Por Paula de Mello Guimarães
Graduanda do curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Estadual do Paraná
INTRODUÇÃO
Desde o princípio, o cinema e o figurino estiveram intimamente ligados. Muitos cineastas reconheceram a importância da indumentária na narrativa cinematográfica. As vestimentas eram utilizadas não apenas para ambientar os filmes em épocas diferentes, como no futuro distante das viagens à lua, ou no passado durante a Guerra Civil Americana, mas também para revelar traços essenciais dos personagens, como os trajes de Carlitos nos filmes de Charlie Chaplin, que refletiam sua classe social e personalidade. Ainda hoje, o papel dos figurinos permanece crucial, embora os métodos de design e criação de peças para o cinema tenham evoluído ao longo das décadas. Portanto, é fundamental compreender essas mudanças e a contribuição de figuras históricas como D.W. Griffith, Adolph Zukor e George B. Demille. Esta investigação, por meio de uma revisão bibliográfica, visa explorar as transformações no departamento de figurino desde seus primórdios até o final da década de 1920.
PRIMÓRDIOS: PRÉ-DEPARTAMENTO DE FIGURINO
Durante os primórdios do cinema hollywoodiano, a maioria das roupas utilizadas era retirada diretamente do guarda-roupa dos atores. Naquela época, era comum que os artistas comparecessem às audições vestidos de acordo com o papel, na esperança de aumentar suas chances de serem escolhidos.Esse hábito favorecia atrizes que possuíam um guarda-roupa mais extenso, enquanto prejudicava aquelas que se vestiam mais modestamente. No entanto, essa prática mostrava suas limitações em filmes de época ou que exigiam vestimentas mais elaboradas.
Nessas situações, recorria-se frequentemente a casas de aluguel, estabelecimentos que alugavam figurinos para produções teatrais. A grande maioria desses estabelecimentos estava localizada em Nova Iorque, visto que sua principal função era prover peças para produções da Broadway, porém, posteriormente, com a criação de Hollywood e as altas demandas locais, foi fundada, em 1912, a Western Costume Company, a primeira casa de aluguel voltada para as produções californianas. Ao longo da década de 10, a WCC desempenhou um papel crucial, especialmente em filmes de época, mas enfrentou desafios com o aumento da demanda, tornando-se gradualmente obsoleta. Foi somente na segunda metade dessa década que mudanças significativas começaram a ocorrer e as casas de aluguel começariam a ser menos favorecidas em decorrência de outras práticas que vieram a surgir. Isso se dá graças à ajuda de dois grandes visionários: o produtor Adolph Zukor e o diretor D.W. Griffith, que revolucionaram a concepção de figurinos no cinema.
É importante notar que, enquanto Griffith foi um pioneiro na técnica cinematográfica e influenciou profundamente a forma como os figurinos eram concebidos e utilizados, seu legado também é marcado por obras controversas, como “O Nascimento de uma Nação” (1915), que perpetuou estereótipos raciais prejudiciais. Este artigo não busca glorificar ou justificar tais aspectos de sua filmografia, mas sim reconhecer sua influência no desenvolvimento técnico e artístico do cinema, separando suas contribuições na área de figurino de suas falhas éticas e sociais em suas obras.
A CRIAÇÃO
Primeiramente, é importante constatar que há uma grande diferença entre designers de moda e figurinistas, como observado por Edith Head (Famosa figurinista, creditada por filmes como Um Corpo que Cai (1958) e Janela Indiscreta (1954), ambos de Alfred Hitchcock ),
Eu não considero um figurinista de cinema necessariamente um criador de moda, porque fazemos o que o roteiro nos diz. Se fizermos uma peça de época, recriamos a moda que foi feita antes, e se temos um papel de personagem, fazemos roupas de personagem. É apenas pela circunstância de um roteiro que pede moda e uma atriz que pode usar moda que algumas das roupas bonitas vão surgir. Não me considero um designer no sentido de um designer de moda. Eu sou um figurinista de cinema.”5 (HEAD apud LANDIS, 2013, tradução minha).
