Mídia e Identidade – O homem comum e a Celebridade na TV

Monique Costa Gardingo Lacerda é Graduada em Comunicação Social – Jornalismo pelas Faculdades Integradas de Caratinga (2003). Tem Pós-graduação lato sensu em Administração e Marketing pelo Centro Universitário de Caratinga (2004) e Especialização em Gestão Estratégica – Comunicação, Marketing e Recursos Humanos, pelas Faculdade Doctum, numa parceria com a Fundação Getúlio Vargas (2007). Atualmente é professora das disciplinas técnicas de Publicidade e Relações Públicas no Curso de Administração de Empresas das Faculdades Integradas de Cataguases e sócio-gestora da empresa Mezzo Soluções em Comunicação (produtos e serviços de comunicação visual), da Agência Mezzo (jornalismo e Publicidade) e do Jornal Mezzo Empresarial, cujos trabalhos podem ser acessados no site www.mezzosolucoes.com.br e no blog www.mezzosolucoes.blogspot.com/ (Contato: monique@mezzosolucoes.com.br e midiaeopiniao.blogspot.com)

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Artigo baseado em produção feita para pesquisa de Iniciação Científica elaborada durante a graduação. O trabalho completo “Dramas do Cotidiano na programação Superpopular da TV aberta Brasileira” foi feito por Monique Gardingo, Morgana Garcia e André Castro, orientado por Carlos Alberto Ávila e apresentado em diversos congressos. Em 2002, venceu o INICIACOM Prêmio Vera Giangrande na INTERCOM em Salvador. O artigo o homem comum na TV foi trabalhado por Monique Gardingo e já foi reestruturado e atualizado em novas edições.
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A exibição de pessoas comuns como protagonistas, tomadas em seu ambiente privado ou expondo suas questões pessoais, compõem o quadro no qual se baseiam os “shows da realidade”. Desse modo, edifica-se,  assim, uma narrativa que coincide com a construção da identidade do “homem comum”.

Na década de 90, houve uma explosão do que chamamos de “programas superpopulares”, que foram assim denominamos por apresentarem muita audiência ao explorar a vida íntima das pessoas na TV aberta. Tais programas tiveram seu ápice na década de 90 até os anos 2000. Depois, houve uma espécie de “ressaca” na TV, devido ao exagero. Hoje, no entanto, tal programação vem retomando e ganhando novo espaço e novo ar.

Os 15 minutos de fama passaram a ser esquecidos cada vez mais rápido. Personagens como os do Big Brother Brasil deixam de ser célebres logo após terminar o programa e, em alguns casos, até mesmo durante o “reality show” (quando são eliminados no início e o programa prossegue seus três meses). Se não são os quadros do Fantástico, na Rede Globo, e o TV Fama, na Rede TV, para revivê-los de tempo em tempo retratando como andam suas vidas, apenas eles mesmos, a família e, talvez, seu bairro, manteriam na mente a participação midiática.

Hoje, com novo ar, os shows da realidade têm trabalhado a vida de artistas que não decolaram ou que estão por hora apagados na mídia. Esses entraram ainda mais no gosto do público por proporcionarem ao “homem comum” a possibilidade de “conhecer” o íntimo de um artista. Essa linha, também importada dos modelos americanos de TV, começou no Brasil com Silvio Santos na Casa dos Artistas, e, recente, foi aderido junto ao plano de reestruturação e crescimento da Record com a exibição do programa A Fazenda. Também neste gênero estão os programas com testes de memória que o SBT apresenta com famosos e não famosos.

E agora vem aí o BBB 2010. Repagina-se a casa, mudam-se os personagens, mas a história, os traços e os perfis se mantém. Além do grande personagem de todas as edições do BBB que se tornou queridinho do público: o admirado jornalista e apresentador Pedro Bial, que, hoje, demonstra estar à vontade com seu “reality show”.Vão surgindo novos meios, novas abordagens e remodelagens nas formas de apresentar o privado no público.

A Indústria Cultural transformou o que era belo e único na Cultura Erudita em modelo para o novo belo que se espalha e se reproduz na Cultura de Massa; quando a estética e a própria vida se adianta à arte, a beleza pode ser tocada por muitos e se reproduz e é consumida de forma massificada.

O homem consumidor já não se interessa mais apenas pelo consumo massivo. Ele também se desinteressa rápido pelo produto. Um conteúdo que bastante representa esse conceito é a música dos Titãs “A melhor banda dos últimos tempos da última semana”.

A Indústria Cultural nos propõe produtos instáveis, inconstantes, desenraizados. E ‘a vida se torna menos escrava dos bens materiais e mais escrava das futilidades’. E para criar novos modelos que afloraram o consumo impulsivo, a Indústria Cultural aposta nos meios de comunicação e expande as celebridades da TV.

Os meios de comunicação, como produtos da Indústria Cultural, oferecem aos consumidores um mundo de sonhos. O consumidor se sente bem ao ver na TV algo que tem (parecido) ou que gostaria de ter. A TV passa a se misturar com o cotidiano das pessoas. As informações chegam prontas e as regras são feitas, os modelos são criados. É através dos Meios de Comunicação que se sabe como estar na moda, qual a melhor tinta e qual a melhor cor a se usar no cabelo.

