As curtas viagens paraibanas: Aspectos dos filmes de estrada no curta-metragem Cova Aberta

As curtas viagens paraibanas[1]:

Aspectos dos filmes de estrada no curta-metragem Cova Aberta

Short trips paraibanas:

Aspects of road movies in short film Open Pit

Marcelo SOARES[2]

 

Resumo: O presente estudo busca analisar a utilização de aspectos do gênero filme de estrada no curta metragem Cova Aberta, de Ian Abé. Buscamos observar na obra em questão que elementos se conectam, tanto esteticamente quanto filosoficamente, com o estilo de filme escolhido e como foram usados. Concluímos que a produção traz em seu cerne várias influências de tal gênero, construindo uma narrativa bem hermética no uso dessas características.

Palavras-chaves: Filmes de estrada. Suspense. Linguagem. Curta metragem.

 

Abstract: The present study aims to analyze the use of aspects of the genre road movie in short film Open Pit, Ian Abé. We seek to observe the work in question to connect elements, both aesthetically and philosophically, with the style of film chosen. We conclude that production at its core brings various influences such genre, building a hermetic narrative and the use of these characteristics.

Keywords: Road movies. Thriller. Language. Short film.

 

 

Um veículo motorizado nas mãos, uma estrada como vivência e um caminho sem destino. Essas são algumas das características postas como bases na formação de um filme de estrada, ou road movie em sua denominação norte-americana.

Surgido na década de 1960 nos Estados Unidos e ligado à reflexão sobre a condição dos indivíduos, rebeldia e transgressão, o gênero utiliza da viagem como forma metafórica para falar, ou desenvolver, tanto problemas da sociedade quanto das personagens envolvidas. Rodrigues (2007, p. 16) aponta que os road movies “traduziram cinematograficamente grande parte do espírito da época: a Contracultura, caracterizada pela rebelião contra normas sociais conservadoras, a busca da liberdade e escapismo”.

Inspirados nos crescentes movimentos sociais ao redor do mundo, os filmes de viagens americanos se aproximaram dos ideais da juventude da época, que buscava seu espaço entre as imposições do mundo adulto e era vista como um grupo alegre, intenso, correndo atrás da sua liberdade e se descobrindo nessa jornada. Tal surgimento desse tipo de obra não só atendia a um reconhecimento dos jovens como sujeitos sociais, mas, também, a uma questão de mercado – abarcando essa fatia de consumo, anteriormente esquecida pelas indústrias cinematográficas. Dentro desse contexto, a própria imagem de juventude foi proporcionalmente construída pelos meios de comunicação, incluindo o cinema, como destaca Silva (2002, p. 42):

 

A juventude é muitas vezes vendida juntamente com determinados produtos, como um signo de felicidade, de liberdade, de infinitas possibilidades de vida etc. A juventude é mitificada pelo “mass media” mais do que qualquer outra fase da vida, tornando-se objeto de projeções e fazendo com que muitos aspirem a esse ideal.

 

Assim, a gênese desse estilo de filme se instaura em um momento histórico propício às suas discussões sobre os rumos da sociedade, do papel do jovem no mundo que se criava e do ciclo de movimento natural da vida. Não é a toa que a estrada é seu lugar de desenvolvimento, sendo uma linha reta que liga um ponto geográfico, psícológico, espiritual, da história e personagens a outro. “A estrada é essencial à sociedade e à cultura americanas, além  de ser, também, um símbolo universal de curso de vida, movimento, desejo, da concretização da sorte e do destino, além de ser um espaço diegético por excelência”. (RODRIGUES, 2007, p. 16)

A autora ressalta ainda que a estrada dentro da cultura norte-americana se põe como um mistério a ser desvendado, um espaço onde excessos seriam permitidos e subversões celebradas, na qual a velocidade inerente a sua existência seja um elemento transformador.

Paiva (2011, p. 41), parafraseando Tom Gunning (1995), destaca que a viagem se tornou um meio de apropriação do mundo pelas imagens. Os filmes desse gênero se relacionam a um lado nômade do ser humano, um interesse por diversas razões de locomoção, sendo utilizado, assim, como uma forma de questionamento de aspectos ligados a nacionalidade, economia, sexualidade, classe e etnia.