Enquanto o papel de designer de moda estava bem definido desde o início do século, o papel do figurinista só começou a se consolidar no início da década de 1910.
Em 1912, o produtor húngaro Adolph Zukor convidou o renomado designer francês Paul Poiret para projetar as roupas usadas por Sarah Bernhardt, no filme “Les Amours de la Reine Elisabeth” (1912) dir. Henri Desfontaines, assim estabelecendo, formalmente, o cargo de figurinista. Ele trouxe consigo essa inovação quando veio para a América fundar o que é hoje a Paramount Pictures. Depois de Poiret, virou uma prática comum designers de moda trabalharem em filmes.
Logo os estilistas começaram a se adaptar para a tela e os obstáculos que ela trazia: para demonstrar luxo, uma cauda, que na vida real teria um metro, deveria ser três vezes maior na tela; as cores deveriam, ao invés de combinar entre si, contrastar, de modo a aparecerem melhor no preto e branco do cinema. Foi com essa adaptação que o papel do figurinista começou a ganhar destaque.
Esses figurinistas eram raramente reconhecidos pelo seu trabalho, visto que filmes mudos tendiam a ter poucos créditos, porém, quando eram mencionados, nos créditos constava: “Vestido por…”, indicando que eram responsáveis pelas roupas de apenas um personagem, geralmente o protagonista, e não de todo o elenco.
Embora Adolph Zukor seja creditado pelo estabelecimento do papel de figurinista, a criação do departamento de figurino é atribuída a Griffith. Apesar de inicialmente empregar métodos pouco ortodoxos, Griffith foi um dos primeiros a considerar o figurino não apenas para as atrizes principais, mas para todos os personagens de um filme. Muitos dos trajes usados em “O Nascimento de uma Nação” (1915) foram criados por Mary Gish, mãe de Lillian Gish, a estrela do filme. Além disso, Linda Arvidson, esposa de Griffith, afirmou que durante as audições, Griffith frequentemente dispensava atores, mas oferecia remuneração em troca de peças de roupa que lhe agradassem. Seus métodos se tornaram mais estruturados durante as filmagens de “Intolerância” (1916), o primeiro filme hollywoodiano a ter figurinos confeccionados especificamente para personagens coadjuvantes. Clara West desempenhou um papel fundamental no desenvolvimento de vestimentas para ambos os filmes, marcando o início do que seria uma carreira promissora.
FIGURA 1- FRAME DE INTOLERÂNCIA (1916), FIGURINOS POR CLARA WEST
FONTE: Intolerância (1916), dirigido por D.W. Griffith
O filme “Intolerância” apresentou a Clara West vários desafios devido à sua narrativa épica abrangendo três períodos históricos distintos. Porém, com a ajuda de Griffith, que desejava grande precisão em seu trabalho, foi realizada uma meticulosa pesquisa. Apesar do fracasso comercial do filme ter marcado o fim da carreira de Griffith, West foi amplamente reconhecida pelo seu trabalho, tornando-se uma das figurinistas mais respeitadas da época.
A EVOLUÇÃO
Os estúdios começaram a crescer, mais filmes começaram a ser produzidos, e logo a demanda por figurinos aumentou. Tornou-se evidente a necessidade de figurinistas trabalhando em tempo integral. “A maioria das produtoras não tinham designer na equipe até 1918, quando DeMille contratou Clare West como chefe de figurinistas para seus filmes.”(HEAD apud LANDIS, 2013, tradução minha). A partir desse momento, os estúdios começaram a manter grandes departamentos de figurino, e os designers, que antes permaneciam anônimos, passaram a receber créditos regularmente.
Se antes os figurinos eram moldados pelas tendências da moda, com o estabelecimento de Hollywood como uma grande potência cultural, os figurinos passaram a influenciar a própria moda. Revistas e jornais especializados começaram a divulgar ao público as roupas usadas pelas principais estrelas de cinema, tanto nas telas quanto fora delas. Os grandes estúdios começaram a criar as vestimentas de certas atrizes, dependendo da imagem que desejavam projetar, seja ela de mocinha ou vilã.
