Crítica | Bo Burnham: Inside (2021), de Bo Burnham

Por Maria Isabel

Bo Burnham, ator, diretor, músico, comediante e youtuber norte-americano, conhecido por seus stand ups como Make Happy (2016) e papéis em filmes como Bela Vingança (2020), lançou seu especial Inside na Netflix em 30 de maio de 2021. Por uma hora e meia, Burnham convida o espectador à sua rotina durante quase um ano e meio de confinamento, devido à pandemia do coronavírus. O longa-metragem todo se passa num estúdio pequeno no qual ele conviveu por esses meses, e busca tratar com humor as situações vividas durante tal momento, além de reflexões sobre a insaciedade do consumismo virtual, comentários políticos e os altos e baixos de sua saúde mental.

Inside é, em termos simples, dolorosamente intimista. Bo compartilha seus sentimentos de maneira tão crua e aberta, que é possível passar de risadas para lágrimas em segundos, e logo em seguida, de volta para as risadas. O especial se compromete a ser uma obra prima na medida em que transmite uma sinceridade tão explícita como cortante: o fluxo de criatividade e a sede por expressão artística foram, para Burnham, o ponto crucial de sustentação de sua sanidade durante o confinamento. Nesse ponto, é notável que a realização do projeto se mostrou como uma forma de escape importante num momento tão delicado, e a relação de Bo com a arte é tão devota quanto explosiva.

O especial é uma composição agridoce de canções cômicas e tristes, monólogos e desabafos. Escrito, filmado e editado dentro de um único lugar, Inside revela sua sublimidade nos detalhes e mostra ser, na verdade, uma produção grandiosa. O comediante não mede esforços e muito menos orçamento ao se utilizar de roupas espalhafatosas, jogo de luzes diferenciadas, equipamentos sofisticados de som e uma grande variedade de cenários. Bo convida quem assiste a uma diegese singular, muitas vezes tão reflexiva, que se assemelha com a própria mente daqueles que a assistem.

Recheado de referências, o longa atinge mais especificamente o público até os 30 anos. São citadas desde simulações de youtubers gamers e Logan Paul até Jeffrey Bezzos, Senhor dos Anéis, Deadpool, Steve Aoki etc. Aborda com acidez e melancolia essa geração imediatista e viciada em internet, incluindo a si mesmo sem impunidade. 

É interessante como através de suas músicas, Burnham transmite o exato sentimento do bombardeamento de informações a todo segundo e a imensa solidão que vem intrínseca a isso. Bo conversa com uma multidão de crianças crescidas viciadas em pornografia, testes do Buzzfeed e fast fashion. Bo é como um tradutor dos sentimentos confusos de uma geração nunca desconectada, e sempre insatisfeita.

Em adição a isso, Inside chega como uma montanha russa de suas emoções ao longo dos meses que se passaram de pandemia. Os momentos de choro e angústia são explícitos, assim como as crises de ansiedade e os episódios depressivos. Em mescla, há os instantes de esperança e vontade de viver, nos quais ele parece enxergar uma luz no fim do túnel, antes de se afundar mais uma vez em sua própria destrutibilidade. Longe de qualquer contato humano por tempo demais, e assistindo sozinho o espetáculo pandêmico que parou o mundo, Burnham outra vez transborda sentimentos tão identificáveis que beiram o desconforto.

Além disso, Inside apresenta ao público a visão política do mesmo sobre diversos assuntos, frisando a todo momento sua consciência sobre seus privilégios. Há a denúncia da dominação dos meios de comunicação por homens velhos, brancos e problemáticos, críticas sobre as grandes marcas se apossando de causas sociais para fins lucrativos, apropriação cultural, racismo, misoginia etc. Tudo isso embasado em trilhas sonoras controversamente animadas e uma ironia certeira daquelas que arrancam risos de incredulidade.

Inside se estratifica como uma das melhores produções de 2021, e uma carta de amor a todos aqueles que veem na arte um manifesto de sobrevivência. Inside é, e digo isso esperançosamente, o representativo do pioneirismo num novo tipo de comédia e drama musical, dos quais Bo desprendeu-se de quaisquer amarras na busca (e conquista) de algo maior, e muito mais significativo.

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