No Brasil, o filme de estrada acabou por se configurar de forma diferente do realizado nos Estados Unidos. Neste, por sua constituição como país advindo de uma quebra com suas raízes, as estradas se formam como algo que circula as cidades (centro de sua vivência). Em nosso país, essas vias nos levam até as cidades, e, ainda mais, servem como elo com uma interiorização geográfica.  Rodrigues (2007, p. 71) aponta que:

Enquanto vivemos numa sociedade que foi construída  com base num enraizamento ou numa busca de reafirmação dessas raízes, os norte-americanos, em contraste, não conviveram ao longo de sua história cultural com esse dilema, uma vez que “não possuem raízes”, conforme aponta Baudrillard. Por isso, a importância dada à estrada lá é bastante diferente da dada aqui: no nosso cinema e em nossa cultura, ela é um meio para nos conduzir às cidades, enquanto na deles, as cidades são áreas povoadas que cercam as estradas, desde o início, o coração disperso de um país.

            Para a autora, ainda que certos elementos sejam encontrados em nossas produções, seria inegável que semelhanças entre esses estilos de filmes nos dois países sejam somente aparentes.  O cinema brasileiro, para ela, teria se apropriado dos road movies americanos e, a partir deles, criado seu próprio subgênero: o filme de estrada brasileiro.

Acreditamos que o road movie foi incorporado e reinterpretado pelo cinema brasileiro, através de filmes que se utilizam da estrada como espaço diegético de uma forma completamente distante àquela apontada pelos representantes clássicos daquele gênero. Frutos de uma cultura distante, que ora questiona e ora reafirma o desenraizamento da modernidade, os filmes de estrada brasileiros constituem um corpus à parte dentro da cinematografia mundial (RODRIGUES, 2007, p. 73)

Caminhos brasileiros no cinema de estrada

 

            Como de costume em processos de apreensão de conceitos pré-estabelecidos, o fator cultural se mostra importante por muitas vezes reconfigurar tais ideais e formatações. O road movie no Brasil, assim como em boa parte da América Latina, acabou por ter uma forma um pouco diferenciada da realizada pelos norte-americanos.

            Além da busca que os personagens desse estilo de filme têm ao longo da produção, os filmes de estrada, em nossas terras, trazem também uma procura por uma identidade nacional, refletindo sobre as condições sócio-econômicas-culturais do ambiente em que transita. Mâcedo (2009, p. 6) ressalta que:

 

As buscas dos personagens resultam em uma outra, mais urgente e coletiva: a de um país escondido em seus interiores, um país ainda puro e rico em significados. Em ambos os filmes analisados, para além das buscas pessoais de seus personagens, a estrada pode ser vista como metáfora da busca de uma identidade nacional em dois momentos distintos, oferecendo variados elementos de brasilidade úteis para pensar e discutir a identidade brasileira. As trajetórias pessoais são alegorias de processos econômicos, sociais e culturais mais amplos vivenciados pelo país em busca de uma identidade nacional referenciada em elementos positivos.

            O autor ainda coloca que o país é geralmente representado como um país de pobreza, mas com possibilidades e esperanças no amanhã, sendo sua imensidão, variedade geográfica e diversidade cultural pontos fundamentais para esse sentimento. Podemos citar como obras representativas desse ponto Iracema: uma transa amazônica  (Jorge Bodansky, Orlando Senna, 1974) e Bye bye Brasil (Carlos Diegues, 1979), mas é após o período de pós-retomada[3] que esse gênero ganhou considerável destaque e ampliação, sendo mesclado a gêneros como drama e romance.

