As Indústrias Culturais e sua Reconfiguração na Era Digital

Por Náyady Karyze Oliveira Nunes Da Silva *

Introdução

Os inúmeros avanços das tecnologias digitais somados à popularização da internet têm possibilitado às pessoas comuns a produção e divulgação de conteúdos em rede, estreitando a fronteira entre os papeis do produtor e do consumidor contemporâneos. Este trabalho reflete sobre essas mudanças causadas pelas tecnologias digitais que afetam a estrutura das indústrias culturais contemporâneas, principalmente por permitirem aos cidadãos comuns a prática de atividades concentradas apenas nas mídias de massa.
Com a estrutura amigável da chamada Web 2.0, percebemos o grande aumento de sites com conteúdos colaborativos e uma maior participação do que Janet Murray (2001) chama de interator: aquele que vai muito além do contexto de uma obra enquanto co-autor, pois não só a re-significa quando a consome, mas interage com a mesma sendo que em alguns casos consegue até mesmo alterar seu conteúdo. Frente a esse cenário, há um importante processo de transformação pelo qual as indústrias culturais vêm passando, já que as práticas de produção e de mercantilização dos bens culturais também vêm sendo transformados e os modelos tradicionais de negócios, estruturados praticamente na noção de direitos autorais e de propriedade intelectual começaram a ser questionados.
Este trabalho seguirá baseado nos estudos da Economia Política da Comunicação, pois segundo Mosco (1996) citado por Fonseca (2008, p.30), este campo preocupa-se com as “relações sociais que constituem mutuamente a produção, distribuição e o consumo de produtos culturais e de comunicação no modo capitalista de produção”. Segundo Fonseca (2008), boa parte dos estudiosos da Economia Política da Comunicação rebatem a idéia de que uma mesma lógica de Indústria Cultural possa ser aplicada aos diferentes produtos culturais, tal como a perspectiva frankfurtiana defendia, havendo mais coerência se falarmos na existência de diversas indústrias culturais, cada qual com seus padrões próprios.
Para as reflexões propostas, serão mostrados exemplos das produções de fãs do filme The Dark Knight, de Christopher Nolan (2008), já que no YouTube há 126 mil contribuições, com colocação de trailer e paródias realizadas tanto pelos usuários como pelos programas de TV. Vídeos como esses nos mostram como a linha entre produtor e consumidor tem se tornado tênue, e apesar de não visarem o lucro e sim a diversão, a “gratuidade” da internet precisa ser considerada, já que ao entender melhor o comportamento do “novo” consumidor, seria possível o planejamento de produtos adequados à interação desses consumidores com os universos narrativos expandidos. Todas essas transformações têm afetado o cenário socioeconômico e cultural contemporâneo, estimulando mudanças na indústria cultural das mídias, como será visto a seguir.

