CRÍTICA | ABC da Greve (1979), Leon Hirszman

Por: Nycolle Barbosa

Redação RUA

Os planos iniciais de “ABC da Greve” mostram uma fábrica vazia. A fábrica não é apenas o local de trabalho dos protagonistas, mas também o epicentro das tensões e conflitos que impulsionam o movimento grevista. Hirszman estabelece a base física e emocional da história, apresentando o cenário onde as demandas por melhores condições de trabalho e salários justos se materializam. A fábrica vazia focando apenas nos materiais produzidos como ponto de partida ressalta a importância da classe trabalhadora e sua centralidade na luta e no filme. “ABC da Greve” acompanha a trajetória de 150 mil metalúrgicos que, em pleno governo militar, optaram pela greve, o documentário revela a resposta severa dos militares, que intervêm no sindicato da categoria com um contingente policial tão grande de repressão que, sem espaço para realizar suas assembleias, os trabalhadores encontram apoio na igreja católica e, após 45 dias, patrões e empregados chegam a um acordo. Contudo, o movimento sindical foi irrevogavelmente transformado.

FIGURAS 1 E 2 – ABC DA GREVE – PLANOS INICIAIS

A montagem cuidadosa e provocativa do filme é outra de suas grandes qualidades. Construída sobre uma abordagem dialética, ela confronta imagens e conteúdos de maneira instigante, revelando as nuances e contradições da realidade social da época. Inspirado nas reflexões de Benjamin (2012) sobre a natureza das massas proletárias e sua relação com o poder, o filme de Hirszman desafia as convenções ao apresentar não uma massa compacta e controlada, mas sim uma multidão heterogênea e caótica após as assembleias. Essa abordagem rompe com a estetização da vida política e oferece uma visão autêntica e multifacetada dos eventos. Cada cena é selecionada e articulada com precisão para transmitir não apenas os fatos, mas também as emoções e os dilemas morais enfrentados pelos protagonistas. 

             

  FIGURAS 3 E 4 – JUSTAPOSIÇÃO MULTIDÃO E INDIVIDUAL

Filmado em 16mm, torna-se um registro crucial daquele movimento popular que antecedeu a anistia política e a redemocratização do país. A técnica cinematográfica utilizada em “ABC da Greve” não apenas registra os acontecimentos, mas os transforma em uma narrativa visual envolvente e dinâmica. Ao contrário do modelo propagandista (e nazista) de “O Triunfo da Vontade”, o filme de Hirszman mostra a realidade crua da luta dos trabalhadores, destacando suas demandas e aspirações de forma autêntica. A montagem, por sua vez, permite uma análise crítica da relação entre indivíduo e massa, revelando as complexidades da solidariedade e da ação política. 

A interação entre cinema e tecnologia é fundamental em “ABC da Greve”, permitindo não apenas o registro, mas também a participação ativa na transformação do real. Essa dinâmica ecoa as recentes manifestações sociais, como as greves estudantis nas universidades, onde a tecnologia desempenha um papel central na mobilização e na disseminação de informações. Assim como no filme, as imagens dessas greves capturam a diversidade e a energia dos participantes, desafiando narrativas simplistas e estereotipadas. 

“ABC da Greve” é além de um registro histórico, uma análise do movimento sindical brasileiro nos anos 1970, captando sua essência com honestidade e coragem através da sua montagem. Dirigido por Leon Hirszman, o filme mergulha nas greves que agitaram o ABC paulista, oferecendo um retrato acurado e multifacetado de um período crucial na história do país. O documentário retrata a mobilização para as primeiras greves no Brasil desde a implementação do AI-5, destacando a luta dos operários metalúrgicos das grandes fábricas automobilísticas e multinacionais por melhores salários e condições de vida. Em suma, é um testemunho poderoso da luta dos trabalhadores por justiça e dignidade, oferecendo uma visão crítica e reflexiva sobre o papel do cinema como ferramenta de transformação social. Ao destacar a complexidade das massas proletárias e sua capacidade de ação consciente, o filme de Hirszman ressoa ainda hoje como um lembrete do poder da solidariedade e da luta coletiva.

REFERÊNCIAS:

Abc da greve. Leon Hirszman. Brasil, 1979, 85 min., son., cor. 

BENJAMIN, W. “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica”. In: DUARTE, R. (org.). O Belo autônomo: textos clássicos de estética. 2ª ed. Belo Horizonte: Autêntica; Crisálida, 2012, p. 277-314. 

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