            Obras como Terra Estrangeira (1995) e Central do Brasil (1998), ambos do diretor Walter Salles; Ação entre Amigos (Beto Brant, 1997); Deus é Brasileiro (Cacá Diegues, 2002); Caminho das Nuvens (Vicente Amorim, 2003); Cinema, Aspirinas e Urubus (Marcelo Campos, 2005); O Céu de Suely (Karim Ainouz, 2006) e Árido Movie (Lirio Ferreira, 2006), construíram uma base na filmografia e na mente do público sobre como seria o novo filme de estrada brasileiro, como ressalta Rodrigues (2007, p. 13):

 

A Pós-Retomada (período compreendido entre os anos  2000 e 2003, de acordo com alguns teóricos como Zanin Orichio[4]) trouxe novo fôlego para os filmes de estrada, mas o movimento narrativo agora, ao contrário dos anos 60 e do Cinema Novo, é da volta do mar para o sertão profundo

            O sertão brasileiro, junto com a temática da favela, se tornou forte ambiente de exploração para cineastas, que tinham em suas mentes questionamentos sobre a existência de um país profundo e verdadeiro encontrado em suas raízes interioranas. Assim, realizadores retomaram uma busca nas entranhas do país, colocando em pauta o estrangeiro versus o local; crises existenciais; a decadência da cidade/capital como paraíso; e a constante passagem por diferentes locais, sem fixação em um, como forma de sempre seguir adiante.

            Apesar de serem constituições comuns aos filmes de estrada, esses pontos não se colocam como regra; ou fórmula obrigatória, existindo obras que só se utilizam do asfalto e de um ponto de chegada, por exemplo, como recursos para trabalhar outras temáticas fora das conjecturas anteriormente citadas, como veremos a seguir.

Pelas estradas da Paraíba

            Assim como em outros estados, o cinema paraibano estreou pelas mãos de um europeu, Nicola Maria Parente, que realizou as primeiras projeções em agosto de 1897 em João Pessoa, capital do Estado. Tirando algumas projeções no famoso Teatro Santa Roza a partir de 1902, só a partir de 1907 o pequeno mercado de exibição se estabilizou, quando as primeiras salas de exibição surgiram. Ramos (2000) aponta que as primeiras produções locais aconteceram de fato em 1918, por Pedro Tavares, fotógrafo do governo do Estado, que registrou os principais acontecimentos da época.

            Em 1923, Walfredo Rodriguez realiza o documentário Carnaval Paraibano e Pernambucano e em 1924 inicia Sob o céu nordestino, que foi concluído em 1928. O som foi introduzido no cinema e a atividade cinematográfica no Estado ficou em recesso, resumindo-se ao Serviço de Cinema Educativo, em 1955, e ao movimento cineclubista. O fim daquela década trouxe um novo fôlego às produções locais com a realização de Aruanda (de 1959 até 1960), de Linduarte Noronha, e um aumento das produções documentais no Estado.

            Esse período gerou frutos que lançaram o nome do Estado no panorama nacional, como Vladimir Carvalho com O País de São Saruê (1971) e, junto com João Ramiro de Melo, Romeiros da Guia (1962), e Ipojuca Pontes com Os homens do caranguejo (1968), entre outros. Desde então, a produção regional cresceu consideravelmente, diversificando-se em gêneros, abordagens e estilos. Entretanto, ainda são escassas as obras que utilizam do filme de estrada para contar suas histórias.

            Em nossas pesquisas encontramos somente quatro obras que se encaixariam nos conceitos ligados ao gênero como expostos anteriormente: Por Trinta Dinheiros (2005); Depois da Curva (2009); Luzeiro Volante (2011) e Cova Aberta (2012). Acreditamos que as ainda difíceis condições de produção no Estado desencorajem os realizadores a se aventurarem por dias e dias de filmagens na estrada, preferindo a segurança e o controle de sets de gravação fixos.

            O longa-metragem Por 30 Dinheiros, 2005, tem a direção de Vânia Perazzo e traz as peripécias de um circo mambembe que apresenta a peça A paixão de Cristo. Os personagens Zé e Lula, respectivamente Cristo e São Pedro, fogem com o dinheiro apurado dos ingressos e passam a ser perseguidos pelo diretor Biu, o Judas, e pelo resto do elenco. A história se passa da caatinga ao litoral, utilizando do tragicômico e do contraste entre realidade e ficção para abordar os valores de um Nordeste tradicionalista em plena globalização.

