Introdução – Desejo realizado
O cinema enquanto ferramenta de entretenimento de massa evolui diante de um imaginário efetivo e veiculado, usando diversas referências de outros meios de entretenimento, como os quadrinhos, a televisão e a literatura. Associado ao imaginário da fantasia, o imaginário tecnológico também se torna híbrido com as novas tecnologias de produção efetivas da imagem.
Como fã de histórias em quadrinhos sobre heróis desde a infância, sempre imaginei como seria se o cinema construísse as imagens que minha mente representava através das leituras: os ângulos abertos, a sobreposição de imagens fora do quadrado delimitado dos quadrinhos, a expressão congelada da ação, os detalhes de cada movimento em planos impensáveis por qualquer câmera de cinema.
Hoje vejo atendido este desejo da infância por mestres de efeitos visuais, que diante de um grande desafio, criam a todo instante uma forma de visualizar a ação de uma maneira mais objetiva e que o espectador ainda não tinha visto, mas apenas imaginado.
Este artigo trata desta questão dentro da obra de Matrix[1], uma série de filmes que conta a história do futuro da humanidade, onde a máquina controla o homem e aprisiona sua mente em um universo virtual do qual ele não sabe que está preso e assim não deseja fugir. Alguns rebeldes descobrem esta farsa e travam uma luta em busca da liberdade, dentro e fora do universo virtual do computador. O filme Matrix (1999) foi um marco na construção de efeitos visuais que geraram forte impacto no modo como o cinema é produzido e mostrado nas telas.
O nosso foco não é mostrar o processo de construção da engenharia dos efeitos, pois isto é função dos teóricos da técnica cinematográfica. Minha parte é analisar a transformação do espaço diegético, modificado pela criação de determinado efeito visual e qual seu impacto na evolução dos estudos cinematográficos que discutem planos, movimentações de câmeras e análise da narrativa.
Anamorfose cronotópica e Matrix
Matrix enquanto uma produção de alto custo dos estúdios de Hollywood foi capaz de quebrar alguns “tabus” da indústria cinematográfica norte-americana. Entre eles o de creditarem a dois iniciantes em direção um orçamento de uma grande produção e com liberdade criativa fora do comum[2].
Outro ponto importante foi o experimentalismo de efeitos especiais com foco na criação por computador. O efeito “Bullet-time” ou “tempo de bala” (que veremos mais adiante em detalhes), usa uma união entre a técnica corporal dos atores, somada à técnica de produção de imagens em CG[3], efeitos especiais com miniaturas, animação tradicional e cenários grandiosos, reais e virtuais, tudo isto unificado à idéia básica de ver uma ação em diversos ângulos. Este efeito e outras características técnicas, envolvendo som e montagem, demoraram mais de quatro anos para serem desenvolvidos e rendeu ao filme quatro prêmios Oscar[4].
Mas qual o objetivo da criação deste efeito visual em Matrix? Será que é somente para enxergar um novo ângulo ou existe algum objetivo maior?
Para responder esta pergunta precisarei retroceder no tempo e relembrar algumas técnicas que ajudaram o cinema a crescer enquanto aparelho criador de ilusões.
O cinema é essencialmente uma criação que visa mostrar uma imagem em movimento. Com base nessa premissa evoluiu com diversos movimentos de câmera, como a panorâmica, o Traveling, o Zoom, etc. Na medida em que a visão espacial do homem se modificava e as tecnologias evoluíam, os movimentos eram criados e adaptados para garantir uma imagem em movimento mais realista e convincente.
Antes mesmo da existência do cinema, diversos pensadores e artistas buscavam dentro da exploração do espaço um maior entendimento do movimento corporal no espaço e no tempo e as possibilidades de representar este corpo em diversas artes expressivas, como a literatura, a pintura, etc. O doutor em comunicação Arlindo Machado, em seu ensaio “Anamorfoses cronotópicas ou a quarta dimensão da imagem”[5] mostra um pouco esta busca pela estética da representação do tempo dentro de uma imagem.
