* Por Isabella Herling
Para encerrar suas atividades a SeIS 14 exibiu o filme nacional Doce Amianto, visando um debate sobre questões de gênero e sexualidade, assuntos intrínsecos à temática do corpo. Com direção de Guto Parente e Uirá dos Reis, o filme conta a história de Amianto, que se isola em um mundo de fantasia, onde esperança e melancolia se misturam. Esse mundo se contrapõe ao mundo real, onde ela é repetidamente rejeitada por ser uma mulher trans. Essa rejeição fica evidente na postura do “Rapaz” com quem Amianto se relaciona, uma vez que ele a destrata e abandona. É na sua Fada Madrinha e melhor amiga morta, Blanche (interpretada por Uirá dos Reis), que Amainto encontra consolo e forças para continuar vivendo, sempre na espera da felicidade. Desse ponto em diante é feita uma análise do filme, que é encerrada ao fim do penúltimo parágrafo.
Em Doce Amianto, numa das conversas com Blanche, Amianto pergunta a amiga sobre o que ela temia quando estava viva. Blanche responde que tinha medo de tudo, e resolve contar uma história para Amianto.
Nessa história, Blanche conta sobre sua vida como Carlos, que um dia acordou amarelo e com manchas roxas sobre o corpo. Apesar de se sentir ótimo, Carlos resolve ir ao médico. Na recepção, a sua aparência colorida é ignorada por todos, menos por uma criança, que fica curiosa e assustada. Ao entrar no consultório, Carlos choca o médico, que imediatamente coloca uma máscara para não ser contagiado pelo que ele tem. Ao perceber que o médico procura insistentemente e não acha nada de errado com ele, Carlos resolve ir embora. Essa cena é bastante significativa, uma vez que a a pele amarela com manchas roxas de Carlos pode ser entendida como uma metáfora para o fato dele não se encaixar nos padrões de gênero e sexualidade impostos pela sociedade. Ele sendo ignorado no consultório médico pode ser entendido como a sociedade que ignora e silencia as pessoas sexodiversas e que não se encaixam nos padrões de gênero. Já a parte em que ele está sendo atendido pelo médico indica a insistência das pessoas em patologizar essas pessoas, porém sem encontrar evidências verídicas de que elas estejam doentes.
Quando Carlos assassina as pessoas no parque, a sua pele perde o aspecto amarelo-roxeado, revelando que essa postura de Carlos o assemelhou a sociedade. Essa interpretação é corroborada quando o policial mata Carlos ao invés de prendê-lo. Com o término da história, Blanche encoraja Amianto a sair para dançar.
Nessa saída ela conhece Herbbie, que inicialmente se mostra muito gentil com ela. As cenas românticas entre os dois, idealizadas por Amianto, mostram como a personagem procura um conto de fadas, e como essa expectativa sempre é quebrada.
Outra coisa a se notar são as constantes mudanças de roupas de Amianto, e o incentivo de Blanche para que ela use vestidos para “mostrar a dama que ela é”. Amianto, por ter sua identidade de gênero questionada, utiliza-se desses recursos para se auto-afirmar como possuidora de uma identidade de gênero feminina. Além disso, quando se sente deprimida, suas roupas passam a ter um visual fúnebre, em compasso com seus sentimentos de tristeza, de luto pelos seus sonhos não-realizados. É perceptível também que Doce Amianto faz uso das cores vibrantes para manifestar a estética fantasiosa do filme, e que a atuação exagerada das personagens visa explicitar a discussão que o filme traz.
Nem a reconciliação final com o Rapaz consegue calar as inquietações de Amianto, que percebe que mesmo tendo uma pessoa com quem possa se relacionar, que isso não é suficiente, que há uma necessidade de mudar o mundo.
Após a exibição do filme, houve uma roda discussão com o Coletivo TRA, coletivo de diversidade sexual de São Carlos, onde foram compartilhadas vivências e opiniões em relação a temas como diversidade sexual e a transfobia da sociedade. A discussão foi importante para evidenciar a urgência em se debater esses asssuntos, tanto no âmbito universitário quanto fora dele. O encerramento da SeIS continuou com a exibição do filme nacional Quando Eu Era Vivo.
Resumo do Dia:
Mais Fotos por Recy Cazarotto, Marlonn Albuquerque e Bruna Barbosa
*Isabella Herling é graduanda do curso de Imagem e Som da Universidade Federal de São Carlos e editora na Seções Cobertura e Entrevistas