CRÍTICA | Priscilla (2023), Sofia Coppola

Helena Zoneti Rodrigues

Redação RUA

Priscilla Presley oferece mais que o simples título do filme. Baseado em seu livro biográfico Elvis and me (1985) e contando presença como produtora executiva, Priscilla (2023) convida o espectador a acompanhar a relação da protagonista, estrelada pela atuação fiel e profunda de Cailee Spaeny, com seu primeiro amor, Elvis Presley, interpretado por Jacob Elordi, performance em que astro e ator se confundem e se condensam. É com a companhia e presença da própria que a direção de Sofia Coppola nos solicita a prestigiar pelas sutilezas a relação “exponencial” do casal, ora crescente, ora decrescente, sustentada por um sonho que se torna ao longo do drama, desilusão. 

O filme alcança seu objetivo culminante ao expressar as especificidades da trajetória da garota/mulher/mãe Priscilla, aquilo que a torna quem é de maneira singular, independente de quantas mulheres trilharam experiências semelhantes. Sujeito desejante, é isto que sustenta seu sonho: o desejo de ser amada, o sonho de alcançar algo, talvez, um homem (ou príncipe). No início do longa, observamos a jovem Priscilla almejar o que muitas anseiam, um conto de fadas, sem saber (ainda) que este é condicionado pelo patriarcado. 

Quando Elvis Presley surge na infértil Alemanha, Priscilla vê “sua” fantasia “em carne e osso”, impacto da ordem do irreal, mágico. De certa maneira, para ele também; Priscilla lhe parece familiar, pois é norte-americana, é jovem e inocente, portanto, influenciável. Para o astro, ela é um objeto cômodo que o coloca numa zona de conforto até mesmo maternal, visto que lidava com o luto da mãe. Para Priscilla, após o encontro, todas as demandas do real (escola, família) se desvanecem e apenas ele existe: Elvis, no ápice do sucesso e fama, aparece como o objeto de amor perfeito da protagonista. O encontro de ambos é marcado pela estética onírica, fabulosa e fantástica; os detalhes da fotografia, figurinos, maquiagem e cenário permanecem com a tonalidade onírica ao longo do filme enquanto Priscilla visa realizar seu sonho. Se neste início do filme, para inocência de Priscilla, Elvis é o “Homem”, cavalheiro, cortês e delicado- o espectador ainda pode experimentar, além da nostalgia fantasiosa, certa pilhéria e teatralidade na figura do cantor: manipulador e auto-referenciado, inflado. Elvis é colocado, portanto, num lugar dual, quimérico.

O fado de Priscilla vai se tornando, conforme ela adquire maturidade e volta aos EUA, uma promessa frustrada da fábula negociada, comercializada. Memoráveis cenas de divertimento são colocadas em tela, mostrando a complexidade da relação. Mas não obstante, as cenas de violência e mascaramento/fingimento da relação vão ganhando mais espaço ao longo do filme, quando as tentativas de liberdade e autonomia na relação vão sendo privadas por Elvis, mais ainda quando se casam. Coppola agrega estes momentos de frustração vagarosamente, sutilmente, da maneira mais realista possível, a começar pelo abandono de Priscilla por Elvis. Esta temática não é novidade para Coppola. Em Lost in translation (2003), a diretora já tematiza crises e problemas matrimoniais. 

O jogo de poder do cantor é habilmente e sub-repticiamente construído em cena ao mostrar a ambiguidade contida em ações que aparentemente são de “cuidado”, mas por trás, domínio e influência. Por exemplo, para compensar sua ausência física e afetiva, dá a ela um cachorro de presente, que se torna seu companheiro, substituto do agora “rei” do rock. Os desejos da jovem vão se tornando ilegítimos, e no lugar de sensações prazerosas, ambos se satisfazem por meio de medicações. Outras cenas em que o espectador experiencia a autonomia de Priscilla ser reduzida é quando emerge na tela do cine jornais e revistas alegando relações amorosas do astro com famosas, enquanto que a maturidade sexual e corpo da protagonista era constantemente negado pelo parceiro, que não obstante, era um sex symbol da época. 

Assim, o personagem vai se mostrando impulsivo, autoritário e tarda até Priscilla ver quem a construiu: seu cabelo, visual e comportamento era subordinado e dominado por Elvis. Há semelhança aqui com o longa Maria Antonieta (2006), em que Coppola nos apresenta a existência de regras rígidas e etiquetas normativas para a mulher do século XVIII, sobretudo a própria rainha, reiterando o espaço de existência da mulher no matrimônio, mais amplamente, no patriarcado como aprisionante e contraditoriamente desejante, sedutor e manipulativo. Retornando a Priscilla (2023), outro elemento importante é a construção das cenas em que Priscilla reage e resiste a violência: há um caráter repressivo até mesmo em suas reações, sendo contido, tímido, podendo desagradar o espectador que esperava mais intensidade como resposta. 

Por fim, a “linha exponencial” da relação se torna cada vez mais decrescente até o momento final do filme, quando Priscilla toma consciência de que aquele que deve construir sua narrativa, seu ser e desejos é si mesma. Coppola finaliza o longa de maneira genial: com a separação do casal como escolha e desejo de Priscilla não por outro homem, mas para ter vida própria. Escolha difícil, não somente pela relação de abusiva dependência, mas também pelas memórias registradas e fantasias frustradas. Coppola insere Priscilla na última cena do longa de maneira simbólica: ela sai da mansão de Elvis e entra em seu carro para conduzir sua própria vida. 

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