As Indústrias Culturais

Os estudos das indústrias culturais têm recebido nos últimos anos dedicação por parte da chamada Economia Política da Comunicação, principalmente no que se refere à formação de grandes conglomerados midiáticos, que emerge a partir da segunda metade do século XX, ocupando um lugar antes dominado por empresas familiares.
De acordo com Fonseca (2008), o desenvolvimento das novas tecnologias da comunicação e informação (NTCI) e a reestruturação mundial do capitalismo propiciaram o surgimento das indústrias culturais midiáticas, pois unidas, deram origem a uma nova fase de concentração de propriedade e capital. Dessa forma, o que vemos é um “um novo ciclo dentro da mesma etapa monopólica do capitalismo, que se institui com suporte das novas tecnologias de comunicação e informação, que, por sua vez contribuem para a estruturação da nova forma de organização da produção.” (FONSECA, 2008, p. 16).
Os estudiosos da Economia Política da Comunicação acreditam na idéia de que a “indústria cultural em si não existe, mas que é um composto constituído de elementos que se diferenciam fortemente uns dos outros, por setores que apresentam suas próprias leis de padronização” (FONSECA, 2008, p. 32), diferente da idéia de Indústria Cultural proposta pelos teóricos da Escola de Frankfurt. Sendo assim, os teóricos dessa vertente defendem a existência de diversas indústrias culturais, onde cada uma possui regras próprias e sua lógica de funcionamento, e não apenas como uma única Indústria Cultural funcionando com a mesma racionalidade técnica em relação aos variados bens culturais.
Os teóricos da Economia Política da Comunicação não só discordam do conceito frankfurtiano de indústria cultural, como se afastam da idéia marxista de que o capitalismo alimentaria formas de auto destruição, afinal, o que é visto em diversos locais do mundo é um progresso capitalista cada vez mais subordinado aos países avançados. Por se darem conta do cenário do capitalismo internacional que tem se expandido de maneira independente das fronteiras dos estados-nação, o conceito de “economia-mundo” é adotado por alguns teóricos. Conceito que se configura a partir de um pólo central, no qual as decisões mais importantes relacionadas ao gerenciamento do capitalismo são tomadas, e as zonas intermediárias acabam sendo completamente dependentes do centro (FONSECA, 2008).
Segundo Bolaño (1999), a globalização representa o auge da internacionalização do capital monopolista e a indústria cultural acaba sendo “o ponto de partida para a constituição de uma cultura capitalista mundial que se expande, a partir de sua matriz originária (o cinema americano), fruto ela própria das possibilidades abertas pelo desenvolvimento anterior das técnicas de reprodução de que falava Benjamin” (p. 84-85). Para Bolaño, o raciocínio do capital tem ultrapassado o campo da produção material desde que foi implantado e invadiu diversos setores da vida: “com a indústria cultural, o capital se alça à superestrutura e a própria produção cultural adota a forma de mercadoria” (BOLAÑO, 1999, p. 84).
É necessário então que se reconheça os meios de comunicação de massa como entidades econômicas que executam um papel econômico direto (produção e distribuição de mercadorias) e um papel econômico indireto (publicidade), e que suas características dentro do capitalismo monopolista é a “instauração de um domínio político e ideológico através do econômico” (BOLAÑO, 1999 p.82). No entanto, com os recursos disponibilizados pela internet e pelas tecnologias digitais, enxergamos o crescimento de uma nova forma de estruturação da produção e do consumo de bens culturais, ainda bastante ligados às indústrias hegemônicas no que diz respeito à produção, onde muitos produtos são feitos com programas da Apple, ou câmeras da Sony, por exemplo, mas que apesar disso, ganham certa independência no que diz respeito a sua exibição. Bolaño (2002) já tinha previsto o fato de que as mesmas tecnologias desenvolvidas para saciar as necessidades do capital, ao contrário do que se esperava, carregavam consigo uma força libertadora. “O próprio modo de produção torna-se, dessa forma, essencialmente informático e comunicacional e o que serve fundamentalmente à cooperação capitalista, pode, em princípio, servir no futuro à liberação do trabalho da sua dominação pelo capital” (BOLAÑO, 2002, p.151).
Apesar de ainda não ser possível notar essa “liberação” descrita por Bolaño, há a necessidade de se atentar para o fato de que a propagação das tecnologias digitais tem possibilitado que as massas possuam indústrias culturais próprias, menos dependentes das indústrias hegemônicas. Como mostra a pesquisa “Cultura Livre, Negócios Abertos ”, da FGV-RIO/Overmundo/USP: as novas tecnologias digitais têm sido apropriadas pelas periferias com o objetivo de montar suas próprias redes de produção, distribuição e consumo de cultura. Há diversos exemplos nessa pesquisa, um deles é Nollywood, a indústria de cinema da Nigéria, que não usa a web 2.0, mas que mantém seu sustento através das facilidades das tecnologias digitais para produção de seus filmes e pela rede de camelôs para vendê-los.
O que mais surpreende é o fato de um país onde praticamente não há salas de cinema, ser a terceira maior receita do mundo cinematográfico, com a produção de cerca de US$ 200 milhões por ano e gerando empregos para mais de um milhão de pessoas. Com esse esquema de produção, em apenas 15 anos a indústria cresceu do zero para um mercado que só perde para Hollywood e Bollywood. Pretende-se então sugerir aqui uma reflexão sobre novos modelos de negócios para a economia do audiovisual, pensando nas transformações que estão acontecendo no sistema de produção, distribuição e exibição de conteúdos em decorrência da apropriação popular das tecnologias digitais.

