ficasse restrito só ao público de cinema, que é importantíssimo, fundamental, que é um público que gosta de ver documentário, que discute documentário, que é formador de opinião, eu teria esse público menor. Eu fiquei feliz que eu consegui ampliar isso, se eu somar os dois circuitos tive mais de catorze mil espectadores, que dá um salto no ranking dos filmes do ano. Acabou que o Terra Deu, Terra Come foi visto mais que filmes de ficção que custaram três, quatro e cinco milhões de reais. Meu filme custou em torno quatrocentos mil reais entre dinheiro que captei e que coloquei do meu bolso. Foi uma experiência muito bacana que agora terá consequências muito maiores, estamos finalizando esses dados, tabulando, refletindo sobre a experiência e aí a gente vai começar a divulgar isso. Temos notícias que outros documentaristas, outros realizadores brasileiros começaram a procurar o Cine Mais Cultura para exibir também nesse circuito cineclubista. Sobretudo, eu acho que é uma grande ferramenta para exibição de documentários e curta-metragem de uma forma de os filmes chegarem ao público e não ficarem restritos a festivais, ao gueto do circuito de exibição comercial.
Thiago – Seu próximo projeto é um documentário que pretende buscar um lado diferente da captação, pelo cinema, da ditadura militar no Brasil. Como será seu novo documentário?
Rodrigo – Nós estamos vivendo um momento de olhar para o período da ditadura através do cinema. Desde a Retomada a gente começou a fazer esses filmes, e eles têm aumentado. São fundamentais para darem cara a esse período histórico, porque fomos submetidos a uma censura terrível. Agora estamos pagando essa dívida de imagens e reflexões, enfim, olhando para esse período histórico brasileiro e tentando reescrever esse período. A maior parte desses filmes fundamentais, eu friso, possui esse viés histórico, ou às vezes, retratos íntimos de pessoas que tiveram as vidas afetadas diretamente por esse período. Mas, eu queria fazer um filme que elaborasse, dialogasse com as consequências desse período no dia de hoje e como isso aponta para o futuro. Assim eu vou trabalhar a Anistia, a Comissão da Verdade, transitar pelo ambiente jurídico e refletir sobre esse problema a partir do prisma legal, jurídico, mas sem perder foco histórico, e sem que o filme seja também uma experiência pessoal de linguagem. Estou propondo uma abordagem diferente, um documentário diferente. Eu continuo transitando em uma área, em um espaço onde os gêneros se confundem. Por mais que as pessoas tentem enquadrar os filmes entre ficção e documentário, há entre um e outro um espaço que é muito legal de trabalhar, que dá uma possibilidade para o realizador se expressar com uma liberdade grande e lidar com imagens e conteúdos de não ficção. Então, uma linguagem não ficcional, não necessariamente tem que se prender a dogmas do documentário e do jornalismo. Eu gosto de circular nesse espaço porque me permite fazer uma construção livre do que eu quero dizer e não ficar refém do tema, ou de dogma de linguagem, ou de gênero.
Video da Entrevista com Rodrigo Siqueira from RUA on Vimeo.
*Thiago Jacot1, Fernanda Costa2 e Estela Andrade3 são graduandos do curso de Imagem e Som da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
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1. Pesquisa e perguntas.
2. Gravação de vídeo.
3. Gravação de Audio.
Ola,parabens a todos, especialmenteas perguntas bem elaboradas. bjs