Uma análise do potencial social dos dramas adolescentes nas plataformas de streaming a partir da série Sex Education

Por: Ana Menezes

As chamadas plataformas de streaming (Netflix, Disney+, HBO Max, Globoplay, entre outras), por meio da modalidade de transmissão VOD (vídeo sob demanda) e mediante assinatura mensal, conquistaram seu espaço nas diversas mudanças que a era da Internet trouxe aos espectadores. Tendo seu início em 2007, quando a Netflix iniciou suas atividades nos EUA, tais serviços cresceram a ponto de alcançar 1,1 bilhão de assinaturas globais em 2020 (Silva, 2021), comprovando o alcance expressivo de seu mercado atual. Nesse sentido, ainda que possam apresentar produções realizadas por diversas empresas, seus catálogos têm sido cada vez mais recheados com conteúdos originais e exclusivos, ou seja, produzidos por investimentos das próprias plataformas.

Considerando esse alcance mundial de seus produtos, seus conteúdos são frequentemente idealizados visando agradar a diversos públicos, independentemente de suas nacionalidades, possuindo narrativas e gêneros universais, isto é, que apresentam possibilidade de engajamento de diferentes públicos, seja na extensão de um país , seja em extensão global. Tal apelo internacional confere a tais produções um potencial de impacto social além do entretenimento, principalmente quando possui uma população jovem como seu público alvo. Dentro dessa proposta, encontramos os chamados teen dramas (dramas adolescentes), modelo que possui enredos que apontam fortemente para a concretização desse efeito.

Mas, afinal, o que são os teen dramas?

Frequentemente explorado por produções seriadas, o gênero em questão apresenta narrativas focadas em personagens adolescentes e jovens adultos, examinando seus cotidianos escolares e familiares, suas vidas sociais, questionamentos, descobertas e outros temas típicos desta faixa etária. Seu surgimento se deu antes da criação e popularização das plataformas de streaming, tendo seu início reconhecido com o lançamento da série norte-americana da emissora FOX, Beverly Hills, 90210, (1990), criada por Darren Star (Wilks, 2019) que, devido ao seu sucesso, contribuiu para a criação de outras obras dessa temática. Com o início dos serviços de vídeo sob demanda, algumas dessas produções foram incluídas nos catálogos das plataformas e não tardou para tais empresas perceberem o potencial desse conteúdo e se aventurassem na elaboração de seus dramas adolescentes originais.

A respeito dos enredos do gênero, tendo elementos herdados das telenovelas, os dramas adolescentes estão sujeitos a apresentar narrativas vistas similarmente a de seus antecessores: fúteis e superficiais (Wilks, 2019). Assim, é possível observar, desde o princípio dessa categoria, roteiros que não necessariamente se preocupam em transportar para as telas o cotidiano dos jovens de forma verossímil, apresentando personagens majoritariamente de classe social prestigiada, aparências conforme o padrão de beleza e comportamentos cotidianos que não se assemelham à realidade do dia-a-dia dos adolescentes, ainda que, superficialmente, pintem situações comuns ao grupo.

Sem a intenção de negar que a produção de conteúdo audiovisual com foco principal no entretenimento é válida, visto que nem sempre é necessário às obras oferecer reflexões além do lazer, é interessante analisar como suas narrativas podem ser elaboradas de maneira diversificada, objetivando retratar temáticas mais delicadas referentes à adolescência. Nesse sentido, é imprudente ignorar como tais enredos podem surtir diversos tipos de influências para esse contingente.

Nem todo conteúdo que se propõe a isso o faz com sucesso, gerando desdobramentos negativos ao seu público; no entanto, é pertinente analisar o poder de impacto social positivo gerado pelos dramas adolescentes naquelas que os assistem, principalmente quando abordam temas sensíveis de maneira didática e aprofundada em suas narrativas. Um exemplo de produto audiovisual que exerceu seu potencial social com excelência, contribuindo para a qualidade de vida de seus espectadores, é a série original da Netflix, Sex Education (2019), criada por Leurie Nunn, que será desenvolvida adiante.

A trama de Sex Education gira em torno da decisão de seu protagonista Otis (Asa Butterfield) de abrir uma “clínica” de terapia sexual em sua escola, na companhia de sua amiga Maeve (Emma Mackey). A ideia de começar tal empreendimento surge quando Otis, sendo filho de uma terapeuta sexual, percebe que consegue ajudar seus colegas a solucionar suas dúvidas a respeito de assuntos relacionados à sexualidade e relacionamentos, que não são sanadas de maneira garantida no ambiente escolar ou familiar. Dentro dessa apresentação inusitada, os episódios apresentam diversas informações úteis para questionamentos comuns tanto dos personagens, quanto dos espectadores, propondo-se a ser, literalmente, uma fonte de educação sexual.