Possibilidades da WEB 2.0

Para entender as mudanças na forma de produção, distribuição e consumo de bens culturais que as tecnologias digitais somadas à internet têm provocado, é necessário que se compreenda os fundamentos da Web 2.0, que “é a segunda geração de serviços online e caracteriza-se por potencializar as formas de publicação, compartilhamento e organização de informações, além de ampliar os espaços para a interação entre os participantes do processo” (PRIMO, 2006, p.1).
Sua estrutura de participação é uma de suas principais características, baseada na “ética da colaboração”, partindo da idéia de que quanto mais pessoas a utilizam, mais evoluídos se tornam os sistemas (O’REILLY, 2005). Segundo Primo (2006), a Web 2.0 tem importantes repercussões sociais que aumentam os processos de trabalho coletivo e construção social de conhecimento baseada na informática. Essa fase participativa da web leva ao crescimento das chamadas mídias sociais – “ferramentas, plataformas e práticas usadas para o compartilhamento de opiniões e experiências via internet” (SPYER, 2007, p.16) -, como YouTube (compartilhamento de vídeos); Facebook (relacionamentos sociais); Flickr (compartilhamento de fotos), Last.Fm (compartilhamento de música), etc. As mídias sociais permitem que qualquer pessoa possua sua própria mídia e audiência por menor que seja, levando à máxima do “Broadcast Yourself”.
Pode-se citar como exemplo o spoof do trailer de The Dark Knight refeito com bonecos, equipamentos e carrinhos de Lego, seguindo influências do jogo Lego -Batman: The Vídeo Game (2008), mais duas paródias com diferentes histórias produzidas por fãs caracterizados, aproveitando a trilha sonora e a voz do Coringa – The Dark Knight Trailer Spoof e The Dark Knight Interrogation Scene Spoof . Graças às facilidades oferecidas pelas tecnologias digitais para os processos de produção de vídeos e a possibilidade de divulgação de conteúdos a milhares de pessoas através da internet, vídeos como estes não passariam de vídeos caseiros destinados ao esquecimento em alguma gaveta da casa, ou nem ao menos teriam sido produzidos.
Os efeitos que essas transformações têm provocado na cultura contemporânea são enormes, se pensarmos que durante muito tempo a maioria da população consumia bens culturais ditados pelas mídias de massa, sempre movidas à “economia da escassez”, onde estar na TV, ser estrela de um filme ou lançar um livro comercialmente é desejo de muitos, mas poucos alcançam. O mercado tradicional costuma apostar apenas nos artistas que demonstram maior potencial de venda, que de certa forma, devolvam o investimento aplicado, já que os custos de produção, distribuição e comercialização dos produtos são um tanto elevados. Ao fixar limites para o investimento apenas em hits com grandes potenciais, o mercado determinou por muito tempo o que a maioria das pessoas consumiria ou não (ANDERSON, 2006).
Com a evolução da internet e das ferramentas digitais, esse cenário vem se transformando rapidamente, e provocam uma transformação radical na maneira de produzir, armazenar, distribuir e organizar dados. Como foi dito anteriormente, basta o acesso a um computador com internet e conhecimentos de determinados programas, que qualquer pessoa é capaz de produzir e editar seus filmes e músicas, além de terem o poder de escolha do que ler, escutar ou assistir, seguindo seus próprios interesses. É o caso de vídeos caseiros como os do filme The Dark Knight que surgem diariamente na internet e que recebem milhares de acessos em tão pouco tempo.
Anderson (2006) acredita que vivemos a era da cultura de nicho, na qual a diversidade de produtos oferecidos no mercado é cada vez maior, o que aumenta o poder de escolha dos consumidores. É o que o autor chama de “fenômeno da cauda longa”, ou seja, esse mercado de “não-hits” que sozinhos não são importantes economicamente, mas que juntos, constituem um mercado tão grande e às vezes até maior que o mercado de hits. De acordo com Anderson, esse mercado representa hoje uma força econômica e cultural graças à queda dos custos e a facilidade promovida pelas tecnologias digitais.
Isso não quer dizer que o mercado de nichos esteja substituindo o mercado de massa, apenas estão dividindo igualmente o mesmo cenário, já que no ciberespaço, é possível reunir uma quantidade infinita de arquivos em formatos digitais, pois não passam de bits que podem ser baixados e compartilhados com outros usuários. Na internet há espaço para todos, o que torna sem sentido a escolha de quais músicas ou artistas serão disponibilizados para o público.