Ele começa explicando o que é anamorfose:
As técnicas básicas de anamorfose consistem num deslocamento do ponto de vista a partir da qual a imagem é visualizada, sem eliminar, entretanto, a posição anterior, decorrendo daí um desarranjo das relações perspectivas originais. Em outras palavras, a anamorfose nasce de uma duplicidade de pontos de vista na construção de uma imagem, como acontece no célebre crânio anamórfico de Os Embaixadores (1533) de Hans Holbein[6]
Para ilustrar um pouco a explicação, na figura 1 encontram-se as imagens citadas da pintura de Holbein.
Se olharmos a pintura de frente, com o ponto de vista normal de quem observa, veremos uma caveira deformada na parte inferior do quadro (figura 01). Se olharmos a mesma pintura, mas modificando nosso ponto de vista, nos colocando na lateral direita extrema e olharmos na perpendicular, veremos uma caveira sem deformação (detalhe da figura 1).
Machado continua sua explicação e associa a palavra “anamorfose” a palavra “cronotópica”, que deriva de uma teoria de Mikhail Bakhtin, lingüista russo, que se apoderou da teoria da relatividade e sua “indissolubilidade das categorias do tempo e do espaço”[7] para expressar a idéia de “materialização privilegiada do tempo no espaço”.
Segundo Machado, esta analise da “Anamorfose cronotópica” não pode ser feita em imagens seqüenciais, que simulam o movimento, como o cinema. Ele afirma que apenas um filme pode ser referenciado com este efeito, o filme experimental do artista polonês Zbigniew Rybczinski, chamado The Fourth Dimension (1988) (figura 2). Esta análise de Machado foi feita em 1993, quando o filme Matrix (1999) ainda não tinha sido produzido e, portanto, não houve na época nenhum outro filme que pudesse ser usado para comparação deste efeito.
Antes de afirmar que Matrix usa desta ilusão em seus efeitos visuais, vamos aprofundar mais um pouco o conhecimento sobre a busca da representação do tempo dentro de uma imagem, com a ajuda de Machado.
Ele parte da análise da fotografia como uma arte paradoxal à expressão de movimento, pois “a fotografia é normalmente encarada como um sistema significante de suspensão do tempo, de congelamento da imagem num instante mínimo e único”[8], mas por usar o instante como matéria prima de representação do tempo, consegue uma inscrição do tempo representada naquela fração do instante, que na verdade nunca é precisa, pois segundo a teoria matemática sobre intervalo, o mesmo pode ser divisível ao infinito.
Machado cita a fotografia célebre de Jacques-Henri Lartigue, durante o grande prêmio automobilístico da França em 1912 (figura 3).
Esta fotografia é referência de demonstração do tempo e da velocidade até hoje em dia, pois quando há um desenho animado ou história em quadrinhos que demonstra que o personagem está com pressa, geralmente existe essa deformação do objeto ou pessoa para mostrar que uma parte já está correndo e a outra ainda não alcançou a primeira, que está “atrasada”.
Machado demonstra que através do controle do obturador e da exposição fotográfica, diversos experimentos foram feitos e causaram a deformação que evidencia uma passagem do tempo na foto, constatando uma anamorfose cronotópica.
Ele cita dois exemplos para uma comparação da fotografia com o cinema, para um depoimento mais sensato do porque o cinema não consegue realizar uma anamorfose cronotópica. As figuras abaixo mostram o trabalho de Frederic Fontenoy (Figura 4) e do professor húngaro Andrew Davidhazy (figura 5).
Na foto de Fontenoy temos o tempo e o espaço captados em seu percurso, como diz Machado:
Aqui temos materializada a quintessência do cronotopo fotográfico: trata-se de captar já não mais aquele instante ideal em que o corpo tende ao repouso, mas o percurso mesmo desse corpo no espaço, quando ele evolui no tempo[9]
Davidhazy também usa dessa idéia de perpetuar o percurso pelo qual um corpo passa através do espaço e do tempo. Na foto em questão, existe uma captura do movimento em seus diversos momentos, mas com sobreposição de imagens e não com movimentos individuais separados por um instante, como ocorre no cinema.
