Gabriel Ribeiro*
O cinema Japonês, que outrora foi muito bem representado com diretores como os clássicos Kenji Mizoguchi, Akira Kurosawa e Yasujiro Ozu, assim como os mais modernos Nagisa Oshima, Hayao Miyazaki e Takeshi Kitano, encontra-se nos últimos anos com uma em carência de atenção perante o cenário do cinema internacional, principalmente se levarmos em consideração a atual consagração do cinema feito em outros países asiáticos como na China, Filipinas, Tailândia, entre outros. Os últimos destaques internacionais ao cinema japonês se deram na ocasião do Oscar de 2009, com a vitória de A Partida (Okuribito, 2009), o terceiro longa metragem do diretor Yokiro Takita, e a celebração da crítica às animações de Hayao Miyazaki, como A Viajem de Chihiro (Sen to Chihiro no Kamikakushi, 2001), O Castelo Animado (Hauru no Ugoku Shiro , 2004) e Ponyo à Beira do Mar (Gake no ue no Ponyo, 2009). De resto, o que vemos é o retrato do que a indústria do entretenimento Japonês demanda, ou seja, uma série de filmes ocidentalizados com pouco das características culturais mais tradicionais, que, quando presentes, tornam os filmes épicos de artes marciais ou de fantasia. Contudo, não necessariamente neste meio só existam filmes de qualidade duvidavel, o exemplo disso é o ultimo filme do diretor Tetsuya Nakashima, reconhecido no Japão por seus filmes que abusam da cultura pop do país de uma maneira inovadora e com uma violência estética semelhante a Tarantino. Confissões (Kokuhaku, 2010) é um filme surpreendente que, assim como Lula – O Filho do Brasil de Fabio Barreto, foi selecionado em seu país para ir para o Oscar na categoria de Melhor Filme Estrangeiro, no Oscar de 2011, porém não foi escolhido pela academia para concorrer. Uma pena, pois, diferente de Lula, Confissões talvez tivesse condições de levar o prêmio. Talvez é a palavra certa, pois, de fato, os filmes concorrentes eram todos muito fortes. Mesmo que o conteúdo do filme pudesse de alguma forma não se equipar aos outros, em sua forma e enredo ele estava dentro da disputa.
Confissões é um thriller, um suspense tecido através – como sugere o nome do filme – de confissões feitas pelos personagens que pouco a pouco vão nos dando as informações necessárias para entendermos o que, de fato, está acontecendo. A história principal é apresentada em uma surpreendente seqüência inicial que relata a confissão da professora de ginásio Yuko Moriguchi (Takako Matsu) explicando para seus alunos o porquê de estar se demitindo após aquela aula. Relata como seu marido Masayoshi Sakuramiya, um educador assim como ela, a influenciara e como a fez ver o valor da vida após constatar que estava com AIDS. Tendo isso em foco, conta que havia recentemente perdido sua filha e que, diferente do que todos acreditavam, sabia que ela havia sido assassinada por dois de seus alunos presentes naquela sala, os quais decide chamar de Estudante A e Estudante B. De maneira fria e quase didática, o que dá um teor mais tenso ao filme, somado ao contraponto do furor dos alunos que acompanham cada palavra da professora dando pulos das cadeiras e mandando mensagens de seus celulares, ela vai contando como havia descoberto a identidade dos dois, transformando de alguma maneira aquela confissão em um suspense onde seus alunos deveriam adivinhar quem eram os assassinos. Por fim, explica que no Japão, crianças como seus alunos não eram punidos pela lei quando cometiam erros tão graves como matar uma pessoa, ilustrando com o caso de uma garota que se auto intitulava Lunacy, que decidiu relatar por meio de um blog como iria matar seus pais através de envenenamento e que além de não ter sido presa, virou um ícone pop entre os jovens desajustados e astros do rock japonês; Portanto, ela, como educadora, deveria dar uma lição em seus alunos para que eles valorizem mais a vida, não só a dos outros mas também as próprias, terminando a seqüência com um laço de roteiro estarrecedor.