“Ainda existe demanda para a cultura de massa, mas esse já não é mais o único mercado. Os hits hoje competem com inúmeros mercados de nicho, de qualquer tamanho. E os consumidores exigem cada vez mais opções. A era do tamanho único está chegando ao fim e em seu lugar está surgindo algo novo, o mercado de variedades.” (ANDERSON, 2006, p. 5)

Ainda segundo Anderson (2006), precisamos refletir sobre esses custos de distribuição em queda como uma “linha de flutuação declinante”, ou seja, conforme a água vai baixando, novas terras vão surgindo, terras que sempre estiveram lá, mas que estavam submersas. Pode-se comparar essas terras aos produtos nesse novo mercado, que sempre existiram, apenas não eram visíveis ou que suas ofertas eram antieconômicas. São as músicas que não tocam nas rádios, filmes que não chegam às salas de cinema, etc., mas que agora são ofertados através do iTunes, Amazon, ou que simplesmente podemos encontrar pesquisando no Google.
Com todas essas mudanças, as opções de escolha passam a ser cada vez maiores bem como o acesso aos produtos que fazem parte do gosto do consumidor, agora menos dependentes de produtos impostos pelo mercado tradicional e limitado. As tecnologias digitais e a internet, além de aumentar a disponibilidade de bens culturais, de certa forma, até impulsionam o surgimento de novos modelos de negócios fundamentados no espírito colaborativo e livre da cibercultura, impulsionando cada vez mais a cultura da convergência.

Novos Modelos de Negócio para o Mercado Audiovisual

O gargalo distributivo deixou de ser uma ameaça para a não exibição do produto e o que impulsiona essa nova economia são as transformações ocorridas nas relações entre produtor e consumidor, que deixa de assistir passivamente os produtos ofertados. Sendo assim, os setores econômicos têm sido questionados por uma nova sistemática, que os obriga a se remodelarem perante o mercado, principalmente as empresas produtoras de informação. Essas mudanças possivelmente causarão problemas de adaptação, o que será penoso principalmente para os produtores de conteúdo que terão dificuldades para compreender as transformações no comportamento dos consumidores, que agora deixam para trás um contexto de passividade rumo à construção conjunta da obra.
Hoje, os consumidores possuem domínio de muitas das enormes comunidades online das redes sociais, nas quais milhões de pessoas socializam e colaboram com diversos trabalhos, desde a avaliação de produtos e serviços das empresas, até oferecimento de entretenimento e serviços criados por eles mesmos. Com a baixa nos preços dos produtos tecnológicos, é possível o maior acesso no qual uma única pessoa interagindo com outras em rede será o princípio para as estratégias de criação de produtos audiovisuais, gerando lucro aos que produzem e satisfação em relação às possibilidades de múltiplas narrativas aos que consomem.
O que se quer deixar claro neste trabalho é como as tecnologias digitais dão possibilidade a uma reconfiguração da indústria cultural, apoiando-se em modelos de negócios abertos e com autonomia em relação às indústrias hegemônicas tradicionais. Deve-se reconhecer que esse grau de autonomia está diretamente ligado ao uso das tecnologias digitais, que possibilitam aos cidadãos comuns a produção de conteúdos próprios. Dessa forma, percebe-se que as empresas de mídias que tiverem a intenção de sobreviver frente às mudanças causadas pelas novas tecnologias digitais precisam reavaliar seus modelos de negócios.
A respeito dessa reconfiguração, João Massarolo e Marcus Vinícius Tavares Alvarenga dizem que:
“O entretenimento audiovisual passa por uma conjuntura de extrema flexibilidade de formato, permitindo que qualquer obra audiovisual possa ser vista de uma grande tela de cinema até uma microtela de celular, passando por diferentes tamanhos de suporte de exibição, além da mobilidade de acesso aos produtos. Essa transformação tecnológica gera inúmeras “janelas” de acesso ao produto audiovisual, porém se faz necessário levar em conta que o consumidor desses produtos está envolto num mar de possibilidades e suas escolhas dependem, também, do poder e da liberdade de participação.” (2010, p. 128)