Machado explica esta comparação do efeito visto em Fontenoy e Davidhazy com a arte cinematográfica:
Talvez seja útil observar aqui a enorme distância que separa as anamorfoses cronotópicas de Fontenoy e Davidhazy do efeito cinematográfico. Em primeiro lugar, salta à vista o fulminante processo de desintegração das figuras resultantes da anotação do tempo no quadro fotográfico: os efeitos particulares de dissolução dos corpos nas fotos de Fontenoy ou de dilatação das faces nos “retratos” de Davidhazy são a solução fotográfica ao problema da representação da dimensão temporal (da quarta dimensão einsteiniana) na imagem. Ao mesmo tempo, deve-se notar também que os gestos são reconstituídos na sua duração integral, com a conservação de todos os estágios intermediários ocupados pelos corpos em movimento e em perfeita continuidade, Poder-se-ia dizer que os corpos realizam no espaço o raccord do tempo, diferentemente do efeito cinematográfico, que seleciona a duração (e o movimento) em vários instantes separados e realiza, nesse sentido, uma espécie de elipse do tempo[10]
Vejamos agora se compararmos uma cena de Matrix com o que foi descrito acima e uma foto de Anton Giulio Bragaglia, fotógrafo futurista que propôs a fotodinâmica em 1911, com base nos estudos do fisiologista francês Étienne-Jules Marey.
Marey foi o precursor de todos os fotógrafos que utilizavam os estudos da anamorfose cronotópica, e influenciou inclusive a criação do cinema, quando em 1882 criou o fuzil fotográfico, um aparelho de decomposição do movimento, que seria a base para a construção da câmera cinematográfica. A diferença básica entre Marey e seus precursores, segundo Machado, era “das distintas fases do movimento aparecerem fundidas no mesmo suporte, dando como resultado uma espécie de gráfico do deslocamento do corpo no espaço-tempo”[11].
Segue então a comparação:
Na figura 6 o agente se desvia das balas e seu raccord é visível no decorrer da cena. Mesmo com a imagem paralisada neste fotograma, o “rastro” de seu movimento, semelhante à fotografia de Bragaglia (Figura 7) representa, portanto, uma anamorfose cronotópica, segundo Machado.
Comprovo assim, que Matrix possui o efeito de anamorfose cronotópica pelo uso do raccord em um mesmo plano, impresso em uma mesma imagem por justaposição de fotogramas, sem intervalos entre eles. Como se tivéssemos usado um obturador de câmera fotográfica mais lento, para que o movimento fosse gravado em todos os seus momentos durante determinado intervalo. É evidente que o cinema atual utiliza modernos recursos de edição e efeitos digitais para compor essa imagem e nossa descrição é apenas uma sintetização de um pensamento, com foco em atestar que esse efeito também é possível no cinema, contrariando, de certa forma, o que disse Arlindo Machado na época de seu ensaio.
Respondendo a questão formulada no início deste artigo, a importância desse efeito de múltiplas imagens sobrepostas é sua utilização para representar um movimento no espaço em cenas que a velocidade do personagem precisa ser exacerbada. Numa sociedade onde o tempo é tão caro e precioso, “ver” este tempo de forma concreta é de demasiada importância.
O cinema já usava alguns artifícios para representar esta alta velocidade na cena, muitas vezes usando a câmera lenta, que funciona ao contrário do senso comum. Quando temos uma imagem em câmera lenta imaginamos que foi feita para que nossos olhos captassem o objeto ou o corpo em movimento, pois ele esta representando algo em altíssima velocidade. Desta forma aprendemos por associação, que uma velocidade lenta, quando o personagem está correndo, demonstra que ele corre em alta velocidade.
No caso do efeito de anamorfose cronotópica, o próprio tempo aparece na imagem, sem uma ilusão do olho humano para funcionar. O tempo está presente, pois podemos “ver” o passado da imagem em questão, que na verdade, são seus “rastros” deixados para trás.
Veremos a seguir um pouco mais sobre a construção da imagem para visualização do tempo dentro de um espaço, através do chamado efeito “Bullet-time”.
Bullet-time: imersão digital no cinema
O filme Matrix revolucionou o cinema contemporâneo pela forma com o qual construiu seu modelo de apresentação dos efeitos visuais em camadas. No meu entendimento, ele sintetizou e aprofundou diversos recursos técnicos e de edição da imagem que já existiam e reformulou o modo como uma cena e seus detalhes são mostrados.
