Nome próprio (Murillo Salles, 2007)

O vazio da atualidade pós-moderna

Por Diego Barbosa*

Em meio a cigarros, devaneios, frases, alcoolismo, Strokes, Bukowski, sexo casual e uso de anfetaminas, as cenas exibem a passagem ordenada do tempo e uma eterna busca pela ficção. A história se desenrola nas mecas de moderninhos das metrópoles do sudeste, na paulicéia desvairada da Consolação e na boemia carioca de Ipanema. Um filme sobre a paixão, vínculos, carências, excessos.

Camila é o exagero em pessoa, a dor e a delícia de ser o que é, como diz Caetano. O instinto de sobrevivência aliado à liberdade de expressão, com a singularidade de dedicar-se a construir uma existência complexa o suficiente para se escrever sobre ela. E a inspiração se busca nos sofrimentos, nas decepções, nas angústias, nos anseios, nos desencontros, no vazio, na solidão em meio à multidão, sentimentos tão comuns a jovens que acabam de chegar na metrópole para tentar a vida.

Nome proprio conta a história desta jovem mulher, e sua paixão por escrever. A narrativa abre espaço para confundir a vida da personagem e a vida da autora – Clarah Averbuck – dos textos em que o filme foi baseado, publicados no blog “brazileira!preta”, que chegou a ter quase dois mil acessos diários. A protagonista Camila Lopes é heterônimo da escritora. Em julho de 2001 Clarah mudou-se para São Paulo, onde começou a escrever sua primeira novela, Máquina de pinball. Em setembro de 2001 criou o blog para publicar trechos do livro. A popularidade de seus escritos chamou a atenção de diretores importantes. Máquina de Pinball ganhou adaptação para o teatro, roteirizado por Antônio Abujamra e Alan Castelo, em 2003. O diretor Murilo Salles contou com a ajuda das roteiristas Elena Soárez e Melanie Dimantas, além da própria escritora, para fazer o filme.

Clarah, nascida em Porto Alegre em 1979, também escrevia para revistas como Showbizz, Trip e TPM. Ela também teve um breve experiência no cinema, interpretando uma prostituta no curta “Nocturnu” de Dennison Ramalho (mais tarde premiado em Gramado por outro trabalho, “Amor Só de Mãe”). Clarah voltou a manter um blog, agora no endereço “http://adioslounge.blogspot.com” e está envolvida em diversos projetos: escreveu, com Guilherme Coube, o roteiro de uma série para a MTV, foi uma das contempladas pelo Programa Petrobrás Cultural com o livro “Eu Quero Ser Eu”, a ser lançado pela Editora Cosac Naifye e está finalizando o livro “Nossa Senhora da Pequena Morte”, uma parceria com a artista Eva Uviedo.

“Uma história real”, era o nome da produção no início das gravações, que só na fase de edição recebeu o título atual. O filme de fotografia nua e crua, exprime a sexualidade em sua dimensão naturalista, sem parecer pornográfico. Com alguns diálogos forçados ou dotados de maneirismos de internautas como “todo mundo deve ter copiado, redirecionado!”, o elenco tem atuação sofrível, salvo por Leandra Leal, que salva o filme. Há excessos na forma com que o texto invade a tela, muitas vezes conduzindo a interpretação sem necessidade, ao destacar palavras nas frases.

O Filme é um amontoado de frases, inspiradas em escritores como Charles Bukowski e Paulo Leminski, mas com amadorismo adultescente de uma menina de 22 anos. Misturar vestígios da cultura underground, como alcoolismo e amor livre com a auto-referência e estética punk, é sua principal característica, em um mundo repleto de figuras como notívagos (pessoas de hábito noturno da cidade que não dorme) e outsiders (sujeitos que não fazem questão de pertencer a nenhuma turma, que não se enquadram na sociedade). Expressa-se intensivamente o hedonismo através da personagem Camila que persegue o amor sem pausa para descanso. Ou melhor, com pequenas pausas apenas para o sexo casual. A protagonista ganha corpo e alma pela atuação de Leandra Leal, que insclusive ganhou o kikito de melhor atriz no Festival de Gramado deste ano (Nome próprio ainda foi o melhor filme e também Pedro Paulo de Souza levou o kikito de direção de arte).

O blog tem sua primeira representação no cinema brasileiro, o que evidencia a importância da Internet para a cultura pós-moderna. O mundo virtual passou por expressivas mudanças de 2001 para 2006, quando foram feitas as cenas. É difícil medir esta ambientação, e se causa certa estranheza nas horas do som de conexão discada por telefone ou quando a blogueira pede busca no Altavista, quando ainda não existia o Google. Rodado em São Paulo e Rio de Janeiro, berço da cultura digital no Brasil, o filme é exemplo de cinema nacional alternativo com orçamento de guerrilha. O marketing foi todo baseado em internet e panfletagem nas ruas, usando blog, orkut, fotolog, youtube, flickr, twitter, myspace, etc.

Embora de esforço louvável, Nome Próprio não consegue exprimir a essência do movimento literário da juventude neo beatnik dos anos 2000. Mas, segundo o diretor Murilo Salles, a intenção do filme sempre foi contar a vida da blogueira e não sua literatura. O melhor: Leandra Leal mergulha profundo na complexidade da personagem, e transpira poesia auto-existentencial.

*Diego Barbosa é graduando em Biblioteconomia e Ciência da Informação pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

Author Image

RUA

RUA - Revista Universitária do Audiovisual

More Posts

RUA

RUA - Revista Universitária do Audiovisual

Deixe uma resposta