Porém, com o desenvolvimento do cinema, Hollywood começou a atrair a atenção de setores mais conservadores da sociedade. Pressões políticas levaram à criação do Código de Hays, um conjunto de normas e morais que ditava o que era ou não permitido nos filmes.O departamento de figurino não escapou dessas mudanças, muitas vezes sendo chamado para alterar vestidos ou fornecer acessórios extras para cobrir partes do corpo que não deveriam ser mostradas.
A censura frequentemente forçava mudanças de última hora. Depois de 1923, o escritório da Hays impôs uma regra anti-decotes; e enquanto estava tudo bem mostrar o umbigo de um homem, o umbigo das mulheres era um tabu. O departamento de figurino era frequentemente chamado para fornecer um cinto de diamantes ou pérolas para esconder o umbigo de uma dançarina antes que as filmagens pudessem ser retomadas .(LANDIS, 2013, tradução minha).
Antes dessas mudanças, muitos homens frequentavam cinemas para ver mulheres vestidas de forma ousada para os padrões da época, especialmente em filmes bíblicos, onde era possível exibir um pouco mais de pele de maneira respeitável aos padrões da época. Com a implementação do código, no entanto, o motivo para frequentar o cinema mudou, e os designers passaram a criar roupas não apenas para exibir o corpo feminino, mas também para promover suas próprias criações.Isso levou a mudanças nos tecidos utilizados, buscando-se uma maior sensualidade nos filmes sem infringir as regras do código.
FIGURA 2 – FRAME DE FILME BÍBLICO ANTERIOR AO CÓDIGO DE HAYS, FIGURINOS POR ADRIAN
FONTE: The King of Kings (1927), dirigido por Cecil B. DeMille
FIGURA 3: FRAME DE FILME BÍBLICO POSTERIOR AO CÓDIGO DE HAYS, FIGURINOS POR EDITH HEAD
FONTE: Os Dez Mandamentos (1956), dirigido por Cecil B. DeMille
À medida que as companhias de produção entraram na década de 1920, acumularam um vasto acervo de figurinos, resultado de um modo de produção padronizado. Esses figurinos continuariam a ser utilizados por muito tempo, com a adição de roupas de grifes famosas como Chanel e Givenchy, e a contribuição de figurinistas cada vez mais renomados, como Adrian e Edith Head.
CONCLUSÃO
O cinema e o figurino sempre estiveram interligados, evoluindo juntos ao longo do tempo. Os processos de criação de hoje serão diferentes dos do futuro, assim como os de 1900 diferem dos da década de 1920. Essa mudança contínua é impulsionada por mentes revolucionárias como as de Zukor e Griffith. Eles, juntamente com outros cineastas, entenderam a importância do departamento de figurino para agregar realismo às suas produções, auxiliar na construção de personagens e diferenciar os protagonistas, utilizando-o para criar obras que transformaram o cinema.
REFERÊNCIAS:
DIRIX, Emmanuelle. Birds of paradise: Feathers, fetishism and costume in classical Hollywood. Film, Fashion & Consumption , [S. l.], v. 3, n. 1, p. 15-30, 2014
HEAD, Edith. A Costume Problem: From Shop to Stage to Screen. Hollywood Quarterly, [S. l.], p. 44-49, 1946.
JORGENSEN, Jay; SCOGGINS, Donald L. Creating the Illusion: A Fashionable History of Hollywood Costume Designers. [S. l.: s. n.], 2015.
LANDIS, Deborah Nadoolman. Dressed: A century of Hollywood Costume Design. [S. l.: s. n.], 2006.
LANDIS, Deborah Nadoolman. Hollywood Costume. [S. l.: s. n.], 2013.
ROBERTS, A. L. HISTORY OF AMERICAN FASHION DURING THE HOLLYWOOD GOLDEN AGE. [s.l: s.n.], 2013