O Vencedor (David O. Russell, 2010)

Arthur Souza Lobo Guzzo *

Cena do filme "O Vencedor"

É possível que a sensação que se tenha após acompanhar este ‘O Vencedor’ seja a de que o filme já foi visto anteriormente. Não pelo escopo do drama ligado ao boxe, tão bem explorado em outros exemplares como Touro Indomável, por exemplo, nem mesmo pelas lutas. Mas sim pela fiel representação do sonho americano – alguém que atinge o sucesso e a felicidade vindo do nada. Por quê? Porque é um tema recorrente na cultura norte americana, particularmente na cultura fílmica, mostrado de várias maneiras e sob diversas óticas, e mais do que estabelecido. É claro que a originalidade também tem sua quota. Aqui, os resultados são atingidos de um modo tão eficiente como poucos cineastas foram capazes de fazer. Fazendo o possível para prezar o realismo, o diretor Russell consegue expor com firmeza duas trajetórias distintas, ainda que unidas nesse mesmo “sonho”, o de triunfar sobre condições adversas.

As duas trajetórias em questão são de Micky Ward (Mark Wahlberg), um lutador de boxe não exatamente bem-sucedido, e seu irmão Dicky Eklund (Christian Bale), ex-lutador de boxe e viciado em crack. Micky deixou de ser uma promessa há tempos e sobrevive com bicos em um cenário de classe trabalhadora do estado de Massachusetts. O cenário é desolador; uma daquelas cidades americanas que já viveram áureos tempos, mas sucumbiram diante do esfacelamento do meio industrial que as sustentava. Dicky apenas sobrevive, alimentando delírios de que um dia voltará a ser o boxeador que tem como maior glória ter supostamente derrubado Sugar Ray Leonard. Em torno de Micky e Dick, temos Charlene (Amy Adams), também uma ex-atleta universitária que abandonou a faculdade e se tornou garçonete em um bar decrépito. A família de Micky é disfuncional, sendo capitaneada pela mãe Alice (Melissa Leo), que pretende empresariar Micky e cuidar de sua carreira, mas é um fracasso retumbante a cada nova tentativa.

Cena do filme “O Vencedor”

Em suma, trata-se de uma ciranda de perdedores dos quais não é possível esperar muito, especialmente no caso de Dicky. É nesse contexto que a superação vai se instalar. Cada uma dessas pessoas tem seus próprios demônios a enfrentar, portanto não é difícil escolher algum deles, identificar-se com um, ou talvez com todos. Daí a facilidade com que o filme desenvolve empatia com o público. E, é claro, o trabalho dos atores tem um grande peso nessa empatia. Principalmente Christian Bale e Melissa Leo. Bale está praticamente imerso em seu personagem, Dicky Eklund, na magreza cadavérica e nos modos. Leo compõe Alice Ward de forma absolutamente intensa e genuína em suas fraquezas e potencialidades como a mãe de um lar desfeito.

Outro ponto relevante a ser destacado é a relação da ficção com o documental. Existe aqui algo a ser notado. O documentário que está sendo feito sobre Dicky é um ponto chave na trama. É um documentário ficcionalizado, uma ficção sobre um documentário real, feito sobre Dicky para a HBO americana e sobre outros viciados em drogas de Lowell. É uma fronteira um pouco enevoada, em um exercício de metalinguagem que não se vê todo dia. Ou talvez apenas uma tentativa de tornar a história mais crível. Para todos os fins, a opção pelo “real”, ou “documental”, também é sentida esteticamente no filme. Um bom exemplo é a cena de abertura, muito bem construída, a mostrar os dois irmãos interagindo com a câmera. O personagem Mickey O’Keefe é interpretado por… Mickey O’Keefe, o próprio policial veterano que treinou Micky Ward fora das telas, e é empolgante constatar que o simpático senhor entrega uma atuação exemplar de si mesmo. Sugar Ray Leonard, o verdadeiro, também aparece em carne e osso.

Cena do filme “O Vencedor”

Além disso, os realizadores deste filme fazem um bom trabalho também ao apresentar um efeito “gasto” à toda a produção. A fotografia, figurinos e até mesmo os penteados dos atores têm algo de opaco, de obsoleto. É bem verdade que é difícil encontrar cores vivas nos enquadramentos. Ou seja, é como se tudo – a direção de arte, o roteiro, os temas – construísse um horizonte sem vida. E quando a centelha de vida aparece – e, é claro, ela aparece, pois estamos lidando com uma obra de superação, de vencer distâncias e obstáculos – ela é de tal forma destacada por este panorama sombrio que fica impossível não se envolver, não torcer por Micky e Dicky, não desejar que ele derrube seu oponente da forma mais gloriosa possível. Mesmo que isto seja um clímax mais do que esperado (a luta final). E mesmo que já tenhamos visto tal clímax anteriormente – em Rocky, Karate Kid, etc. Isto pressupõe uma boa dose de competência por parte das pessoas que fizeram o filme.

*Arthur Souza Lobo Guzzo é graduado em Comunicação Social pela PUC-Campinas e em Ciências Sociais pela Unicamp

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