Nossa preocupação, como foi dito anteriormente, é mostrar a importância da exploração do espaço e do tempo na análise fílmica de Matrix. Os efeitos visuais são a matéria prima destas imagens e precisam de um grau de aprofundamento teórico, mas também técnico, sem perder o foco na construção do espaço dentro do filme.
Segundo a jornalista cientifica Margaret Wertheim, a importância do espaço foi sendo alcançada na medida em que o homem materializava este espaço na sua realidade cotidiana. Assim nasceram os estudos dos astros, da física moderna e da física quântica. Esse estudo também mostrou a importância atual da criação do ciberespaço. O espaço interno e quase infinito da virtualização dos bens materiais e de consumo da humanidade faz do ciberespaço a nova “vedete” dos meios acadêmicos e tira um pouco o foco do estudo dos espaços externos, para nos interiorizarmos em outro espaço, o virtual.
Parece uma espécie de retorno aos espaços da alma da época de Dante, onde o ser humano pode entrar com seu “avatar”, como de certa maneira Dante fez na divina comédia, uma ilustração de uma viagem virtual aos confins do céu e do inferno.
Wertheim nos ajuda nesse entendimento quando compara o ciberespaço ao surgimento do espaço do purgatório no Concílio de Lyon, em 1274. Diz ela:
Esse devir do Purgatório é um caso raro em que podemos ver a emergência de um novo espaço do ser. Como tal, tem importantes paralelos com a criação do ciberespaço hoje, sendo por isto fascinante ver como esse novo espaço medieval surgiu[12]
A criação de um novo espaço, o purgatório, atendeu na época o desejo de um abrandamento dos pecados cometidos. A equivalência com a criação do ciberespaço pode parecer estranha, mas é perfeitamente aceitável se percebermos a necessidade de retornar para dentro do homem, através da própria representação dos seus espaços, mesmo que virtuais. Os homens da idade média não tinham internet, mas tinham uma idéia de mundo virtual religioso, no qual iriam se integrar após a morte. O ciberespaço seria então o equivalente ao “pós-mundo” medieval, mas sem a necessidade de morrermos para haver esta integração.
Usando esta referência, podemos também associá-la aos mundos virtuais do cinema e as criações virtuais cibernéticas do dia-a-dia. Daí sim, temos material para discorrer sobre a importância da construção de um espaço controlado para libertar a imaginação dos criadores da “sétima arte”.
Para mergulharmos neste universo virtual construído no cinema, com inspiração ciberespacial, estudarei o efeito Bullet-time criado em Matrix. Ele é a criação deste espaço cinematográfico com o objetivo principal de enfatizar a dramaticidade de uma cena, destacando seu ponto mais importante.
Mas o que é na tela do cinema o efeito Bullet-time ou “Tempo de Bala”? Este efeito aparece em quatro seqüências do filme Matrix (1999) e em inúmeras outras vezes nas seqüências da série Matrix. Abaixo, a mais célebre cena deste efeito, quando Neo se desvia das balas disparadas pelo Agente (figura 8).
O efeito consiste numa câmera que circula em velocidade normal ao redor da cena de ação, que se passa em câmera lenta. As balas se movem devagar mostrando seu “rastro” no espaço. Essa é a razão do nome “tempo de bala”. As balas seguiriam dentro da lógica do efeito da anamorfose cronotópica vista neste artigo.
Segundo o documentário Matrix Revisited (2001), o efeito nasceu da necessidade de representar os quadrinhos, com seus movimentos congelados e visão em diversos ângulos.
Existe uma construção da imagem final através da somatória de camadas distintas, cada uma com uma técnica própria, tanto no mundo real quanto no virtual. O efeito é uma construção do mundo paralelo “real” dos cenários feitos pelos diretores artísticos com o mundo paralelo virtual, dos animadores e diretores de efeitos visuais, que constroem os mundos virtuais com base nos “mundos reais”.
São vários processos paralelos que juntos dão a idéia do efeito visual, deixando uma maior dramaticidade na cena e uma exploração diferente do universo virtual. Vejamos a cena que iremos analisar, desconstruindo a imagem e entendendo o efeito visual. A figura 9 mostra a cena onde Neo luta pela primeira vez com o agente Smith dentro da estação de metrô, após salvar seu amigo Morpheus dos inimigos.
