CRÍTICA | Dias Perfeitos (2023), Wim Wenders

Por: Arthur Matsubara

O novo filme do famoso diretor alemão Wim Wenders conquistou uma indicação ao oscar na categoria de melhor filme internacional, vencendo uma acirrada competição no comitê japonês com outras duas obras, O Menino e a Garça (2023) e Godzilla Minus One (2023). O filme consiste, basicamente, na rotina simples de Hirayama, interpretado por Koji Yakusho, que, contente com a sua simplicidade, trabalha limpando banheiros públicos, explorando seus hobbies como a música e a literatura nos momentos fora de seu expediente. 

O longa não sai dessa rotina, e justamente por essa simplicidade da vida do protagonista que o seu personagem se desenvolve de forma complexa, fazendo de tudo para conseguir se manter no mesmo cotidiano. Em uma primeira análise, é visível que o diretor queria passar o sentimento de valorização das coisas simples da vida, colocando personagens próximos da realidade do espectador em situações comuns, para, a partir disso, tirar a poesia dessa simplicidade. 

Hirayama, mesmo trabalhando em lugares extremamente movimentados, passa a maioria de seus dias invisível ao mundo, e, quando alguém o percebe, o inferioriza pelo seu trabalho de faxineiro. Mesmo assim, o protagonista parece contente com sua vida, e de várias respostas mirabolantes que o Wim Wenders poderia dar para esse contentamento, ele opta por mostrar o impacto da arte na sociedade. Durante sua rotina, o protagonista cultiva bonsais, ouve música, tira fotos, aprecia o espaço e a arquitetura do seus locais de trabalho e lê livros, atribuindo o tempo necessário em seu dia para conseguir apreciar cada uma dessas manifestações artísticas.

Além disso, é interessante pensar como o espaço em que Hirayama vive afeta sua visão de mundo. O contraste criado pela simplicidade do personagem com os banheiros públicos altamente tecnológicos cria uma relação de dependência mútua dentro da narrativa, Hirayama, além de precisar dos banheiros para trabalhar, enxerga neles uma camuflagem, se escondendo da sociedade para continuar em sua metódica rotina. Já para os banheiros é necessário essa manutenção diária, já que dentro da sociedade aqueles banheiros são considerados, de certa forma, obras de arte, mesmo que a mudança social promovida por eles fiquem apenas em quem os utiliza, e não em quem os limpa.

A natureza também exerce uma relação especial com o Hirayama, diferentemente dos banheiros, aqui, não existe uma dependência, mas sim uma reciprocidade. Ele enxerga na natureza uma forma de auto-expressão, quase como se ele próprio se visse como uma árvore, que independente de tudo continua parada no mesmo lugar, mas de alguma forma, sempre diferente, como nas fotografias de Hirayama que, mesmo fotografando a mesma árvore, pelo movimento da copa, as fotos sempre saem diferentes uma das outras.

Nesse sentido, é visível que o diretor propõe uma visão diferente do mundo, e de como lidar tanto com sua rotina quanto com sua efemeridade da sociedade atual, porém, justamente a simplicidade do filme acaba o prendendo a uma visão de certa forma elitista e romantizada, se apropriando de uma visão estereotipada dessa simplicidade mística oriental, mesmo abordando uma sociedade de primeiro mundo extremamente consumista. De fato, para a narrativa que o filme propõe, se passar em uma cidade grande no Japão tem seus motivos narrativos, mas também é impossível transportar essa visão de mundo para países que não são desenvolvidos.

Mesmo assim, para aquilo que o filme se dispõe a ser, o trabalho é extremamente bem feito, a trilha sonora é pontual e impactante, a atuação do Koji Yakusho, mesmo com um personagem com poucas falas, conquista o espectador já nos primeiros minutos em cena, dando a base necessária para com que o filme consiga se desenvolver. 

Dias perfeitos é uma grande homenagem do Wim Wenders, não só ao cinema Yasujiro Ozu, mas também ao Japão como um todo, e talvez justamente por isso que a sua simplicidade acaba se prendendo em uma falsa complexidade, tal qual a de um olhar estranjeiro em uma sociedade diferente.

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