Sendo assim, como as grandes corporações conseguirão ganhar dinheiro num universo cada vez mais permeado por infinitos produtos audiovisuais, onde produtores amadores agora têm a chance de disputar a audiência com profissionais? É dentro desse contexto que pode-se pensar no produto transmídia como um ponto crucial para o estabelecimento de novos modelos de negócios para os produtos audiovisuais, pois ainda segundo Massarolo e Alvarenga (2010), o produto transmídia necessita que os grandes conglomerados audiovisuais estabeleçam estratégias para a criação de universos narrativos expandidos produzidos ao longo das múltiplas plataformas e distribuídos pela multicanalidade, que acima de tudo, estimulem a produção de conteúdos por parte do consumidor.
A criação de plataformas de entretenimento passa a ser uma boa opção graças à proliferação das novas mídias que trabalham numa lógica de públicos de nicho (ANDERSON, 2006) que, em sua totalidade, geram lucro para o mercado audiovisual, e, ao mesmo tempo, criam novas aberturas às potencialidades de exposição dos conteúdos. O conteúdo do produto transmidiático não significa apenas a transposição de uma mesma história para vários formatos, existe um planejamento anterior aos produtos, que se tornam parte de verdadeiras franquias de entretenimento, formadas por histórias que se ampliam e se cruzam em diferentes veículos, ganhando sua própria versão. Há uma conversa entre os conteúdos, que se tornam completos e unidos através das plataformas de entretenimento. Se as tendências de Jenkins se tornarem concretas, haverá uma demanda por produtores multiplataformas e roteiristas aptos a entender este cenário convergente, e as grandes corporações que conseguirem se remodelar dentro desse novo contexto estarão preparadas para fazer algo novo e ao mesmo tempo manter o retorno financeiro de sua produção.
Um exemplo de produção que tenta manter um diálogo com o novo consumidor é o último filme de Batman – The Dark Knight (2008), que obteve grande bilheteria e retornos expressivos , e que se enquadra na lógica de produção como estratégia de atualização do cinema, seja pelo uso dos efeitos especiais, explosões e tecnologia, como também pela transmídia. The Dark Knight segue o mesmo modelo dos filmes seqüenciais de super-heróis dos quadrinhos reencontrado por Hollywood nos anos 2000 e que são sucessos de bilheteria, sendo o nono entre as produções desde os anos 40 que retomam fases da história de Batman das HQs. Os filmes anteriores eram apenas adaptações das inúmeras fases de Batman nos quadrinhos, não tocavam em pontos distintos de sua história.
Com o desgaste da franquia de entretenimento dos super-heróis devido à quantidade de filmes produzidos sem muitas novidades, a Warner Bros decide em 2005, recontar a história da origem do herói com o filme Batman Begins, sendo que The Dark Knight apresenta uma continuidade com o filme anterior de 2005, ambos planejados sob uma plataforma transmidiática com o intuito de contar uma narrativa ampla, que fosse além dos efeitos especiais.
Além dos produtos criados pelos fãs já citados no presente trabalho, The Dark Knight também gerou oito sites complementares ao filme. Os dois primeiros são os sites oficiais da Warner Bros nos EUA (http://thedarkknight.warnerbros.com) e no Japão (http://wwws.warnerbros.co.jp/thedarkknight/) que divulgam o trailer, DVD, Blu-ray do filme e realizam a propaganda para o relançamento do filme na versão IMAX, além de disponibilizarem produtos relacionados ao filme para a venda. Os demais são sites criados especificamente para realizar a transmídia do filme.
Como estratégia para aproximar o usuário curioso, foram criados os ARGs – Alternate Reality Games, que vão além de modelos experimentais, fazem parte da industria fílmica comercial, abrindo caminho para novos formatos de tela e novas estratégias do cinema que envolvem cada vez mais a imersão dos sentidos e a experiência do espectador, direcionando para um cinema com uma narrativa mais ampla. The Dark Knight ainda conta com cinco games sobre momentos do filme e referências a outros produtos transmídia.
Exemplos como estes mostram que já existem produtos tentando se estruturar em um modelo de negócio baseado nas multiplataformas de convergência digital. Um modelo ainda considerado bastante arriscado, já que a participação dos consumidores deve ser planejada com cuidado, para que não sejam criados muitos produtos por parte das empresas de maneira que restrinja a ação do consumidor e desestimule a sua participação, e nem que haja a falta de certo número de opções de produção realizadas pelas próprias empresas que provoquem excessos de intervenções por parte dos consumidores.