Como toda cultura produz algo, a cultura de massa produz seus heróis, decompondo o que é belo, sagrado e único, para construir celebridades que se tornam galãs, ídolos e campeões formados pela mídia. Esses deuses criados e sustentados pelo imaginário ditam normas de consumo e servem de sonhos e modelos para vida.

“No encontro do ímpeto do imaginário para o real e do real para o imaginário, situam-se as vedetes da grande imprensa, os ‘olimpianos’ modernos”. (MORIN, 1997: 105)

Segundo Edgar Morin, essas celebridades se igualam aos Olimpianos (com uma referência aos “Deuses do Olimpo”), ao elevarem suas vidas a um nível de estrelismo e passarem a ser idolatradas como deuses. Esses Olimpianos criam um mundo de sonhos e fantasias no resto da humanidade. Vivem uma vida dupla, meio real, meio fantástica, unindo sua beleza real às suas representações, passando a ser modelos de uma vida. A exemplo de mães e filhas como Glória Pires e Cléo Pires, que se tornam exemplo e modelo em participações em filmes e novelas e também na vida real.

Esses artistas passam a ser sobre humanos. Mesmo quando morrem materialmente, eles continuam existindo como personagens no mundo imaginário, nas revistas, jornais, rádios ou programas de TV, que reproduzem suas músicas, repetem novelas e filmes de que fizeram parte e, assim, esses célebres revivem seus atos nos meios de comunicação de massa (MCM) e no imaginário das pessoas.

“Os novos olimpianos são, simultaneamente, Magnetizados no imaginário e no real, simultaneamente, ideais inimitáveis e modelos imitáveis; sua dupla natureza é análoga à dupla natureza teóloga do herói-deus da religião cristã: olimpianas e olimpianos são sobre-humanos no papel que eles encarnam, humanos na existência privada que eles levam. A imprensa de massa, ao mesmo tempo investe os olimpianos no papel mitológico, mergulha em suas vidas privadas a fim de extrair delas a substância humana que permite a identificação”. (MORIN, 1997:107)
Criando um mundo de sonhos e fantasias no “resto da humanidade”, os Olimpianos, ou seja, as celebridades, levam uma dupla vida, misturando o fictício com o real. São eles: artistas, atletas, playboys, patricinhas, líderes de opinião, “Deuses do Olimpo”, entre outros que se destacam diante de uma sociedade passando a serem modelos de representações para uma vida. O famoso seria aquele que possui um equilíbrio em beleza, heroísmo, sucesso financeiro e carisma.

Sendo formatos de beleza e consumidores de produtos, eles realizam fantasias e satisfazem os anseios dos “meros mortais”, que os tratam como superiores fazendo deles seus ídolos, vestindo roupas parecidas, cortes de cabelo iguais ou pregando fotos por todas partes da casa.

Estão sempre realizando sonhos; fazendo e sendo representações. Sendo eles um grande modelo da “Cultura de Massa” e do estrelato publicitário, “fazendo a comunicação entre três universos: o do imaginário, o da informação e dos conselhos e incitações de normas”. Com isso é quebrado o modelo tradicional: “escola, família”, para que os Meios de Comunicação por meio dessas vedetes da imprensa ditem as novas normas a serem seguidas.

Os não famosos são os Homens Comuns, aqueles de vida simples, que constroem os fatos, mas que não ganham títulos. Com pouca aparição nos Meios de Comunicação, o homem comum vive idolatrando celebridades, vivendo de imitações, sempre copiando modelos impostos pelos famosos. Criam para si uma nova vida, a vida imaginária, misturando sua dura realidade (com mais trabalho do que diversão), com a emoção de uma novela, à paixão por seu cantor preferido e à satisfação de poder fazer de um célebre seu ídolo.

“Chamado ‘cada um’ (nome que trai a ausência de nome), este anti-herói é também Ninguém. É sempre o outro sem responsabilidades próprias e de propriedades particulares que limitam o lugar próprio (a morte apaga todas as diferenças). No entanto, mesmo neste teatro humanista ele ainda ri. E nisto é sábio e louco ao mesmo tempo, lúcido e ridículo, no destino que se impõe a todos e reduz a nada a insenção que cada um almeja”. (CERTEAU,1994: 60)

Segundo Michel de Certeau, o homem comum é aquele ser ordinário, que surgiu na modernidade em meio à confusão capitalista industrial da luta de classes. É aquele que escuta ordens, que se justifica, que não é admirado, mas que admira. Fazendo parte da multidão, ele não é cada um, perante os Meios de Comunicação; ele não existe isoladamente, é apenas parte de um todo representado em um lugar comum. Esse lugar que o meio desconhece como cada um e ao mesmo tempo conhece e valoriza-o como espectador. Pois é esse homem, o homem comum, que cria os personagens (os famosos apenas se tornam estrelas quando são queridos e desejados pelos fãs), lhes dá força e os faz viver nos Meios de Comunicação. E assim o homem comum é feliz, mas não pela consciência de criar personagens, mas pelo fato deles existirem e lhes proporcionarem modelos para consumo e construção de vida.