            O também longa-metragem Luzeiro Volante, 2011, dirigido por Tavinho Teixeira, fala de um funcionário da usina de Itaipu que resolve largar tudo e seguir mundo afora, sem destino, em uma errância em busca de encontros inesperados.

            Depois da Curva, 2009, dirigido por Helton Paulino, tem 18 minutos e conta a história de Paulo, um jovem e iniciante motorista que faz uma viagem a trabalho da cidade interiorana de Campina Grande até a capital João Pessoa. Sua missão é levar um homem e o caixão do seu companheiro para o funeral. Após o trajeto, ao se deparar com uma realidade até então desconhecida para ele, Paulo passa a reavaliar seus próprios sentimentos, colocando em xeque até a existência de uma antiga amizade.

            Para a análise, preferimos nos ater ao filme Cova Aberta por se tratar de um curta-metragem que não só utiliza dos aspectos do filme de estrada, mas, também, margeia a temática da morte e questões de gênero, dialogando com outros gêneros cinematográficos mais intensamente que as obras citadas anteriormente.

            Lançado em 2012, dirigido por Ian Abé, o curta-metragem de 20 minutos mostra a breve viagem de Roberta pela BR 230,  na qual encontra uma garota atormentada pela morte de seu filho e a possibilidade de vingança do marido caminhoneiro. A fim de enganar a própria dor, Roberta oferece socorro para garota e isso fará com que ela experimente o medo da morte ao serem perseguidas pelo pai vingativo. O filme utiliza de características dos filmes de estrada e mistura-as a elementos de suspense como perseguições, escuridão, tensão e uma urgência por fugir do perigo.

            Por ser breve, o filme acaba não se aprofundando tanto nos dilemas e complexidades de personagens e situações, como é de costume dos filmes do estilo análisado, contudo, utiliza de configurações da linguagem cinematográfica associadas ao gênero em questão. A primeira delas, que destacamos, aqui é a exposição do veículo e suas partes, como aponta Rodrigues (2007, p. 22):

Para o aspecto da  mise-én-scène do gênero, muitas vezes o campo visual da câmera é composto pela parte frontal do carro, com destaque  para os espelhos retrovisores laterais e frontais. O reflexo dos personagens em vidros e espelhos muitas vezes serve como uma metáfora da projeção do personagem na paisagem na qual ele viaja. Em outros filmes, o veículo surge como um personagem, tendo tanta importância quanto os protagonistas.

            Tal recurso não só serve para nos situarmos no ambiente em que a história se passa, mas, também,  como uma forma de enfocar sentimentos, expressões, sensações dos personagens. Em Cova Aberta encontramos tais momentos primeiro numa visão do ambiente interno do veículo e das personagens da história (fig 1).

Figura 1: À esquerda: ambiente interno do carro, à direita: personagens
Figura 1: À esquerda: ambiente interno do carro, à direita: personagens

            Em seguida, temos close-ups de elementos do automóvel (fig. 2) numa construção que não expõe somente a dinâmica de funcionamento do veículo, mas, além disso, a tensão do momento e crescimento da velocidade do carro.

Figura 2: closes em partes internas do veículo
Figura 2: closes em partes internas do veículo

            Outro aspecto de filmes de estrada encontrado na obra analisada são os planos da própria estrada (fig. 3 ), que surgem como um rumo infinito, desconhecido, e que reserva surpresas no caminho.

Figura 3: planos do asfalto iluminado pelo farol do veículo
Figura 3: planos do asfalto iluminado pelo farol do veículo

            Ainda enfocando a estrada, mas, nesse caso, mais o ambiente, os carros e o movimento, temos um aspecto clássico dos filmes de estrada, como aponta Mâcedo (2009, p. 9), “a utilização de planos de câmera abertos, que contemplem uma paisagem ampla, geralmente vista de cima, em takes de grandes planos gerais ou em travellings”. Encontramos, em alguns momentos, caminhões, em outros, o veículo da protagonista (fig. 4), ambos na escuridão dominante, tendo só seus faróis como resistentes à ela, como dois olhos sombrios (no caso do caminhão) ou assustados (no caso do carro).