Posso relacionar o efeito com a construção de quatro camadas distintas. A primeira são os atores que treinam artes marciais, para dar maior realismo à cena[13]. Na figura 10 os atores estão pendurados em cabos, encenando em fundo verde para depois ser aplicado um processo de chroma-key[14], que substitui o fundo verde por qualquer imagem digital preparada, que no caso será a estação de metrô. Em torno deles 120 câmeras fotográficas digitais e duas câmeras cinematográficas. As câmeras fotográficas capturam cada ângulo da ação, enquanto as duas câmeras de cinema capturam o começo e o fim da ação (figura 11).
A segunda camada do efeito é a fotografia dos cenários reais e a construção dos mesmos em espaço virtual, como na figura 12 e 13.
A terceira camada é a inserção de elementos digitais na cena, para moldar os movimentos dos objetos que irão contracenar com os atores reais, como as balas, ou as explosões, etc, que serão posteriormente inseridos em chroma-key (figura 14).
A quarta camada é a união das imagens do chroma-key, com os atores reais, junto às imagens virtuais computadorizadas, somadas às animações, finalizando a edição com sons e trilha sonora.
Kim Librari, supervisor de efeitos visuais do filme, comenta sobre a construção da imagem virtual no filme:
Usar elementos convencionais da fotografia sejam fotos, filmagens ou fotografia de alta definição e manipulá-los no computador para mudar seu objetivo e formato, para vê-los em ângulos e velocidades diferentes. É uma digitalização do mundo real que nos permite ter uma câmera virtual voando em qualquer parte da cena[15]
A construção do filme Matrix é uma reverência ao seu próprio enredo, pois insere pessoas reais em ambientes virtuais construídos pela máquina. Existe de certo modo uma imersão completa das imagens normais de um filme dentro do mundo virtual do computador. A este novo conceito com todas estas camadas e a construção de um mundo virtual completo, inclusive com câmeras virtuais dá-se o nome de cinematografia virtual ou cinema virtual[16].
Além de criar este ambiente virtual e inserir nele o mundo real, os criadores da arte visual estão dando um salto maior ainda. Eles usam dois efeitos de captura da imagem dos atores para dar maior realismo às cenas de ação.
Seria outra camada para algumas cenas, mesmo que não tenha o efeito Bullet. São chamadas de Motion Capture e Universal capture[17].
O Motion Capture se trata da captura dos movimentos dos atores para dar maior realismo à animação digital. Pelo uso de roupas especiais com sensores nos pontos das articulações dos membros, eles captam a imagem e as colocam na animação, facilitando o trabalho de animadores e artistas virtuais (figura 15 e 16).
O Universal Capture é a captura apenas nas expressões faciais dos atores, para moldá-las no “avatar” digital que vai ser produzido com a aparência do ator (figuras 17 e 18).
Assim vejo que Matrix constrói sua própria “Matriz”, complexa e virtual, com seus atores reais dando movimento, expressão e legitimidade aos atores virtuais, fazendo a verossimilhança ser cada vez maior com os filmes que não usam a cinematografia virtual. Uma gigantesca mistura de processos, analógicos e digitais que compõe um filme caro e de distribuição mundial. Será este o futuro do cinema? Cada vez mais existe a busca de liberdade de criação dos produtores, sendo o mundo virtual um local perfeito para esta criação, como diz John Gaeta:
O cinema em geral tem esta nova ferramenta [cinematografia virtual] que permite a diretores, roteiristas e diretores de fotografia transcender todas as fronteiras físicas que encontramos filmando aqui, no mundo real[18]
A representação do espaço esta cada vez mais internalizada no ciberespaço do virtual. Houve uma retração dos anseios de pesquisa no espaço sideral e um retorno aos espaços “particulares” no ciberespaço. Matrix está dentro do contexto de construção destes pequenos espaços do virtual, com processos e técnicas que permitem digitalizar cada vez mais nosso espaço real, mas sempre com muito trabalho “real” e analógico em conjunto, pois afinal de contas o ser humano é essencialmente um organismo perfeito e analógico, mas com grande potencial de “virtualizar” o mundo real em sua mente.