Considerações Finais

Este trabalho não pretende determinar quais caminhos o mercado audiovisual deve seguir, muito menos apontar soluções para os impactos causados pela cultura da convergência, apenas refletir sobre as mudanças que as tecnologias digitais e o progresso da internet promovem nas chamadas indústrias culturais midiáticas, antes representadas pelas indústrias hegemônicas do setor, que ditavam de maneira unilateral os seus bens culturais. Hoje, podemos ver tímidas, porém importantes transformações na configuração dessas indústrias culturais, graças à crescente popularização da internet e das tecnologias digitais, onde os bens culturais já não são mais impostos de “cima para baixo”, já que os mercados de nicho crescem cada vez mais
Mesmo que alguns estudiosos da Economia Política da Comunicação como Mattelart (2002), critiquem o modo utópico como as novas tecnologias são vistas, como promessas de um mundo mais democrático, não há como negar que a popularização dessas tecnologias tem promovido um maior poder de negociação aos consumidores comuns, já que agora passam a ter uma maior liberdade de escolha dos bens culturais que serão consumidos, tendo até a possibilidade de criar suas próprias indústrias culturais, o que poderiam ser grandes avanços para os cidadãos inseridos no sistema capitalista que segue sempre a lógica do lucro.
Percebendo isso, as grandes corporações têm buscado encontrar modelos de negócios que sejam capazes de manter certo domínio dos consumidores e sua margem de lucro elevada, ao mesmo tempo em que estimulam uma maior participação do consumidor, que tende a preferir os produtos para o qual é convidado a participar. A transmídia nasce como estratégia de atualização do mercado audiovisual, já que o fácil acesso à rede e a colaboração digital amadora possibilitaram a criação pelo mercado informal, caracterizando-se como um processo de citação aos produtos originais.
O processo transmidiático de produção de novas histórias é feito não apenas pela indústria, mas também pela participação do público. Segundo Manovich, os conteúdos digitais são múltiplos e espalhados pelas variadas mídias, estando à disposição dos participantes da Internet, o que acaba por gerar uma nova relação de participação das audiências também na produção e reconfiguração dos produtos. De acordo com Henry Jenkins, o “movimento transversal” de conteúdos através das mídias deve ser visto como enriquecedor do processo criativo, que visa não destruir, mas sim reconfigurar a cultura comercial.

* Náyady Karyze Oliveira Nunes Da Silva é mestranda em Imagem e Som pela UFSCar, Universidade Federal de São Carlos

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