ENSAIO | The Rocky Horror Picture Show (1975), Jim Sharman

Por Victor Hugo Cruz Freire

Redação RUA

Falar sobre The Rocky Horror Picture Show sem antes localizá-lo no tempo e espaço é uma tarefa difícil, pois só assim se pode ter uma noção da importância da obra. Escrito originalmente como uma peça de teatro por O’Brien, que depois tornou-se co-roteirista e também interpretou o personagem Riff Raff, o filme é uma espécie de paródia de clichês do terror clássico que se mesclou com o musical e, principalmente, com a efervescência revolucionária britânica dos anos 1970 no que tangia à questões de gênero e sexualidade. 

As primeiras apresentações da peça se deram em teatros pequenos na cidade de Londres, mas The Rocky Horror Show (sem o “picture”, dado que ainda não fora adaptado ao cinema) foi lentamente encontrando o seu espaço e ganhando mais reconhecimento, movendo-se para teatros cada vez maiores e, eventualmente, indo também para território internacional, sendo exibida em Los Angeles, nos Estados Unidos.

Com o sucesso da peça, o filme foi produzido, mas o seu lançamento não poderia ter sido mais desastroso. Roger Ebert escreveu que “quando o filme foi lançado pela primeira vez em 1975, foi ignorado por praticamente todo mundo, incluindo os futuros fanáticos que eventualmente contariam as milhares de vezes que o viram” (1975, tradução nossa).

Ironicamente, as questões envolvendo o lançamento do filme parecem fazer sentido com a sua trama. Brad e Janet acabaram de oficializar o seu noivado, e decidem compartilhar a notícia com o seu professor do ensino médio, Dr. Scott. Entretanto, uma tempestade faz com que desviem do caminho e acabem buscando refúgio em um castelo estranho perto da estrada, cheio de pessoas exóticas e uma festa esquisita. O que o casal não esperava, porém, é a jornada que teriam ali: seriam expostos à alienígenas transsexuais, à um experimento científico maluco que tinha como objetivo criar um ser humano que servisse como um grande amante e à um grande drama intergalático sobre voltar ou não para casa.

Como espectadores, acompanhamos o filme contando também com as eventuais intervenções de um criminologista que está tentando compreender os acontecimentos daquela noite. Enquanto o conhecimento dele é limitado, o nosso não conhece barreiras: vemos tudo o que acontece.

O filme parece não se importar com a audiência, no sentido de se esforçar para tentar encontrar-se. Ele é muitas coisas: uma paródia, um musical, uma comédia, um terror. Parece compreensível que não tenha alcançado um público grande no seu lançamento. De uma forma bonita, quase poética, quando finalmente as pessoas que o compreenderam o viram, elas não pararam mais de ver. O filme ganhou o status de cult clássico. The Rocky Horror Picture parou de ser mais uma peça de teatro adaptada ao cinema, indo mais além, deixou de ser um filme e se tornou um movimento. O público não ia ver o filme, elas iam ver o filme umas com as outras. Assim começou o fenômeno. Os fãs criaram sessões especiais para exibir The Rocky Horror Picture Show, as pessoas iam fantasiadas, grupos começaram a responder os personagens na telona, entre outras coisas.

Mas porquê isso aconteceu? O que havia de especial na peça e no filme para terem se tornado tão importantes para as pessoas? A resposta é ao mesmo tempo simples e complicada: havia a representação de uma vida livre.

Brad e Janet começam como o seu típico casal heterossexual que está perdidamente apaixonado e encantado pela ideia do matrimônio — não há nada de errado nisso, mas essa já é uma história conhecida —. Quando eles entram no castelo, o filme já dá pistas que algo ali é diferente: as pessoas não agem como se normalmente esperaria. Mas é quando aparece pela primeira vez o Dr. Frank-N-Furter, brilhantemente interpretado por Tim Curry, que The Rocky Horror Picture Show se impõe. Frank-N-Furter é um alienígena transsexual, que vestindo um corset, se insere na trama cantando sobre a sua origem e gênero. Nesse momento o filme divide o espectador: ou você o entende e aproveita a experiência, ou reprova vigorosamente o que está aparecendo na tela.

A aparência chocante do Dr. Frank-N-Furter e de seus companheiros da Transilvânia não é a única coisa que moveu a audiência. Há muitas outras ações no filme que podem desconcertar uma alma sensível ou conservadora; como a corrupção e sedução de Brad e Janet, que entram no castelo de Frank-N-Furter como um casal inocente e ingênuo, mas saem tendo “provado o fruto proibido” — como colocado no filme — .

(Ásgeirdóttir, 2010, tradução nossa, p. 7).

Com a aparição do protagonista, agora os eventos do filme se escalam. Frank-N-Furter revela para Brad e Janet que está construindo Rocky, o “homem perfeito”, e que os convidados que o casal encontrou anteriormente vieram ali para presenciar o experimento. 

Frank então reúne todos em seu laboratório e inicia os procedimentos. No estilo clássico do terror, em uma óbvia referência à Frankenstein, ele começa a mexer em vários aparelhos e então, quando termina, Rocky ganha vida. Ao invés de ser um monstro, ele é um homem loiro e musculoso, que atrai os olhares de admiração de quase todos ao seu redor. 

A partir desse momento as redes de relação entre os personagens se misturam de maneira indefinida. Frank tem relações com quase todos, Janet tem relações com Rocky, e ainda é descoberto ainda um namorado de Columbia (uma assistente de Frank).

A grande questão trabalhada na história é a liberdade. Brad e Janet se desamarram dos conceitos aos quais eram tão apegados no começo do filme. Eles estabelecem laços com outras pessoas independentemente de seu gênero, ou do seu relacionamento, e há inclusive uma quebra da lógica cis no último terço, quando até mesmo Brad passa a utilizar um corset.

Retornando então para a pergunta original, The Rocky Horror Picture Show se tornou um cult clássico por representar uma parcela da sociedade que não conseguia se sentir representada em outros meios. É claro que o filme não foi o primeiro a ter personagens que fogem dos padrões de gênero e sexualidade, mas ele conseguiu envolver as pessoas de uma maneira muito especial.

Não é mais apenas ir ao cinema para ver o filme de novo e de novo. Criou-se um espaço seguro para as pessoas se expressarem. Os eventos, as tradições, as fantasias, tudo isso ajudou a criar um senso de comunidade envolta do longa. Não é à toa que, mesmo hoje, décadas depois de seu lançamento, na Inglaterra ainda há sessões regulares de exibição do filme. O seu impacto também é sentido em outras obras, como na exibição da peça em “As Vantagens de Ser Invisível” (2012).

É difícil saber como terminar esse ensaio. Há muito a ser dito ainda. Poderíamos escrever sobre as canções, sobre os vários easter-eggs, sobre as curiosidades acerca do elenco, mas tudo isso parece complicado de colocar em palavras em uma ordem lógica. Terminamos então com a sincera recomendação de ver o filme, independente das suas convicções ou de como você se entende nesse mundo.

REFERÊNCIAS:

ÁSGEIRSDÓTTIR, Hildur. Giving Yourself Over to Absolute Pleasure. A study on the cult of The Rocky Horror Picture Show. 2010. Tese de Doutorado.

EBERT, Roger. The Rocky Horror Picture Show. Chicago Sun-Times, Chicago, 1 janeiro 1975. Disponível em: https://www.rogerebert.com/reviews/the-rocky-horror-picture-show-1975. Acesso em: 15 jun 2025.

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