Referências Bibliográficas:
FELINTO, Erick. A religião das máquinas: ensaios sobre o imaginário das ciberculturas. Porto Alegre: Sulina, 2005.
FELLUGA, Matrix paradigma do pós-modernismo ou pretensão intelectual? Em YEFFETH, Glenn (Org.). A Pílula Vermelha. São Paulo: Publifolha, 2003.
MACHADO, Arlindo. Anamorfoses Cronotópicas ou a quarta dimensão da imagem. Em PARENTE, André (org.). A Imagem Máquina. Rio de Janeiro: Editora 34, 1993.
PARENTE, André (org.). Imagem-máquina: A era das tecnologias do virtual. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1993.
WERTHEIM, Margaret. Uma história do espaço de Dante a Internet. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.
Filmografia
CHUNG, Peter. JONES,Andy. KAWAJIRI, Yoshiaki. KOIKE, Takeshi. MAEDA, Mahiro. MORIMOTO,Koji. WATANABE, Shinichirô. Animatrix. EUA, Warner Bros, 2003, 102 min.
ORECK, Josh. Matrix Revisited. EUA, Warner Bros, 2001, 123 min.
WACHOWSKI. Os irmãos. Matrix. EUA, Warner Bros, 1999, 136 min.
_____________________. Matrix Reloaded. EUA, Warner Bros, 2003, 138 min.
_____________________. Matrix Revolutions. EUA, Warner Bros, 2003, 129 min.
[1] A obra é constituída pelos seguintes filmes: Matrix (1999), Matrix Reloaded (2003), Matrix Revolutions (2003), Animatrix (2003) e o documentário Matrix Revisited (2001). Além dos filmes temos os DVD´s extras onde diversas citações de membros da equipe técnica foram analisadas.
[2] Estas considerações foram feitas pelos próprios integrantes da equipe e pelos produtores no documentário Matrix Revisited (2001).
[3] Termo usado para descrever Computação Gráfica.
[4] Oscar de 2000 nas categorias: Melhor Edição, Melhor efeitos sonoros, Melhor efeitos visuais e Melhor som.
[5] MACHADO, Arlindo. Anamorfoses Cronotópicas ou a quarta dimensão da imagem. Em PARENTE, André (org.). A Imagem Máquina. Rio de Janeiro: Editora 34, 1993, p. 100.
[6] Idem.
[7] Idem.
[8] Ibid, p. 103.
[9] Ibid., p. 104.
[10] Ibid., p. 105 e 106.
[11] Ibid., p. 107.
[12] WERTHEIM, Margaret. Uma história do espaço de Dante a Internet. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001, p. 51.
[13] Segundo Matrix Revisited, o filme utiliza pouquíssimos dublês profissionais e Keanu Reeves, Laurence Fishburne e Carrie-Anne Moss treinaram mais de um ano para se preparem para as cenas de luta, inclusive com as ajuda de uma equipe de professores de artes marciais de Hong Kong.
[14] Chroma-key é um efeito que usa um fundo verde ou azul no cenário para que a ação seja filmada com elementos que precisem ser destacados ou aglutinados a outros. Desta forma o computador, em tempo de edição, troca o fundo verde, por uma outra imagem qualquer, seja ela “real”, filmada em película em outro momento, ou “virtual”, construída pelo processo de CG.
[15] Comentário de Kim Librari nos extras do DVD Matrix Revolutions (2003).
[16] Esta definição foi feita por John Gaeta, supervisor de efeitos visuais da trilogia Matrix e o cérebro por trás da criação do efeito Bullet-time (nos extras do DVD Matrix Revolutions (2003)).
[17] Esta descrição está contida no DVD extra do filme Matrix Revolutions (2003).
[18] Comentário de John Gaeta nos extras do DVD Matrix Revolutions (2003).
Geraldo de Lima é Mestre em Comunicação Contemporânea pela Universidade Anhembi Morumbi, especialista em criação visual e multimídia pela Universidade São Judas Tadeu. Participa atualmente do grupo de pesquisa da UAM sobre o tema “O Sagrado e o Cinema”.
OBS: Este artigo é baseado em análises apresentadas na dissertação de mestrado intitulada “Mundo paralelo virtual no cinema: um estudo do espaço em “Matrix”” (Lima, 2009).