O Preço do Amanha (Andrew Niccol, 2011)

Arthur Souza Lobo Guzzo*

Cartaz promocional de "O Preço do Amanha"

Já foi dito que, em obras de ficção científica sobre um futuro sombrio e distópico, não se está falando sobre o futuro, e sim sobre o presente. O Preço do Amanhã (in Time) nos mostra, como em tantos outros filmes de ficção científica, o futuro como um mundo arruinado onde o indivíduo é oprimido por forças obscuras, ocasionadas pelo progresso humano, que ao invés de trazer paz e prosperidade como se espera, permite que os avanços tecnológicos, científicos e econômicos da humanidade objetivem as piores iniquidades. Talvez possamos dizer que este tema é de grande interesse ao diretor neozelandês Andrew Niccol, sobretudo neste filme e no célebre Gattaca. Aqui, como lá, temos o protagonista como alguém segregado, à parte, em séria desvantagem em relação a seus pares, imerso em um cenário dantesco a ser superado / substituído pela vontade em vencer ou prevalecer. Funciona melhor em Gattaca, um filme que, devagar e assustadoramente, se aproxima da realidade à medida que o genoma humano é destrinchado por corporações que financiam o mapeamento genético com interesses nem sempre humanitários e altruístas. In Time, por seu turno, aponta os canhões na direção do capitalismo e na concentração de renda, fazendo-se valer do velho adágio popular de que “tempo é dinheiro” de uma forma grotescamente literal e inverossímil. Mas ainda assim válida, tanto na temática abordada quanto nas escolhas estéticas do filme.

Ocorre que a humanidade descobriu uma maneira de estacionar o envelhecimento, de modo que todos deixam de ficar velhos aos 25 anos e têm de “pagar” pelos anos seguintes que lhes restam. O tempo que resta a cada um é exibido em um relógio digital implantado no antebraço. Esse tempo também é usado como moeda e é transferível entre as pessoas. Uma passagem de ônibus custa X horas, e por aí vai. Quando se esgota, cessa também a vida da pessoa em questão. Logo no início já se tem o objetivo nefasto deste sistema de castas temporais, que visa equacionar o problema básico de se ter pessoas demais em um mundo onde a possibilidade de se viver para sempre é real. Os pobres lutam e trabalham arduamente para sobreviver mais um dia enquanto os ricos podem viver por séculos a fio caso assim desejem. O filme também mostra um apartheid claro e simples onde as cidades são divididas em zonas temporais para as quais o acesso é muito restrito, com pedágios caríssimos. As pessoas que vivem em zonas inferiores são achacadas com preços de artigos de necessidade básica que sobem sem aviso, etc. O jovem Will Salas (Justin Timberlake) é um desses proletários que é caçado pela polícia local (“guardiões temporais”) após receber uma grande quantidade de tempo de um ricaço e virar o principal suspeito do assassinato dele. No processo, por força das circunstâncias e por seu desejo de superar a sua condição, acaba se tornando um Robin Hood.

Justin Timberlake e Amanda Seyfried são os astros do novo filme de Andrew Niccol

Em se tratando da direção de arte, o filme acerta ao escolher um tom simples e ao mesmo tempo sombrio ao futuro, bastante parecido com os dias atuais, quase como se estivesse logo ali, dobrando a esquina. Sobretudo nas cenas que envolvem os “guetos” onde vivem os destituídos de tempo. A miséria e os tons mais frios estão ali, quase como algum subúrbio de hoje.

Em tempos de grave crise econômica, onde governos socorrem instituições financeiras com dinheiro do contribuinte enquanto os verdadeiros responsáveis passam impunes, nada mais óbvio e contundente do que um filme onde o tempo vital de cada um é dolorosamente concentrado na mão de poucos. A mais direta crítica passa por um cidadão que, riquíssimo, é dono de uma rede de financiamento de tempo a taxas extorsivas. É um fascinante personagem, a começar pelo fato de que se trata de um octagenário preso em um corpo de rapaz de 25 anos, muito bem interpretado por Vincent Kartheiser.  Trata-se, aliás, do que o filme melhor oferece em termos de atuação; pessoas jovens tendo que se comportar como velhos. Cillian Murphy, prolífico ator irlandês, faz um ótimo trabalho como o policial Raymond León. É possível sentir o peso dos anos sob as suas pálpebras, apesar da pouca idade. Timberlake poderia ter feito uma melhor contraposição a isto, já que seu personagem é genuinamente jovem, e poderia ter demonstrado mais vivacidade. Voltando ao personagem de Karthesier, este é diretamente responsável pela concentração de renda / tempo. Tira dinheiro dos mais pobres para engordar sua fortuna, passando-se por um mero prestador de serviço. E ainda tenta subornar uma autoridade, um dos tais guardiões, para seus propósitos particulares. É claro que tudo isso pode ser solenemente ignorado em prol de uma diversão escapista, algo que o filme também fornece. Mas é mais interessante pensá-lo sob o prisma dos sombrios tempos presentes – e não futuros – que dialogam com ele.

*Arthur Souza Lobo Guzzo é graduado em Comunicação Social pela PUC-Campinas e em Ciências Sociais pela Unicamp.

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