Figura 4: Faróis de caminhão e de carro
Figura 4: Faróis de caminhão e de carro

            Outro elemento constante em produções desse tipo é o destaque a locais de passagem, de parada, como postos de gasolina, bares, pequenas cidades. São momentos geralmente utilizados para criar conflitos, externos ou internos, levando normalmente a mudanças de pontos de vista.

            Em Cova Aberta, Roberta se depara com esse momento ao parar para reabastecer o carro (fig. 5) e se deparar com a necessidade de encher o tanque de combustível rapidamente, antes que um caminhão que se aproxima chegue ao local.

Figura 5: Roberta estaciona em posto de gasolina para reabastecer
Figura 5: Roberta estaciona em posto de gasolina para reabastecer

            O curta-metragem utiliza desses clichês do gênero para criar um suspense psicológico em torno da situação que as personagens vivem. Mesmo sem saber se está de fato sendo perseguida, a protagonista passa a ter medo pela proximidade de um caminhão, tensão essa que é passada para o espectador pela montagem em paralelo de Roberta comprando a gasolina e a aproximação de faróis de caminhão na estrada.

            O tom de perseguição é reforçado pela história com uma sequência na qual um caminhoneiro indica que irá fazer uma ultrapassagem no veículo ocupado pelas duas personagens (fig. 6), porém, ele não a realiza, iniciando um zig-zag na pista. Num instante ele está atrás do carro, noutro do lado, para novamente ficar atrás, seguindo assim por algum tempo. Temos também um close no retrovisor do carro enfocando um dos faróis do caminhão, aspecto de linguagem comum em filmes de estrada.

Figura 6: suposta perseguição do caminhoneiro ao veículo
Figura 6: suposta perseguição do caminhoneiro ao veículo

 

            Outro elemento é o ponto de chegada da viagem, que pode ser um local de reviravolta, início de uma nova jornada ou encerramento de fato da história. Na obra em questão, o terminal rodoviário interurbano é esse local de encerramento (fig. 7), no qual Roberta aconselha sua companheira de viagem a pegar um ônibus para um lugar distante e fugir de seu marido perseguidor. Nesse momento final, é que descobrimos o real motivo da perseguição.

            Ao longo do filme, tanto a protagonista quanto o espectador acreditam que a caronista tinha enterrado o corpo de seu filho e era seguida para ser assassinada pelo pai da criança – que aparentemente poderia ser também o assassino do bebê. Entretanto, ela revela que, na verdade, tinha matado o filho no momento que o enterrou vivo, com a ajuda de Roberta.

 

Figura 7: Fim da viagem de Roberta com a chegada no terminal rodoviário
Figura 7: Fim da viagem de Roberta com a chegada no terminal rodoviário

 

            Como explicitado, percebemos ao longo da obra uma preocupação em se aproximar das narrativas ligadas ao filme de estrada, utilizando de planos, estéticas e construções típicas desse gênero. Contudo, um elemento ficou de fora desse processo: a trilha sonora. Ela geralmente surge diegeticamente a partir do rádio do veículo e se torna extradiegética (RODRIGUES, 2007, p. 22).

            No filme, a trilha aparece externa à diegese pontuando tensões e expectativas, distanciando-se da configuração comum ao estilo de filme analisado e sendo mais próxima dos filmes de suspense e terror, gêneros com os quais a obra busca dialogar por toda sua extensão.

 

Considerações Finais

 

            A estrada ainda se mostra dentro de nossa cultura como um local de grande simbolismo e espaço para interessantes histórias. No cinema, ela foi elevada a ícone de rebeldia, contracultura, juventude e perigos a serem superados. Na cinematográfica local ganhou contornos de reencontro com o país, reflexão sobre a sociedade brasileira e o indivíduo inserido dentro das condições de vida e existência em uma nação de proporções continentais. A produção paraibana começa a mostrar um olhar sobre esse gênero, apesar de ainda ser de forma incipiente, tentando tirar dele sentidos e sensações diversas ancoradas em outros gêneros do cinema – assim como é feito em tantas obras de estrada Brasil afora.