Ao refletir sobre a representação do adolescente na série, é explicado que houve uma preocupação em retratar os personagens de maneira verossímil, isto é, de forma que os espectadores de faixas etárias próximas se sintam representados na tela da TV. Um dos aspectos que torna isto tão evidente são os figurinos escolhidos, já que configuram roupas que ajudam a moldar a identidade de cada membro do elenco e são facilmente associáveis ​​aos jovens fora da ficção. Além disso, o comportamento meio desajeitado, levemente impulsivo e, por vezes, confuso dos adolescentes representados na série se assemelha muito aos observados na realidade, fato ainda mais evidente na retratação das experiências sexuais dos jovens, retratadas de maneira não idealizada. Tal produção de verossimilhança e proximidade com o público é de extrema importância, pois ao se identificarem com o determinado assunto abordado na série, os espectadores conseguirão se enxergar no lugar desses personagens, sentindo um maior acolhimento, visto que verão seus questionamentos apresentados, validados e, muitas vezes, sanados.

A série oferece voz para diversas identidades, apresentando personagens assexuais, não-binários, transsexuais e oferecendo respostas para questionamentos a respeito de relacionamentos não heterossexuais. Além da representatividade expressiva LGBTQIA+, Sex Education também trata de outros aspectos com maestria, como prevenção das Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), disfunções sexuais, abuso sexual, aborto (experienciado pela personagem Maeve ao interromper uma gravidez indesejada), entre outros tópicos considerados polêmicos relacionados ao sexual. Todos esses assuntos são retratados por meio de arcos narrativos, de maneira que cada um deles possa receber o desenvolvimento necessário em seu enredo para que informações a seu respeito sejam repassadas de forma didática e realista. Tudo isso contribui não apenas para a informação dos jovens, mas, também, para cultivar debates e reflexões sobre esses temas que, apesar de cruciais, são pouco discutidos de forma responsável no cotidiano.

Considerando que a série teve sua primeira temporada assistida por 40 milhões de contas ao redor do mundo, sem contar os acessos por meio de sites não oficiais (Porter apud Zurian et al. 2019-2020), bem como pelo programa ter sido dublado e legendado em mais de 30 idiomas, é garantido que um dos aspectos de valor social promovidos por Sex Education é a disseminação, graças ao alcance globalizado de sua plataforma, da igualdade e diversidade para países que nem sempre apresentam um ambiente político, sociocultural e até mesmo legislativo em concordância com tais valores. Além disso, tendo em vista que, no caso da juventude LGBTQIA+, conteúdos audiovisuais e fornecidos pela Internet são, em grande medida, necessários para aliviar a falta de educação sexual e informações a respeito de relacionamentos fora da heteronormatividade, independentemente dos ideais apresentados por suas nações, visto que o assunto é considerado um tabu e, por isso, não considerado de maneira abrangente nos núcleos familiares e escolares (Scarcelli apud Zurian et al.), fica evidente o papel informativo social que a série estaria cumprindo.

Sex Education não só possui grande potencial social, mas também exerce tal função com excelência. Ao incluir em seu enredo conteúdo informativo/educacional a respeito da sexualidade na adolescência, a série consegue unir o advento da TV globalizada ao fato de possuir um conteúdo considerado generalista, com tópicos universais, e pode ser agradável a diversas audiências, com um conteúdo que entretém e contribui para a divulgação de informação na sociedade.

O exemplo pontual de Sex Education apenas mostra o que é possível de ser alcançado por meio de diversos outros conteúdos audiovisuais dos teen dramas . A partir do momento em que sua proposta deixa de focar apenas na popularidade e se compromete a retratar de maneira responsável assuntos relacionados à adolescência que, são muitas vezes, marginalizados, o programa passa a possuir o potencial de sucesso para contribuir com a sociedade.

SILVA, Rebecca. Um ano depois do início da pandemia, plataformas de streaming contabilizam ganhos, Forbes, [s. 1.], 22 mar. 2021. Disponível em: https://forbes.com.br/forbes-money/2021/03/um-ano-depois-do-inicio-da-pandemia-platafor

mas-de-streaming-contabilizam-ganhos/. Acesso em: 28 abr. 2022.

WILKS , Lauren Elizabeth. Teens of Color on TV: Charting Shifts in Sensibility and Approaches to Portrayals of Black Characters in American Serialized Teen Dramas. 2019. 137 p. Tese (Mestrado em Artes) – The University of Texas at Austin, Texas, Austin, EUA,

2019. Disponível em: https://repositories.lib.utexas.edu/bitstream/handle/2152/78439/WILKS

-THESIS-2019.pdf?se

Zurian, F. A., García-Ramos, F. J. & Vázquez-Rodríguez, L. G. (2021). Transna-tional

Dissemination of Discourses on Non-normative Sexualities through Netflix: the Sex Education Case (2019-2020). Comunicación y Sociedad, e8041. https://doi.org/10.32870/cys.v2021.8041. Acesso em: 28 abt. 2022.

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