A partir daí novas confissões são expressas através do artifício constante da voz off das personagens, como de Moriguchi, do Estudante A, B e de uma das alunas do colégio que se relaciona com Estudante A, relatando o que ocorre depois (e antes) da confissão principal da professora. Esta voz off servirá de narrador para a história de maneira similar a alguns filmes baseados em obras literárias. Isso que de certa forma pode empobrecer o roteiro, como diria o teórico Robert McKee, é no fim das contas necessário para dar conta de uma grande quantidade de informação que será importante para trama, logo, é necessário não deixar de prestar atenção em nada, pois tudo se amarra até o fim da história. Fator este que não tem nada de inovador, mas que é exposto no filme de maneira muito interessante levando em consideração o número elevado de reviravoltas que acontecem no enredo. Neste ponto o roteiro de Tetsuya, em conjunto com Kanae Minato, se supera, nos hipnotizando a cada ponto de virada da história, que são tão ou mais impactantes do que o do fim da primeira seqüência.
O filme, contudo, possui outros atributos que poderiam ter chamado atenção da Academia. Tetsuya prende a parte considerável da trama da primeira seqüência dentro da sala de aula, com exceção de algumas memórias e de uma ação paralela ilustrativa, tendo então que se desdobrar para produzir planos que não sejam excessivamente repetitivos. Com o auxílio do editor Yoshiyuki Koike, ele constrói uma seqüência arrebatadora que se utiliza de planos próximos das feições dos alunos, telas de celulares, planos gerais da sala e conjuntos da professora em um ritmo que vai acompanhando o desenrolar da história relatada por ela. Nas outras seqüências constrói com primor quadros fortes em conjunção com seu conteúdo na história, como o Bulling praticado pelos alunos em cima do Estudante A após descobrirem sua identidade, ou nas câmeras lentas durante o assassinato da filha de Moriguchi, quando o Estudante B lança-a dentro de uma piscina. A utilização da câmera lenta, ou o tão aclamado slow motion, se tornou, assim como o Plano Seqüência e o Split Screen (divisão de telas), em um atributo quase diegético, uma nova moda, desde a cena antológica do desvio de balas de Neo em Matrix (Matrix,1999), entre os cineastas que passaram a utilizar as novas tecnologias cinematográficas das câmeras de alta definição. Digo diegética, pois, diferente do que possamos pensar, o objetivo final, além de estético, é também de impacto que a cena terá sobre o espectador. Em uma das últimas cenas vemos com detalhes a explosão de um prédio, com direito a um corpo se desintegrando em chamas em meio a uma lágrima que cai, um tipo de violência de imagem que, levando em consideração o seu contexto na história, é justificada. E mais: foi pensada para ser daquela forma. É a tecnologia ajudando na busca de novas maneiras de se contar uma história. Fora isso, a trilha sonora é bem utilizada, porém cheia de lugares comuns, escolhendo Radiohead com a maravilhosa B-side Last Flowers to the Hospital, como uma das trilhas principais, mostrando ser verdadeira opinião do colunista Sérgio Martins* quando disse que as músicas da banda britânica são a principal resposta para momentos depressivos no cinema atual.
Confissões é mais um filme de entretenimento do que de arte, por assim dizer. Sua história está montada para não desprendermos os olhos da tela, contudo, mesmo que sem querer, o filme mostra um retrato de como uma nova geração de japoneses veem sua cultura e sociedade nos tempos de hoje, pautada por valores antigos, mas deturpados por uma modernidade artificial. De fato este é um filme surpreendente, que poderia ter dado o que falar no Oscar e tentado colocar novamente o Japão em evidência no mercado cinematográfico internacional.
*Sérgio Martins em “Um ziriguidum bem esquisito” na coluna musical da Revista Veja edição 2206 – ano 4 – nº 9 de 2 de março de 2011
*Gabriel Ribeiro é graduando em Imagem e Som pela Universidade de São Carlos.