Analisar separadamente a vida do homem ordinário e a vida das celebridades é um ato quase impossível. A existência desses diferentes e quase opostos modos de vida depende uma da outra circunstancialmente.

Para constituir essa existência mútua e até fazê-las trocar de posições é que existem os Meios de Comunicação de Massa. São eles que apresentam um – Célebre – ao outro – ser ordinário, o homem comum. Fazendo dessa apresentação um círculo vicioso, onde os meios apresentam suas vedetes, criando celebridades que sustentam os meios, lhes dando audiência, sustentada pela massa, que é composta pelo homem comum – que ao mesmo tempo é recompensado a ter condições de ver e sentir algo que sua própria vida não é capaz de proporcionar.

E é essa transposição de atos (realidade – fantasia) que tem mudado a forma e a programação dos Meios de Comunicação. Tirando o homem comum do seu mundo ilusório, fazendo-o ser vedete por um dia, mostrando sua vida privada – antes desinteressante – ser de interesse público de forma trágica, engraçada ou mesmo cotidiana.
E é essa pessoa comum que vem, cada vez mais, mostrando sua cara e até mesmo se unindo a celebridades nos programas de TV. O seu papel nesses programas é ser atendido na realização de um sonho; ficar cara a cara com seu ídolo; expor um fato engraçado ou trágico da sua vida; jogar em troca de prêmios; mostrar que é uma vítima do destino através do sofrimento vivido e até mesmo servir de “palhaço” (arrancando risos em vídeos cacetadas ou contando fatos íntimos de sua vida).

E é nessa relação que a TV tem se construído e reconstruído, atuando com ídolos e pessoas comuns com a exploração da vida íntima e troca de lugares dos mais famosos do momento com os famosos momentâneos.

“É provável que, em média, o conhecimento dos americanos a respeito das vidas, dos amores e neuroses de semideuses e deusas que vivem nas alturas olimpianas de Bervely Hills ultrapasse de muito seus conhecimentos nos negócios cívicos”. (B. Rosenberg e D. Manning White)

As pessoas, num âmbito geral, têm grandes interesses por seus ídolos do esporte, da música e da TV, e com essa programação superpopular que vem invadindo o dia-a-dia da TV brasileira, a condição do fã saber e até conhecer seu ídolo se tornou potencializada e o homem comum deixou de viver o imaginário com seu ídolo para compartilhar com ele  seus gostos e preferências por meio da TV.

Podemos perceber que celebridades e pessoas comuns existem. Podem até ter aparições juntas, contudo, não se misturam nem se confundem na grade da programação superpopular brasileira. Pois, embora estejam apenas representando papéis, estes são bem definidos e separáveis. Principalmente, se estão lado a lado num encontro de fã mais ídolos é que cada um representa sua função e reafirma seu lugar, o de ser idolatrado e o de idolatrar.

Como se nota nos programas quem não é artista não recebe o melhor tratamento ou visibilidade do programa.  Gente Comum e Olimpiano são expressões utilizadas para situações momentâneas. Uma pessoa não é Gente Comum ou Olimpiano, mas sim está ou é qualificado como tal em fatos ou situações que representam na mídia.

Uma pessoa se torna alguém famoso quando aparece no jornal, revista, rádio e televisão, e a condição para que ela permaneça famosa é que essa aparição se mantenha com frequência. A aproximação aos “deuses do Olimpo” se dá pela presença constante e simultânea nos diferentes e diversos Meios de Comunicação, e essa aparição é dada em momentos, tanto que de tempos em tempos os artistas do auge são substituídos.

Contudo, mesmo com um sucesso flutuante e dependente de muitas estratégias da mídia, os Olimpianos têm uma presença marcante, um brilho próprio, uma aura que não é esquecida com facilidade (envolve beleza, carisma, inteligência, enfim, ser referência), diferente do homem comum que tem um tempo de aparição reduzido e que não consegue fixar sua imagem para os telespectadores pelo brilho, aura e presença marcante que o falta.

Mas um homem comum pode se tornar ídolo? Sim. Desde que constitua um brilho necessário (o que não é comum de acontecer). Nestes vários programas superpopulares, temos um caso comum a ser citado: Grazi Massafera entrou em um Reality Show em busca de um prêmio, de uma realização de um sonho, contudo, caiu no gosto do telespectador, com uma imagem que poderia ser trabalhada pela mídia exaltando sua beleza e carisma. Entrou para os 15 minutos de fama, mas diferente dos demais colegas BBBs passou a ter presença marcante em diversas mídias ao mesmo tempo, tornando-se “global”, namorando um artista querido e popular, e deixando o papel de gente comum para ídolo da TV. Isso tudo, em menos de dois anos… Mas deve-se considerar que o brio já estava lá.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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