            O filme analisado, apesar de seu baixo orçamento e prováveis dificuldades de produção, usa bem as características dos filmes de estrada para construir sua narrativa – de uma forma até hermética, diríamos, seguindo um tipo de cartilha de como se fazer um filme desse estilo sem uma busca por inovações – e montar sua estética ligada ao cinema-suspense, inspirando-se possivelmente em películas que versaram pela mesma lógica, das quais destacamos aqui Encurralado (Duel, 1971), de Steven Spielberg.

            Em Encurralado, o protagonista, David Mann (Dennis Weaver), está dirigindo seu carro pelas estradas da Califórnia quando começa a ser perseguido por um caminhão gigantesco, que parece querer brincar com ele perigosamente na estrada. No decorrer do trajeto, David começa a perceber que a perseguição não se trata apenas de uma mera brincadeira, mas algo realmente perigoso para ele.

            É notória a próximidade das duas obras, ou, até, a inspiração, por parte do curta-metragem, no trabalho do diretor americano, não somente no plot de perseguição automobilística, mas em detalhes como o fato de, em Cova Aberta, não se revelar a imagem do caminhoneiro durante a perseguição – mostrando apenas um homem saindo do caminhão no posto de gasolina e, mesmo assim, sem deixar claro se era mesmo o marido em busca de vingança ou um caminhoneiro qualquer.

            Dessa forma, Cova Aberta busca discutir a questão da morte, as relações entre mãe e filho, e a estrada como local de perigo e morte. Mostra que o cinema paraibano também se insere nas produções nacionais de filmes de estrada e pode fazer render boas histórias utilizando de suas configurações. Porém, fica a ressalva, por nossa parte, em relação à falta de um maior olhar por parte dos realizadores locais para esse estilo de filme, e uma necessidade de aumento de produções vinculadas a ele.

Referências Bibliográficas

MACÊDO, Carolina Ruiz de. O Brasil na estrada: em busca da identidade nacional – análise de duas obras cinematográficas. ANPUH – XXV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – Fortaleza, 2009. Aceso em 20 de abril de 2013. Disponível em:

http://anpuh.org/anais/wp-content/uploads/mp/pdf/ANPUH.S25.1217.pdf

PAIVA, Samuel. Gêneses do gênero road movie. Significação: revista de cultura audiovisual, nº36, 2011. Acesso em 20 de abril de 2013. Disponível em:

http://www.revistas.usp.br/significacao/article/viewFile/70902/73794

RAMOS, Fernão; MIRANDA, Luiz Felipe. Enciclopédia do cinema brasileiro. São Paulo, Editora Senac, 2000.

RODRIGUES, Ana Karla. A viagem no cinema brasileiro: panorama dos filmes de estrada dos anos 60, 70, 90 e 2000 no Brasil. Campinas: São Paulo, 2007.

SILVA, Nadilson Manoel da. Fantasias e Cotidiano nas Histórias em Quadrinhos. São Paulo: Annablume; Fortaleza: Secult, 2002.


[1]  Trabalho realizado para a disciplina Narrativas Audiovisuais do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Culturas Midiáticas

[2] Mestre em Comunicação pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Culturas Midiáticas da    Universidade Federal da Paraíba. E-mail: marcelo.soaresdelima@yahoo.com.br

[3] Juliana Sangion em seu artigo A Globofilmes e o Cinema Brasileiro Pós-Retomada aponta que retomada é o período que compreende a segunda metade dos anos 1990, após a criação da Lei do Audiovisual (1993) quando “a produção de filmes brasileiros voltava a crescer, após um período de declínio. Filmes como Lamarca (Sérgio Resende, 1994), O Quatrilho (Fábio Barreto, 1995), Carlota Joaquina, Princesa do Brasil (Carla Camuratti, 1995) e vários outros – em 1996, por exemplo, 35 filmes brasileiros foram lançados no país – sinalizavam um futuro melhor para o cinema brasileiro”. Para mais informações acesse:

http://www.cinequanon.art.br/ensaios_detalhe.php?id=6.

[4] Em Cinema de Novo – Um balanço crítico da Retomada (São Paulo: Estação Liberdade, 2003).

 

Download: As curtas viagens paraibanas – Marcelo Soares

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